Muito se fala, hoje em dia, sobre a necessidade de se formar uma “frente ampla” entre a esquerda e a burguesia para derrotar o governo Bolsonaro. A conversa, além de absurda, aparece, atualmente, de uma maneira bastante distorcida, uma vez que as eleições de 2020 não decidirão quem irá presidir o País, mas tão somente quem irá administrar as cidades. Nessa adaptação bizarra, surge também a tese de que as “realidades locais” são importantes para fomentar uma futura grande aliança contra a extrema-direita. Uma boa demonstração de aonde a esquerda poderá chegar seguindo essa política é o que aconteceu na cidade de Petrolina na última terça-feira (4).
Em uma sessão ordinária da Câmara dos Vereadores da cidade, foi aprovado, com ampla maioria, que Bolsonaro recebesse o título de cidadão de Petrolina. Que Bolsonaro nada tem a ver com o município pernambucano, não é nem necessário dizer. Que um projeto absurdo, ainda mais no momento em que o Brasil se aproxima das 100 mil mortes por COVID-19, seja aprovado, também não causa espanto. Contudo, o acontecimento nos fornece elementos importantes para analisar o problema das “alianças locais”.
O projeto teve 17 votos favoráveis, 3 votos contrários e 2 abstenções. Vejamos, então, o mapa da votação:
A favor:
MDB: 7 votos
DEM: 5 votos
Republicanos: 4 votos
PSL: 1 voto
PDC: 1 voto
Contra:
PT: 3 votos
PSD: 1 voto
Abstenções:
DEM: 1
Podemos: 1
Em primeiro lugar, já chama a atenção o fato de que o PSL, partido pelo qual Bolsonaro concorreu às eleições de 2018, tem um único vereador. Todos os demais votos favoráveis foram dos partidos que a imprensa burguesa e, frequentemente, a esquerda pequeno-burguesa chamam de “centro”. Ou seja, muito longe da propaganda que se faz em torno da “frente ampla”, Bolsonaro não está “isolado” no que diz respeito à burguesia. Muito pelo contrário, as diferenças entre ele a direita tradicional são muito superficiais.
Essa, contudo, não é a única lição que podemos tirar desse caso. Uma outra informação muito importante para analisar a votação é a seguinte: nas eleições de 2016, o PSB elegeu 4 vereadores, e o PDT, 2 vereadores. Mas a questão é: onde eles foram parar? Todos, sem exceção, foram parar no MDB.
A escolha do MDB, por sua vez, não foi por acaso: o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho, membro de uma tradicionalíssima oligarquia da região, migrou do PSB para o MDB. E, nesse movimento, arrastou os vereadores de ambos os partidos.
A migração dos vereadores e do prefeito para o MDB é um fenômeno bastante previsível. A própria sessão da Câmara dos Vereadores que deu o título a Bolsonaro deixou isso claro: todas os elogios ridículos feitos pelos vereadores tinham como fim garantir que Bolsonaro destinasse verbas para o município. Afinal de contas, fazer frente, de fato, ao governo federal, poderia levar o município a sofrer sanções. E, entre o corte de verbas, que desmontaria todos os esquemas eleitorais e máfias locais dos vereadores petrolinenses, e a convicção política de que o governo deveria ser derrubado, os políticos burgueses, obviamente, não prezarão por qualquer valor ideológico.
A falta de qualquer compromisso político dos vereadores ficou tão evidente que muitos, durante a sessão, declararam que deram o mesmo título a Dilma Rousseff e que não se arrependeram. Um dos vereadores, inclusive, afirmou que votou em Fernando Haddad, mas que iria ser a favor do título para desejar bons votos ao presidente. Transcrevemos abaixo a fala de um vereador que, após elogiar Lula, declarou:
“Agora vem Bolsonaro. Bolsonaro sacode dinheiro aqui em Petrolina, manda dinheiro para fazer mil ruas. Solta dinheiro aqui nos viadutos. Sacode dinheiro aqui para fazer os postos de saúde. Manda dinheiro para testar o povo aqui para combater o Covid. Esse homem sacudindo dinheiro na região do Nordeste. Por que vou votar contra esse homem? (…) Eu não vou fazer partidarismo aqui. (…) Por amor a Petrolina, eu voto sim”.
É bizarro, mas é esse o verdadeiro retrato da politica municipal. Não há grande luta “pragmática” nas cidades entre o bem e o mal, há apenas a eterna disputa entre os piores vigaristas do país de olho nos cofres dos municípios. Nesse sentido, é preciso rejeitar completamente as alianças com bandidos políticos, mesmo que esses venham vestidos de “amigos da esquerda”. Vale lembrar, inclusive, que o “mui amigo” PSB, que hoje é tratado com muito carinho pelo PCdoB, puxou o tapete do PT justamente quando a direita preparava o golpe de 2016.
É preciso, portanto, estabelecer uma política que de fato dê uma perspectiva de luta para os trabalhadores. É preciso organizar o povo para derrubar o governo Bolsonaro nas ruas.