Engana-se redondamente quem pensa que presos condenados no Brasil cumprem apenas a pena de prisão. Outras penas lhes são impostas como a tortura, o espancamento, a humilhação e, dentre outras, a extorsão. Vejam o caso da penitenciária da Papuda onde, advogados cobram até R$ 900 por notícias de infectados por coronavírus.
A notícia é mesmo grave eis que nenhum outro complexo prisional brasileiro, até agora, teve tantos casos de infectados na pandemia. Acresce-se que não são apenas presos, há ainda 30 agentes penitenciários infectados.
Um “mercado” de extorsão se abre em plena pandemia de coronavírus. A ligação feita pela servidora do sistema prisional, de dentro do Complexo da Papuda, em Brasília, informa que o parente contraiu coronavírus.
Outros telefonemas. A funcionária queria saber se ela tinha algum parente dentro da Papuda, onde estão confinados 13,4 mil detentos, em quatro presídios distintos. A servidora informou, em seguida, que o preso parente havia sido diagnosticado com Covid-19, que passou a ficar isolado e que vinha recebendo assistência médica desde então.
As más notícias se espalham na mesma rapidez do vírus. O mesmo ritual se repetiu para as famílias de 72 presos infectados pelo novo coronavírus dentro da Papuda. Na Papuda, há ainda 30 agentes penitenciários infectados, o que eleva para 102 o número de casos, de acordo com dados divulgados na última segunda-feira.
As coisas se desenrolam num suspense de filme de terror. Com o isolamento a que todos os detentos foram submetidos — as visitas de advogados e parentes estão vedadas, esse fato fez surgir uma espécie de mercado de informações sobre a saúde dos detentos. Tem até preço: entre R$ 300 e R$ 900.
São sessões de 30 minutos cada, as discussões sobre os processos foram quase inteiramente substituídas pela busca por informações sobre a saúde dos presos. O recurso é limitado: são permitidos apenas cinco presos por bloco num dia. Um mesmo advogado só pode falar com dois detentos por semana.
O novo “mercado” prospera. O advogado está cobrando até R$ 900 para uma conversa por videoconferência. E não está tendo vaga. Ele pega um bilhete ou uma carta do familiar e lê para o preso. A fila por esse serviço está enorme diz a irmã de um preso.
O ex-deputado Eduardo Cunha pôde ir para a casa. Os mais humildes recorrem à Defensoria Pública do Distrito Federal. Os defensores, no entanto, ainda não têm acesso ao parlatório virtual.
Todos os dias, a Defensoria Pública recebe cerca de 200 ligações e mensagens de familiares de presos pedindo ajuda para saber o que está acontecendo dentro da Papuda.
Fato é que a Ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) já recebeu denúncia sobre a comercialização dessas sessões virtuais. Familiares de diferentes presos vêm se associando para pagar um único advogado.
A queda da Bastilha em 14 de julho de 1789, uma fortaleza que abrigava apenas 11 presos, se deveu ao ódio da população revoltada que botou abaixo este símbolo de opressão. O desespero das famílias que viram Eduardo Cunha ser levado para casa antes mesmo de contrair o vírus pode levar a Papuda ao mesmo destino da Bastilha.