Os tempos reacionários têm influenciado negativamente um setor da esquerda que foi tomado por uma confusão no que diz respeito ao entendimento do que é a liberdade de expressão. Tem sido constante nos meios da esquerda, em particular de classe média, universitários e acadêmicos, que mais facilmente recebem a influência da ideologia da direita, a defesa da censura usando alguma moralidade para justificar tal política.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai novamente discutir o suposto “conteúdo racista” de obras de Monteiro Lobato. Setores do movimento negro cairam em confusão e acreditam ser correta a apreciação de que o escritor brasileiro seria realmente racista e mais ainda que seria legítimo censurar sua obra, ou parte dela. Uma censura póstuma do autor.
É preciso dizer claramente que se trata de uma política não apenas errada mas criminosa contra a cultura nacional. A Justiça burguesa teria a prerrogativa de decidir o que seria bom ou mal na literatura brasileira, não apenas a que será publicada mas a que já foi publicada décadas atrás.
A censura nas mãos da direita
Em primeiro lugar, do ponto de vista político o que se está defendendo é que um Tribunal reacionário como o STF decida o que pode ou não pode ser publicado. Esse poder só pode, invariavelmente, se voltar contra os próprios movimentos da esquerda e o movimento negro em particular.
A esquerda não tem que dar esse poder ao STF, um tribunal composto pelos elementos mais reacionários – e por que não dizer – racistas do País. Se o Tribunal decidir algo que à primeira vista possa ser favorável à censura sob o “justo” critério do racismo, será para que amanhã ele possa censurar sob outros critérios “justos”, não segundo a esquerda mas segundo a burguesia e a direita que é a quem os ministro da Corte respondem.
Nesse sentido, os setores explorados da população e as organizações de esquerda devem defender a liberdade total e irrestrita justamente para que no futuro sob nenhum pretexto seja impedida de falar o que quiser para combater os seus inimigos, racistas, fascistas, golpistas.
Um método nazista
Em segundo lugar, e mais importante, é preciso dizer que o método da censura só pode trazer um resultado: o esmagamento do desenvolvimento cultura do povo. Não existe pretexto para que um livro seja cortado, suspenso, censurado.
No próximo ponto iremos tratar sobre a realidade das acusações contra Monteiro Lobato, mas sobre o suposto racismo em sua obra devemos afirmar que se trata de uma justificativa moral e subjetiva para a censura e portanto abstrata.
Quem define o “racismo” de Monteiro Lobato? Como afirmar que os trechos acusados como tal realmente são um atentado contra os negros?
O suposto racismo na verdade estaria apenas nas palavras. Monteiro Lobato, mesmo porque o escritor já morreu há muito anos, não agride nenhum negro, não tem poder para excluir os negros de determinado convívio social, tampouco é responsável pela profunda exploração econômica a que a maioria esmagadora dos negros está submetida no País.
Foram critérios igualmente subjetivos os usados pelo nazismo não apenas para censurar, mas para queimar livros e obras artísticas com o discurso de que são “degeneradas”, ou seja, moralmente condenáveis.
Com o objetivo mais abominável, os nazistas procuraram destruir a produção cultural da humanidade. Para eles, assim como para a direita atual, seus preceitos morais e subjetivos justificavam tal ação.
Discordamos absolutamente e o mais profundamente possível desses preceitos. Quem determinava isso eram os poderosos que dominavam o Estado fascista.
Alguém poderia argumentar: “mas os nossos preceitos morais são verdadeiros, nobres e progressisitas”. O grande problema é saber quem terá o poder de decidir sobre isso.
Se os preceitos são subjetivos, o que é ofensivo e racista para mim pode não ser para o outro, assim como o que era moralmente abominável para os nazistas não são para mim. No final das contas, temos que o poder de decidir acaba invariavelmente na caçapa dos poderesos, da direita.
É assim no caso de Monteiro Lobato. Para alguns, o autor é racista, para outros não. As passagens de “Caçadas de Pedrinho” apresentadas como racistas estão na verdade sujeitas à interpretação.
Trata-se de um vandalismo contra a cultura nacional. Considerar qualquer política de censura, alteração ou até ocultação de um texto, uma obra de arte ou livros é apagar a historia de um povo. Monteiro Lobato e sua obra são patrimônio nacionais, ele deve ser lido, estudado, criticado se for o caso, mas tudo livremente.
Censurar Monteiro Lobato por seu suposto racismo seria como os ingleses censurarem William Shakespeare porque alguma obra sua seria anti-semita.
O politicamente correto não pode ser justificativa para apagar a cultura de um povo.