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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Ditadura em Pernambuco

Extinguir as torcidas organizadas ou extinguir a PM?

Na última terça-feira (18), a Justiça determinou a extinção das três principais torcidas organizadas do estado de Pernambuco.

Por Victor Assis

Na manhã de 1º de dezembro de 2019, o Brasil inteiro acordou chocado com a notícia de que nove jovens foram assassinados brutalmente em uma operação da Polícia Militar (PM) de São Paulo. A imprensa burguesa, no entanto, fez pouco caso e fingiu levar a sério as versões cínicas da PM que tentavam justificar o injustificável. Nada, no entanto, aconteceu aos responsáveis — isto é, o governador de São Paulo João Dória, a principal liderança da extrema-direita nacional Jair Bolsonaro e a própria instituição fascista Polícia Militar.

Já na noite do dia 3 de março de 2020, uma briga entre torcedores do Santa Cruz e do Sport — maiores rivais do futebol pernambucano — tomou conta das manchetes de todos os jornais do estado. Ao contrário do caso de Paraisópolis, no entanto, o confronto não deixou nenhum cadáver. Mas quem tivesse o desprazer de acompanhar a imprensa burguesa pernambucana — obrigação da qual não pude me eximir — teria a sensação de que rubro-negros e tricolores se digladiaram em um guerra que destruiu a cidade inteira. Puro mito…

A briga entre os torcedores foi rapidamente dispersada pela Polícia Militar, que não perdeu a oportunidade para prender duas pessoas e sair causando terror. Na imprensa, contudo, a briga continuou durante dias seguidos. O Jornal do Commercio, principal órgão da imprensa burguesa em Pernambuco, publicou, apenas em sua versão digital, ao menos cinco matérias sobre o assunto. Todas elas, obviamente, tinham como intuito assustar a população e jogá-la contra as torcidas organizadas:

Torcedores falam em ‘revide’ contra torcida organizada do Sport em perfil de uniformizada do Santa Cruz (04/02/2020)

Santa Cruz vai ‘abraçar’ crianças envolvidas em tumulto provocado pela principal organizada do Sport (04/02/2020)

Torcidas Organizadas de Sport e Santa Cruz brigam no Metrô do Recife (05/02/2020)

Presidente do Santa Cruz quer atuar contra violência das facções organizadas (04/02/2020)

PM diz ter sido ‘surpreendida’ por invasão em festa do Santa Cruz (04/02/2020)

No caso de Paraisópolis, houve uma revolta generalizada. Atos foram convocados e a política genocida da extrema-direita foi contestada em todo o país. O caso da briga das torcidas pernambucanas, por outro lado, não gerou nenhuma comoção. Afinal, todo mundo que acompanha futebol sabe que a rivalidade faz parte do esporte e todo mundo que vive no planeta terra — e sobretudo na sociedade decadente e carente de perspectivas organizada pelo modo de produção capitalista — sabe que brigas acontecem.

Por algum motivo, no entanto, a briga comoveu bastante a imprensa burguesa, governo de Pernambuco e vários outros elementos da direita local. Tão logo terminada a grande briga que não deixou dano algum ao patrimônio da cidade, iniciou-se uma campanha pelo fim das torcidas organizadas. Até mesmo Ivan Moraes, vereador de Recife pelo PSOL, entrou na campanha: “não basta acabar com as torcidas organizadas, mas fazer um trabalho sério para identificar onde está a violência e como nasce”.

A campanha, desde o início, não escondia seu teor fascista. Acabar com as torcidas organizadas pelo simples fato de existirem enquanto organização já seria, em si, uma medida tipicamente fascista. Mas o discurso de quem fazia a campanha não deixava margem para dúvidas em relação à sua proximidade com o bolsonarismo. Abaixo, registro algumas das falas do presidente da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), o fascista Evandro Carvalho, um dia depois da briga entre as torcidas:

“É um câncer que não conseguimos resolver. Tem que matar. É um bando de bandidos”.

“Infelizmente, a polícia atirou para cima. Deveria ter atirado neles. Seriam de 30 a 40 marginais a menos na cidade”.

O problema dese tipo de gente é de Deus e da família dele“.

“Se tivesse concurso público para carrasco e eu tivesse idade, eu me candidataria. Seria ótimo“.

A campanha da extrema-direita, apoiada explicitamente pelo governador Paulo Câmara (PSB) e, silenciosamente, pelo conjunto da esquerda parlamentar, que não falou absolutamente nada sobre o assunto, acabou por ter êxito. Na última terça-feira (18), o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decidiu extinguir as três principais torcidas organizadas do estado — Inferno Coral, Jovem e Fanáutico — “por episódios constantes de violência, vandalismo e brigas”. O governador Paulo Câmara comemorou publicamente a decisão.

O processo que levou à decisão foi julgado na 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Recife. De acordo com o juiz Augusto Sampaio Angelim, a extinção compulsória das torcidas citadas foram embasadas pelo artigo 5º, incisos XVII e XIX da Constituição Federal, combinado com o artigo 39-B do Estatuto do Torcedor, combinado com os artigos 51, § 2º, e 1.033 do código civil. As torcidas ainda foram obrigadas a pagar os honorários advocatícios de 10% do valor da causa.

Embora a própria iniciativa do Estado de cassar o direito de as torcidas organizadas se constituírem enquanto uma organização já revele o caráter fascista da medida, discutirei aqui brevemente a ilegalidade da decisão judicial. Para atender às urgências do governo de Pernambuco e da extrema-direita, o juiz Augusto Angelim se valeu do artigo 5º da Constituição, incansavelmente citado para defender os direitos democráticos do cidadão, para cassar os direitos de uma organização. Os incisos citados dizem o seguinte:

XVII –  é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XIX –  as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

Ou seja, o embasamento do juiz para cassar os direitos das torcidas organizadas é o de que os fins das torcidas seriam ilícitos — somos obrigados, portanto, a concluir que torcer é um ato ilícito. Afinal, se alguns membros das torcidas portam armas ou brigam entre si, não é possível caracterizar as torcidas organizadas como organizações com fins ilícitos. Se assim fosse, o Movimento Brasil Livre (MBL) e a União Democrática Ruralista (UDR), que servem de fachada para milícias que atuam contra o movimento operário, deveriam ser dissolvidas imediatamente. Obviamente isso não vai acontecer, mas a qualquer momento a esquerda poderá cair nesse “privilégio”. Não vamos esquecer que já há vários processos que tentam enquadrar o PT como organização criminosa…

Por qualquer ângulo que seja discutido o tema, fica claro que se trata de mais uma arbitrariedade do regime político golpista, que se fecha a passos largos. Toda a operação farsesca que foi feita para perseguir uma organização do povo, ao mesmo tempo em que ataca ferozmente os direitos democráticos da população, oculta uma outra face da violência urbana que é propositalmente omitida pela imprensa burguesa: a Polícia Militar, responsável por mais mortes do que qualquer outra organização no país.

A PM, que já teve sua dissolução recomendada até mesmo pela imperialista Organização das Nações Unidas (ONU), deve ser completamente extinta. Sua existência se deve apenas aos interesses da classe dominante, que procura aplicar, por meio da força, uma política de guerra contra a população.

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