Seria machismo utilizar a palavra “homem” para designar a espécie humana e também o sexo masculino? A palavra “homem”, em português, tem pelo menos estes dois significados: (1) ela significa “homem” enquanto espécie, cujo sentido abrange homens e mulheres; (2) ela também significa o sexo masculino da espécie humana, correspondendo, ao sexo feminino, as palavras “fêmea” ou “mulher”. Desse ponto de vista, a mesma palavra “homem” teria dois significados, com um deles incluindo as mulheres quando a palavra “homem” significa os humanos, enquanto a palavra “mulher” teria apenas um sentido. Assim, seria possível concluir, embora erroneamente, que quando “homem” é sinônimo de humano, haveria uma identificação machista entre o patriarcado e a designação geral da espécie.
A palavra “homem”, entretanto, deriva da palavra latina “homo”, cujo significado é apenas o sentido geral da espécie humana, já que em latim a palavra “vir” significa homem sinônimo de sexo masculino e a palavra “femina” significa mulher. A palavra “mulher”, por sua vez, deriva do latim “muliere”, preservando o mesmo sentido em português. Ora, do ponto de vista etimológico, “homem” sinônimo de espécie humana não configuraria machismo, pois derivaria de uma palavra complexa em sua origem, cujo sentido abrange homens e mulheres, não havendo, em latim, uma extensão de seu significado ao sexo masculino, ao qual corresponde uma palavra própria.
Pode-se contrapor, porém, que apenas linguistas conhecem etimologia, enquanto na mente dos falantes há gramaticas e vocabulários cujas memorias estariam apagadas, deixando os vestígios de suas origens acessíveis apenas aos especialistas. Sim, isso de fato acontece, entretanto, as línguas não se reduzem a gramáticas e vocabulários, as palavras, na realidade, fazem sentido somente quanto são colocadas em discurso; suas dimensões ideológicas, quer dizer, seus significados sociais, sejam eles machistas ou não, não são demarcados na morfologia das línguas. Caso contrário, tanto no Império Romano quanto na Igreja Católica medieval, momentos históricos cuja língua dominante é o latim, não haveria sistemas patriarcais – portanto machistas –, o que seria absurdo concluir.
Confusões identitárias no campo da linguística, tais como essas, são lamentáveis; basta deixar de considerar a língua apenas em suas dimensões lexicais e morfossintáticas, estendendo nossas considerações também a suas dimensões discursivas e a suas inserções históricas, para que toda essa perturbação seja resolvida em termos razoáveis, e não sob os parâmetros excessivamente emocionais e carentes de informação, típicos dos identitários. Não é modificando o vocabulário que são feitas intervenções sociais por meio da língua, trata-se, isto sim, de modificar o discurso; de nada adianta utilizar palavras ridículas tais como “companheires”, “todes” etc., na maioria das vezes incompreensíveis, se o militante supostamente de esquerda não se envergonha se assinar documentos ou fazer parcerias com capitalistas e torturadores, quer dizer, a extrema direita, aderindo assim e inevitavelmente à ideologia burguesa.
Por fim, ou o identitário desconhece tudo isso e não está devidamente preparado para discussões políticas, ou, tanto pior, cinicamente engana-se a si próprio, buscando turvar a opinião pública por meio de sua própria debilidade.
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