Há filmes que te conquistam pelo mistério antes mesmo de dizerem a que vieram. O Pálido Olho Azul, da Apple TV+, é desses. A primeira imagem — uma manhã congelada, soldados marchando sobre a neve, e um corpo pendendo de uma árvore — já prepara o terreno para algo entre o crime e o delírio poético. O clima lembra aqueles velhos filmes dos anos 80 que misturavam investigação e fantasia, como O Enigma da Pirâmide ou O Nome da Rosa. Mas aqui o frio é literal: um frio que congela as emoções e torna cada fala uma lufada de vapor. E é nesse ambiente soturno que encontramos o detetive Augustus Landor (Christian Bale), convocado para resolver um assassinato dentro da Academia Militar de West Point, em 1830 — um crime que rapidamente se revela muito mais macabro do que o esperado.
A surpresa vem quando Landor encontra um aliado improvável: um cadete magricela, de olhar febril e mente literária, chamado Edgar Allan Poe. Harry Melling, que dá vida ao jovem Poe, faz um trabalho admirável, encontrando o equilíbrio entre a fragilidade e a inteligência visionária do escritor. Melling não tenta imitar o Poe consagrado, mas sugeri-lo, em formação, já obcecado pela morte e pela ideia de destino. Christian Bale, por sua vez, faz o que sabe: um detetive quebrado por dentro, assombrado por fantasmas que o espectador só entende mais tarde.
A primeira metade do filme é um deleite. Scott Cooper — o mesmo diretor de Corações Loucos e Hostiles — acerta no tom gótico e na cadência narrativa. A fotografia de Masanobu Takayanagi é de cair o queixo: tons azulados, luz difusa, interiores à vela, cada quadro parece uma pintura. O figurino de Kasia Walicka-Maimone reforça a imersão, com uniformes, sobretudos e vestidos que carregam o peso da época. Tudo contribui para esse mergulho em um século XIX onde ciência, religião e superstição convivem com desconforto. Até aqui, o filme é sólido e elegante, e você se vê arrastado por aquela névoa, esperando que a próxima cena traga mais pistas, mais camadas — e talvez um pouco do terror psicológico que o nome “Poe” faz esperar.
Quando a Névoa se Torna Neblina

Mas O Pálido Olho Azul comete o erro que destrói muitos bons filmes de mistério: ele quer ser mais esperto do que o próprio enredo. Depois de uma primeira metade exemplar, o roteiro tenta uma reviravolta ambiciosa, uma explicação alternativa que, em vez de surpreender, tira o chão do espectador. Era preferível seguir o caminho tradicional, o velho “quem matou”, bem amarrado e satisfatório, do que buscar um final “conceitual” que não tem nem pé nem cabeça. Scott Cooper até tenta dominar o terreno do inesperado, mas falta-lhe a técnica de um verdadeiro mestre do suspense.
E o problema não é só o desfecho — é o tempo que ele demora para acabar. O filme termina… e depois continua. São mais vinte minutos de sobrevida, como se o diretor não quisesse deixar a história morrer. Nesse trecho, entram revelações sobre a morte da esposa de Landor e um epílogo envolvendo Poe que pouco acrescenta. Quando a tela finalmente escurece, o espectador sente que a história já tinha se resolvido antes, e que o resto foi uma espécie de epílogo estendido — bonito, mas desnecessário.
Ainda assim, o filme tem seus méritos. A ambientação é primorosa, a fotografia é belíssima, e tanto Bale quanto Melling estão impecáveis. Melling, especialmente, cria um Poe jovem que já carrega a sombra do escritor que viria a ser, e sua presença ilumina o filme mesmo nas passagens mais confusas. Mas O Pálido Olho Azul é uma daquelas produções em que a forma supera o conteúdo: tudo é bonito de ver, mas nem tudo convence.
Scott Cooper entrega um trabalho visualmente fascinante, mas tropeça no essencial — a coerência da história. No fim, o que fica é a sensação de que o filme, com tanta atmosfera e talento, poderia ter sido grande, se tivesse apenas escolhido o caminho mais simples: resolver bem o mistério, sem tentar reinventar o próprio gênero.





