Em notícia publicada em 07/04 na página eletrônica do governo do estado, o governo do Maranhão (Flávio Dino, PCdoB) afirma ter havido redução pela metade no número de conflitos fundiários e agrários no estado após criação da Coecv (Comissão Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade). Trata-se de uma comparação de processos ativos entre o período de 2015-2016 (436 casos recebidos e 294 ativos) e o de 2015-2019 (139 casos ativos).
A CPT-MA (Comissão Pastoral da Terra), entidade que levanta dados de conflitos no campo desde 1985, contesta os dados apresentados pelo governo e diz se tratar apenas de uma artimanha administrativa daquela comissão estadual. Segundo a entidade, em 2018 o Maranhão apresentou 196 casos de conflitos no campo, sendo o primeiro lugar do país nesse terrível indicador. O Pará, com 114, ficou em segundo lugar. Os dados referentes a 2019 ainda não foram divulgados.
O gráfico apresentado na matéria do governo do Maranhão mostra que houve 645 decisões judiciais –liminares ou sentenças– encaminhadas à COECV nos seus 5 anos de funcionamento (2015-2020) requisitando força policial para cumprimento de despejos no MA. Tal gráfico apresenta a distribuição dessas 645 decisões pelos anos de início dos processos judiciais de onde elas provêm. É apenas um recorte, ou seja, são decisões de despejo ainda vigentes, concedidas em processos judiciais iniciados entre 1990 e 2019, mas pendentes de cumprimento, e que, por este motivo, chegam à COECV.
Por se tratar de um recorte, os números, preocupantes, de fato, não indicam o total de conflitos fundiários que ocorreram naquele período. Muitas decisões de despejo já haviam sido cumpridas antes da instalação da COECV e outras várias ainda serão concedidas, mesmo em processos judiciais iniciados antes de 2020.
A verdade é que o número de conflitos fundiários nesse intervalo de quase três décadas é alto. Conforme dados dos Cadernos de Conflitos da CPT, de 1990 a 2018 foram 2.539 conflitos no campo ocorridos no Estado do Maranhão. Isso sem contar os conflitos fundiários em áreas urbanas, caso estes números fossem contabilizados, o total de conflitos poderia mesmo duplicar.
Pode-se afirmar que, o que está sendo chamado de “redução de conflitos fundiários” na matéria do governo estadual é, na realidade, a redução dos casos que estavam sob apreciação da comissão de mediação. Vale ressaltar que, a conclusão da fase de mediação nem sempre é positiva, podendo resultar, inclusive, em despejos forçados contra coletividades. Um exemplo disto foi a reintegração de posse violenta ocorrida no Cajueiro (São Luís) em agosto de 2019. Aquele foi um dos 645 casos que tramitaram na COECV e consta naquela comissão como caso concluído, por cumprimento da decisão. Ou seja, o status de “concluído” na comissão estadual não quer dizer que não houve conflito. Como contabilizar a destruição de uma comunidade como uma vitória?
Nos últimos meses índios Guajajara estão sendo assassinados sem qualquer cerimônia por posseiros e madeireiros ilegais. Incluindo o líder Paulino Guajajara dos “Guardiões da Floresta” em novembro de 2019 – num ataque do qual escapou Laércio Guajajara –, e o líder Zezico Rodrigues Guajajara, dias atrás. Ele era um dos líderes da Terra Indígena Araribóia, diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru e professor há 23 anos.
É preciso denunciar as notícias falsas de governos que dizem defender o povo, mas que escondem a realidade por trás de números que geram manchetes boas, mas que não revelam na prática nada positivo. Os indígenas estão morrendo, suas terras estão sendo cada dia mais invadidas. É preciso fortalecer a luta pela terra e seu uso pelos povos nativos. A organização da auto-defesa dos indígenas, dos sem terra e sem teto no país se tornou essencial nesses dias cada vez mais violentos, em que assassinatos são incentivados pelos governantes.
Abaixo trecho final de Nota de Esclarecimento da CPT-MA:
“É inaceitável que a realidade trágica que se abate cotidianamente sobre milhares de camponeses, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, pescadores, seja subdimensionada com a apresentação de dados administrativos voltada para ocultar a dimensão real do sofrimento humano.
As comunidades no Maranhão continuam violentadas, pelos despejos forçados, intimidações, ameaças de morte e assassinatos por encomenda.
Essa continua sendo a terrível realidade.”