Desde a publicação de uma série de revelações inéditas acerca da ligação de Boulos com o imperialismo, por parte deste Diário, abriu-se uma crise na esquerda brasileira. Afinal, o que mais escandaloso senão a comprovação factual de que um dos principais representantes da esquerda pequeno-burguesa, Guilherme Boulos, é pago pelo imperialismo?
No começo, o PCO, promotor dessas denúncias, recebeu ataques sórdidos de todas as partes, principalmente do DCM, por meio da Lava Jato de brinquedo de Kiko Moro e Pedro Dallagnol; de Boulos, que apenas nos chamou de “seita”; e, agora, de Jones Manoel, garoto propaganda do PCB.
Entretanto, vemos aqui uma diferença. Boulos e o DCM nos caluniaram, em momento algum entraram no mérito da denúncia feita. Jones não, ele sim fez questão de discutir o problema, por mais desleixada que tenha sido sua explicação. Entretanto – e aqui fica a dúvida de qual caso é pior – sua conclusão foi absolutamente desastrosa. Segundo suas próprias palavras, ser financiado pelo imperialismo não significa necessariamente ser um agente do imperialismo.
Bom, para discutir este ponto crucial, voltemos a uma polêmica há muito debatida dentro da esquerda: o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.
De forma geral, o PCB, o PSTU, a UP e setores do próprio PT e PSOL sempre foram contra esse sistema, assim como o PCO, logicamente. E o argumento que justificaria esse posicionamento é, de certa forma, bem simples: para financiar determinada campanha, o empresário, ou a empresa, exigirá uma contrapartida. “Financio sua campanha se, uma vez no poder, você favoreça meus negócios”, coisa deste tipo.
Todo e qualquer militante sério de esquerda, principalmente após essa breve discussão, é absolutamente contrário a qualquer tipo de envolvimento, acima de tudo o financeiro, de seu partido com setores ligados à burguesia. Afinal de contas, o que dizer de uma campanha apoiada pelo Itaú, por exemplo? Decerto que é um mau sinal.
Logo, qual seria a diferença entre receber dinheiro dos capitalistas na campanha eleitoral e receber dinheiro dos capitalistas para as atividades políticas do dia a dia? Basta uma breve exposição e fica claro que, também, se trata de um absurdo. Aqui, vale relembrarmos um texto de, ninguém mais, ninguém menos, que Walfrido Warde, amigo do peito e patrão de Boulos no Instituto para a Reforma entre Empresa e Estado (IREE), que mostra bem qual a pretensão desses setores com suas falácias.
Warde é um empresário “progressista”, “de esquerda”, segundo seus defensores dentro da esquerda pequeno-burguesa, como o próprio Boulos. Como se o fato de empregar em seu instituto um general fascista como Sérgio Etchegoyen já não anulasse qualquer possibilidade de ser realmente um “progressista”. Ou, como se suas ligações intrínsecas com uma fachada do NED, a Global Americans, já não acusassem seu serviço sujo para o imperialismo.
Por se passar por “progressista”, o empresário faz uma grande demagogia de “compromisso social” das empresas. Por isso, seria ele contrário ao financiamento da política diretamente por empresas. A solução? O financiamento por ONGs ─ que nada mais são do que fachada para as empresas, todos sabem disso. E é justamente através das ONGs, fundações e afins que os grandes capitalistas internacionais (como George Soros) financiam golpes de Estado e controlam a política de países inteiros. Mas como essas ONGs empregam pessoas de esquerda, têm ligações com partidos de esquerda, falam em defesa da mulher, do negro, do LGBT, do índio, do meio ambiente etc., muita gente cai na história de que estão em prol de causas nobres.
Em novembro de 2016, Warde publicou um artigo na Folha de S.Paulo (outra empregadora de Boulos) intitulado “Por um novo modelo de financiamento de campanha”.
No texto, o empresário de Boulos argumenta que o sistema eleitoral necessita de uma reforma, denunciando, com todo o seu cinismo, as “relações promíscuas entre empresas, partidos e candidatos” logo após decisão do STF de proibir a contribuição de empresas ao financiamento de campanhas eleitorais.
Segundo o articulador político de Boulos, o caminho a ser seguido pelo financiamento eleitoral se dá por meio das ONGs, associações sem fins lucrativos que, nas palavras de Warde, “congregam pessoas sob um interesse comum, necessariamente lícito”.
“A necessidade de recursos poderá inspirar um novo modelo prevalentemente privado de financiamento de campanha que não onere ainda mais o contribuinte e que se baseie em critérios de cidadania, ativismo e mérito”, escreve Warde.
Ou seja, sua proposta é simples: ao invés de um financiamento privado escancarado, por meio do qual fica evidente a relação do político/partido financiado com o financiador capitalista, que tal um financiamento capitalista e mesmo imperialista encoberto sob a fachada de pautas “humanistas”?
Warde esclarece ainda mais seu posicionamento com o desenvolver do texto, onde, ao propor como esse sistema se organizaria em torno das ONGs, diz:
“[…] os donatários não poderiam conhecer a identidade dos associados contribuintes do fundo associativo e o montante da contribuição. Para isso, o comitê e os seus membros seriam responsáveis pelo sigilo das fontes doadoras”.
Ademais, no final do artigo, coloca:
“Resta saber se um tal modelo animaria os habituais doadores privados, especialmente empresas, cuja identidade, sob novo regime, seria muito menos acessível aos candidatos e aos políticos eleitos, em um contexto em que, repise-se, não podem ser conhecidos os associados contribuintes”.
Ou seja, é o sonho de consumo de Warde e Boulos: uma campanha financiada pelo imperialismo com seu sigilo garantido juridicamente por todo o aparato proposto pelo empresário. Dessa forma, os grandes capitalistas poderiam intervir da maneira que lhes fosse conveniente, protegidos pela tela demagógica das ONGs.
A estranha naturalização do financiamento imperialista à esquerda
Fica claro que o onguismo não passa, então, de uma grande fachada. O imperialismo se passa por democrático ao falar através de ONGs que pregam o respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente, à tolerância, à paz, à vida, contra o racismo, a homofobia, o machismo etc. como forma de mascarar o apoio da CIA e dos grandes tubarões capitalistas, como George Soros e Ford, a determinada campanha/iniciativa. Tudo ainda mais bonitinho por ser feito por organizações sem fins lucrativos (imediatos), organizações “filantrópicas”, responsáveis por abrir caminho à intervenção imperialista. Mas, no final das contas, é uma coisa só: o imperialismo.
Vale ressaltarmos que nem sempre quem trabalha em prol do imperialismo necessariamente tem consciência disso. Entretanto, consciente ou não, o denominador comum é o recebimento de dinheiro do imperialismo. Finalmente, devemos nos perguntar: por que o imperialismo estaria injetando capital senão para fortalecer ainda mais a sua dominação? Qualquer resposta que busque justificar o ato não passará de um malabarismo retórico.
No final, é certo que ser financiado pelos capitalistas, ainda mais pelo imperialismo, é uma enrascada que promete entregar o controle das organizações dos trabalhadores de bandeja à burguesia.