“No dia em que as pessoas não acreditarem mais em absolutamente nada talvez elas consigam se libertar desse êxtase. As pessoas estão enfeitiçados por Bolsonaro. Estou falando “Bolsonaro” no sentido de metáfora do mal no Brasil nesse momento”. Esse é um trecho de uma longa entrevista concedida pela escritora e professora de filosofia Márcia Tiburi ao Portal Catarinas, publicada no último dia 16/4.
Muito embora a entrevista concedida por vídeo-conferência aborde diversos assuntos, no principal, o trecho acima reproduzido sintetiza a posição política de Tiburi, que auto exilou-se nos Estados Unidos em decorrência de perseguição política sofrida por parte da extrema-direita brasileira, conforme informou.
Márcia Tiburi foi a segunda “personalidade” de esquerda a sair do país pelo mesmo motivo. No início desse ano, o deputado federal do Psol e ativista LGBT, Jean Willys, renunciou ao seu mandato parlamentar e busca nos “ares europeus” um novo rumo para sua “luta” contra a extrema-direita no país.
Voltemos ao “feitiço” bolsonarista. Um primeiro aspecto que chama atenção é o endeusamento que Tiburi faz do fascismo, superdimensionando a sua “força ideológica”, comparada a uma máquina de guerra quase invencível. O fascismo não é nada disso. Não passa de um recurso do capitalismo moribundo na sua fase imperialista que, diante do seu iminente colapso, impulsiona um setor da pequena-burguesia desesperada a serviço da destruição das organizações operárias com o objetivo de dar uma sobrevida ao capitalismo moribundo e unicamente por isso, uma ameaça muito perigosa e que deve ser combatida com todas as forças.
Não existe uma “ideologia fascista” padrão. Hitler usou o antissemitismo como uma ideologia de ocasião, Mussolini atacava os pacifistas que foram contra a guerra, a corrupção, o Estado fascista de Israel usa o sionismo contra os palestinos. Simplificando, a ideologia fascista é uma ideologia de ocasião. Na essência, a ideologia serve para encobrir o papel que esses regimes cumprem ou cumpriram em defesa do capital financeiro e dos grandes monopólios a eles associados.
Bolosonaro, ou o bolsonarismo, em nada se diferencia dos seus antecessores. Defende tudo que possa ser conveniente a sua política de extrema-direita. Supostamente é contra a corrupção sendo ele mesmo e seus pares uma plêiade de corruptos. Defende um suposto nacionalismo, quando é a favor da entrega do país para o imperialismo, em particular o norte-americano, é um moralista absolutamente imoral, e assim por diante.
O ponto essencial em comum a todos esses “fascismos” é o profundo ódio que nutrem por tudo que é de esquerda, pelo movimentos sociais e pelo povo. A política deles é a do massacre das massas, em primeiro lugar das suas organizações, é a Gestapo alemã, a OVRA italiana, a YAMAN israelense, os bandos de desclassificados milicianos em todos esses país e também no Brasil.
O fascismo desse ponto de vista é um grupo de ação e como tal, só pela ação das massas organizadas pela esquerda é que pode ser efetivamente combatido. Nesse sentido, o ponto crucial do impasse que existe na luta contra o fascista Bolsonaro reside justamente no papel que cumpre a esquerda. No Brasil, à exceção do PCO, a esquerda não luta pela derrubada do governo Bolsonaro. Há, inclusive, setores que defendem abertamente o “sucesso” do seu mandato, que se colocam como “oposição” tendo como horizonte as eleições de 2020 e 2022.
Obviamente que nada disso é luta contra o bolsonarismo. Quem defende uma oposição de tipo parlamentar não se coloca no campo da defesa da liberdade de Lula. A direita e os fascistas mantém Lula preso justamente porque ele representa a verdadeira unidade popular contra o golpe. Por isso a defesa do fora Bolsonaro se completa com a luta pela liberdade de Lula e essa não é uma luta institucional, parlamentar. Para ser real, necessariamente tem de ser popular, tem de ser nas ruas.
Talvez seja por conta dessa incompreensão, por viver justamente no meio dessa esquerda pequeno-burguesa que efetivamente não luta contra o golpe, pela falta de perspectiva, que se coloque a fuga como única alternativa para Willys e Tiburi.
As duas “personalidades” não acreditam na luta coletiva, não acreditam nas massas, acreditam apenas nas ações individuais. A atitude desses ativistas sinaliza para todo um setor da esquerda em que são referência, que só o arrego e a covardia são a saída. O problema é que não é qualquer um que pode ir para os EUA ou para Europa. Aliás, é uma pena que o travesti que teve o seu coração arrancado, em Campinas SP, pouco tempo antes da decisão de fuga de Jean Willys, não tenha tido essa mesma oportunidade.
É por isso que na entrevista, Tilburi “endeusa” o fascismo. É a sua impotência que o transforma nessa verdadeira medusa. Aliás, o seu texto expressa bem o poder de encantamento do fascismo, pois para ela o “povo está enfeitiçado”. Mas e o tratamento nada lisonjeiro que o povo está tendo com o Bolsonaro? Como fica? Como interpretar? No carnaval, a maior festa popular do país, o grito de guerra mandando Bolsonaro tomar naquele lugar deveria, no mínimo, chamar a atenção de uma pessoa que é estudiosa das massas. Mas não. Ela só enxerga as massas como abjetas, como seres inumanos que seguem o grande líder como zumbis.
Para Tiburi, “as pessoas precisam salvar suas próprias almas”. O grande problema é que, como ela vê as coisas, as almas dessas pessoas já não podem ser salvas. São almas mortas.