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Fundo eleitoral

No PSOL, 3% dos candidatos recebem mais recurso que os outros 97% juntos

Reportagem exclusiva do Diário Causa Operária detalha a distribuição do Fundo Eleitoral no interior do Partido Socialismo e Liberdade

– Por Victor Assis e Pedro Burlamaqui

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) recebeu, neste ano, o montante de R$ 100 milhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), popularmente conhecido como “Fundo Eleitoral” ou, ainda, “Fundão”. O valor, que corresponde a 2% do total disponibilizado para o FEFC, foi estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, a partir da quantidade de parlamentares eleitos em 2018 pela agremiação. Esse mesmo critério permite que um único partido, como o União Brasil, receba 15% do Fundo, enquanto partidos como o PSTU e o PCO recebam apenas 0,06% do FEFC.

Discrepância da distribuição do Fundo Eleitoral – valor aproximado. Imagem: Diário Causa Operária.

Uma vez em posse da fatia que lhe cabe no Fundo Eleitoral, cada partido pode estabelecer seus próprios critérios para a distribuição do fundo, à exceção da cotas mínima de gênero e de raça, exigidas pela Justiça Eleitoral.

O PSOL chegou a protocolar, junto ao TSE, um documento estipulando critérios para a distribuição dos seus recursos. Os critérios, no entanto, são bastante vagos, prevendo, por exemplo, recursos privilegiados a chapas que sirvam para “acúmulo político partidário” e para a “construção partidária”, bem como chapas com “visibilidade política”. As questões mais importantes para determinar os repasses, no entanto, fogem ao documento. A saber: quem determina quais chapas têm “visibilidade política” ou não? Quem determina as chapas que servem para o “acúmulo político partidário” e para a “construção partidária”? Qual a fração do total dos recursos que cada grupo de candidaturas receberá? Quanto receberá os candidatos que não se encaixam em nenhum dos critérios especiais estipulados pelo PSOL?

Valor disponibilizado pelo Fundo Eleitoral para cada partido brasileiro. Imagem: Diário Causa Operária.

Para onde foram os repasses

De acordo com levantamento deste Diário, realizado até a noite do dia 26 de agosto, dos R$ 100 milhões que o PSOL dispõe de Fundo Eleitoral, um total de R$ 49.444.593,23 já haviam sido repassados para as candidaturas do partido — isto é, praticamente metade do que a agremiação receberá diretamente do Tesouro Nacional para as eleições. O restante do Fundo Eleitoral teria sido poupado para gastos no decorrer da campanha ou será destinado a estados onde os recursos ainda não foram repassados. Nenhum dos candidatos de Pernambuco, Rondônia e Goiás, por exemplo, recebeu um único repasse.

Ao todo, foram contabilizados 863 candidatos do PSOL nas eleições de 2022. No entanto, nada menos que 618 (71%) candidatos não receberam um único centavo.

Entre os 29% que receberam algum repasse, a desigualdade também é flagrante. A esmagadora maioria (18%) recebeu menos de R$ 100 mil do Fundo Eleitoral. Aqueles que receberam entre R$ 100 e R$ 500 mil correspondem a 7% do total de candidatos. Por fim, apenas 4% das candidaturas estão entre as que receberam uma quantia acima de R$ 500 mil.

Há outro dado, no entanto, que é ainda mais alarmante. Somados os repasses dos 23 maiores beneficiários do Fundo Eleitoral, o valor total é maior que os repasses somados das 840 candidaturas restantes. Dito de outra forma: o que 23 candidatos do PSOL (2,6%) receberam em repasses do Fundo Eleitoral é superior ao que 840 candidatos do mesmo partido (97,4%) receberam juntos.

Distribuição do Fundo Eleitoral do PSOL entre seus candidatos. Imagem: Diário Causa Operária.

Quem são os grandes beneficiários?

Como visto, o documento protocolado junto ao TSE não define claramente os critérios para distribuição do fundo, nem os valores que serão repassados. Vejamos, portanto, a lista das 23 candidaturas que mais receberam repasses do Fundo Eleitoral:

1 – FERNANDA MELCHIONNA
2 – IZA LOURENÇA
3 – VIVI REIS
4 – LUIZA ERUNDINA
5 – SÂMIA BOMFIM
6 – TARCÍSIO MOTTA
7 – GUILHERME BOULOS
8 – GLAUBER BRAGA
9 – IVAN VALENTE
10 – TALIRIA PETRONE
11 – LORENE FIGUEIREDO
12 – CÉLIA XAKRIABÁ
13 – PASTOR HENRIQUE VIEIRA
14 – CHICO ALENCAR
15 – LUCIANA GENRO
16 – PAULO LEMOS
17 – MARINOR BRITO
18 – HILTON COELHO
19 – RENATO ROSENO
20 – FÁBIO FELIX
21 – DANI MONTEIRO
22 – FLAVIO SERAFINI
23 – MÔNICA FRANCISCO

Na lista, há de tudo. Há, por exemplo, deputados federais eleitos, que buscam a reeleição, como é o caso de Fernanda Melchionna, Glauber Braga e Luiza Erundina. Ao mesmo tempo, chama a atenção a segunda candidatura com maior repasse seja a de Iza Lourenço, que hoje é apenas vereadora de Belo Horizonte, estando à frente de praticamente todos os deputados federais que tentam se reeleger. Tarcísio Mota, hoje vereador pelo Rio de Janeiro, está a frente de Chico Alencar, que é deputado federal.

Há também candidatos sem mandato algum, como Guilherme Boulos. A presença de Boulos na lista é perfeitamente compreensível, uma vez que se tornou a figura pública mais conhecida do PSOL. Mas qual o critério para que Célia Xakriabá e o Pastor Henrique Vieira, ambos figuras completamente desconhecidas da população, estejam em posição tão destacada?

A única candidata ao governo na lista é Lorene Figueiredo, de Minas Gerais. É possível que o critério, neste caso, seja a importância política e econômica do estado, que é o maior colégio eleitoral no qual o PSOL pleiteará o cargo de governador. Mas se esse é o critério, por que o candidato Paulo Lemos, do Amapá, que tem o segundo menor eleitorado do País, é um dos únicos deputados estaduais a figurar na lista de grandes beneficiários?

Lista dos 23 maiores beneficiados pelo Fundo Eleitoral do PSOL. Imagem: Diário Causa Operária.

Uma total falta de transparência

Do ponto de vista dos direitos democráticos, o PSOL não deveria ser obrigado a seguir critérios do TSE para a distribuição de seu Fundo Eleitoral, nem mesmo especificá-los em documento. As exigências da Justiça Eleitoral, neste caso, são absurdas.

O próprio TSE considera que, no que tange à distribuição do FEFC, “não enseja uma análise de mérito do TSE quanto aos critérios fixados”. No entanto, se contradiz quando, a partir de uma resolução tomada pela Corte em 2019, alterada em 2021, estabeleceu a possibilidade de sanção aos partidos que não destinarem 30% dos recursos às mulheres ou que não destinarem tantos recursos aos candidatos negros quanto forem a proporção entre negros e brancos no número total de candidatos da agremiação.

O estabelecimento de cotas é uma interferência flagrante no funcionamento dos partidos políticos e deve ser denunciado como tal.

Embora qualquer crítica à distribuição de recursos com base nas determinações da Justiça Eleitoral seja necessariamente reacionária, pois reforça a autoridade do TSE sobre os partidos políticos, é possível criticar essa distribuição de um ponto de vista programático. Isto é, é possível criticar os critérios do PSOL a partir dos princípios (ou a ausência deles) os quais um partido de esquerda, enquanto organização do povo trabalhador, deve levar em conta na hora de utilizar os seus recursos.

O problema central, no caso o PSOL, é a total falta de transparência para a escolha de seus beneficiários. No final das contas, a Executiva do partido — um pequeno grupo de pessoas — se reuniu e decidiu o destino de uma centena de milhões de reais. O que, na prática, significa definir os candidatos que terão ou não alguma chance de serem eleitos. E os critérios para isso, por sua vez, permanecem ocultos.

Se o PSOL fosse um partido centralizado, esse tipo de política já seria desastrosa e desnecessária, uma vez que é perfeitamente possível discutir, nos congressos partidários, esses critérios. Sendo o PSOL um partido de tendências, o prejuízo é imensurável. Afinal, uma vez que a Executiva do partido não expressa a variedade de correntes — isto é, uma variedade de interesses, de programas, de táticas, de concepções —, uma decisão como essa inevitavelmente servirá aos interesses das correntes majoritárias que controlam a direção do partido. Trata-se de uma política, portanto, profundamente antidemocrática e burocrática.

Com tal funcionamento, qualquer partido tende a reforçar ainda mais o seu caráter burocrático, pois os candidatos com maior chance de serem eleitos serão justamente os que têm uma maior proximidade com as correntes dominantes e, portanto, estarão em uma posição ainda mais vantajosa em relação aos demais. É inevitável que uma agremiação que leva adiante essa política se torne um partido controlado por seus parlamentares.

Parlamentares devem ser priorizados?

O critério de um partido revolucionário para a distribuição dos recursos nunca deveria ser a existência ou não de um cargo, mas sim o compromisso do candidato com seu programa e o seu vínculo com a classe operária. Um partido eleitoreiro e reformista, como o PSOL, pode ter outro critério.

Mesmo que o critério determinante para a distribuição dos recursos fosse um cálculo puramente eleitoral, a política do PSOL estaria equivocada. Apostar em candidatos já eleitos e em figuras conhecidas, especialmente no caso de um partido que vive no limiar da cláusula de barreira, é um critério razoável. O que não é razoável, no entanto, é a maneira como o problema é discutido.

A direção executiva nacional do PSOL. Imagem: PSOL.

Se, em algum momento, Juliano Medeiros e os membros da Executiva do PSOL decidiriam honestamente que a lista dos 23 candidatos supracitada seria a melhor para a sobrevivência do partido, isso ficou restrito a uma reunião de portas fechadas. Mesmo em uma hipótese em que o PSOL tenha uma necessidade de eleger um número determinado de deputados para vencer a cláusula de barreira, ou mesmo que tenha uma meta específica para cumprir algum outro objetivo partidário, o correto seria discutir isso abertamente com sua militância. Candidatos como Ralado de Gel do Bode, da Bahia, Kabeça Borracheiro, do Rio de Janeiro, e Zé Cachimbo, de Pernambuco, não têm a menor ideia de porque não chegou um único centavo em sua conta, enquanto o desconhecido Pastor Henrique Vieira poderá torrar R$ 990 mil do Fundo Eleitoral.

Para que o partido fique nas mãos dos trabalhadores, e não dos empresários, discutir abertamente os critérios e os candidatos é fundamental. Se, de fato, fosse uma necessidade, o partido deveria ter definido, em seu Congresso, com a participação ampla de sua base, a lista de candidatos estrategicamente beneficiados.

Por fim, ainda que fosse o caso de o partido de conjunto chegar a um acordo de investir praticamente todo o FEFC em poucas dezenas de candidaturas, deixar 71% dos candidatos na completa miséria é também uma política profundamente antidemocrática. Afinal, uma candidatura sem recurso algum é uma candidatura inexistente, que sequer serve para a construção do partido. É, no fim das contas, uma enganação para centenas de pobre coitados que se aventuraram a saírem candidatos.

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