O Líbano é um país alvo do imperialismo desde pelo menos 2006, quando o Hesbolá derrotou e expulsou do país as tropas invasoras de “Israel”, sendo um dos países cuja própria existência vem sendo colocada em questão. Fustigado pelo imperialismo norte-americano, de um lado, e pelas regulares ações militares de “Israel”, por outro, o Líbano passa desde 2019 por uma enorme crise econômica que praticamente destruiu a economia do país. Depois da derrota dos EUA na guerra contra a Síria, Washington se voltou então para a guerra econômica em larga escala. Foi decretada a chamada Lei César, que entrou em vigor em junho de 2020 e previa sanções aos aliados e ao próprio regime sírio, de Bashar al-Assad. Essas sanções buscam intervir nas relações econômicas e diplomáticas da Síria, para evitar investimentos e fornecimento de materiais para o país. Para o Líbano, isso significou, desde então, estar sob cerco econômico, já que faz fronteira apenas com “Israel”, considerado inimigo do país, e a Síria.
Além disso, os EUA impuseram sanções aos libaneses ricos que vivem no exterior e a mais de um banco. Isso levou o Líbano a uma escassez de vários bilhões de dólares em dinheiro que os membros da família costumavam mandar do exterior para seus parentes. Outro problema crônico do Líbano é o fornecimento de energia elétrica, que é limitado a 5h por dia no máximo, devido à incapacidade de gerar dólares para comprar óleo diesel para termoelétricas e à interferência dos EUA, que impede o acesso do gás ou petróleo do Irã ou da Síria, devido às sanções a estes países. Um acordo com o Iraque atenuou parcialmente o problema.
“Israel” voltou recentemente a agredir pesadamente o Líbano, devido à intensa ofensiva do Hesbolá ao norte de “Israel”, como retaliação pelo genocídio de “Israel” em Gaza. Os bombardeios recentes de “Israel” no Líbano foram precedidos de vários avisos de que a invasão do Líbano por “Israel” era uma prioridade visando o Hesbolá. Antes disso, “Israel” realizou um atentado terrorista contra civis libaneses, fazendo explodir milhares de pagers e walkie talkies que eles portavam. Os bombardeios de “Israel” se iniciaram em 23 de setembro do ano passado, caracterizando-se pela amplitude das áreas atingidas e pela intensidade, com uso de bombas de imenso poder explosivo. O grande alvo atingido foi o assassinato do principal líder político e religioso do Hesbolá, Hassan Nasrallah. A máquina criminosa de destruição do regime de Netanyahu não conseguiu uma invasão por terra no sul do Líbano, e por isso ataca o Líbano com bombardeios aéreos, ao mesmo tempo que desenvolveu esforços para uma mudança no governo libanês, há muito tempo sem eleger um presidente.
O governo fantoche
O que parecia impossível finalmente aconteceu. O ritual de submissão do governo e da classe dominante do Líbano aos imperialismos, se repetiu em 2025. A “eleição” do novo governo foi na verdade uma operação do imperialismo norte-americano que se uniu à Arábia Saudita e a Israel para impor seus interesses e estratégias ao Líbano. A eleição no Líbano é feita apenas pelo parlamento, sem nenhuma consulta à população. Embora alguns políticos tenham se lançado, como o ex-ministro Ziad Baroud e o MP Neemat Frem, não tiveram apoio do imperialismo. Na verdade, o comandante do exército, general Joseph Aoun, era o único candidato aceitável.
O general Aoun é o candidato dos EUA desde 2022. Desta forma, pode-se dizer que a soberania do Líbano foi violentada totalmente com sua eleição. Ele foi literalmente enfiado garganta abaixo dos poderes libaneses, sem nenhum respaldo popular. Para entronizá-lo na Presidência, foi necessária uma reforma da Constituição, porque ela proibia explicitamente o poder político de ser ocupado por um militar. Não é à toa que, dos 5 presidentes do Líbano desde 1990, 3 eram militares.
A candidatura do general foi contestada por grandes forças políticas cristãs, incluindo as Forças Libanesas (LF) lideradas por Samir Geagea, o Movimento Patriótico Livre e o Movimento Marada, cujo líder é Suleiman Frangieh. Frangieh estava cotado para o cargo há algum tempo com apoio do Hesbolá, que tem um número expressivo de votos na Assembleia Nacional.
Na véspera da eleição, Frangieh divulgou uma nota em que desistia da sua candidatura. “Agora que estão reunidas as condições para eleger amanhão um presidente da República, e tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, anuncio a retirada da minha candidatura, que nunca foi obstáculo ao processo eleitoral”, diz a nota. Expressando gratidão àqueles que o apoiaram, Frangieh anunciou seu endosso a Aoun, descrevendo-o como um candidato “que possui as qualidades necessárias para manter a estatura da presidência”. A participação dos enviados estrangeiros como Jassim Al-Thani do Catar e Yazid bin Farhan da Arábia Saudita mostra o quanto os oficiais árabes têm mais influência política do que muitos parlamentares. O enviado de Riad, por exemplo, declarou explicitamente que a reconstrução e a estabilidade econômica do Líbano dependem da eleição do candidato que a Arábia Saudita apoia.
A eleição não foi, no entanto, fruto de um consenso político verdadeiro. A eleição foi literalmente comprada, com o jornalista libanês Hassan Illaik denunciando no X que o valor de um voto chegou a US$ 300.000, pagáveis em parcelas. Essas transações só mostram até que ponto a presidência do Líbano se tornou uma mercadoria em um mercado dominado por compradores estrangeiros. No processo de discussão política anterior às eleições, o Hesbolá e o Movimento Amal – membros importantes do Eixo da Resistência –, não debateram questões internacionais, priorizando algumas demandas específicas para a questão interna. O objetivo era conseguir reduzir os danos resultantes da invasão israelense, que produziu grandes prejuízos em Bekaa, no sul do Líbano e nos subúrbios ao sul de Beirute.
As demandas do Hesbolá e seu aliado centravam na ideia de que há um compromisso com a reconstrução do país, a influência dos grupos na nomeação do próximo comandante do exército e uma perspectiva de desenvolvimento econômico de longo prazo.
Como tática eleitoral, no primeiro turno das eleições presidenciais, o Hesbolá e o Movimento Amal decidiram votar em branco, atrasando em horas a eleição do presidente. Essa atitude foi no sentido de mostrar para todos que nenhum presidente poderia ser eleito sem a aprovação deles.
Após as negociações, o grupo obteve garantias do Comandante do Exército Joseph Aoun e dos enviados sauditas, americanos e franceses em relação às suas principais demandas. No segundo turno de votação, a dupla votou em Aoun, resultando em sua eleição como presidente. Foi um erro histórico do Hesbolá e uma confissão de impotência naquele momento. As agressões de “Israel” e as traições internas debilitaram em muito o movimento de resistência. No seu discurso de posse, o general mostrou claramente qual era seu principal objetivo: o desarmamento e posterior desmantelamento do Hesbolá.
O desmantelamento militar
Os Estados Unidos, refletindo a influência deletéria do governo Trump nas decisões com relação ao Líbano, exigiram o desarmamento do Hesbolá até dezembro de 2025, caso contrário o cessar-fogo não será mantido. O governo libanês convocou as Forças Armadas para elaborar e implementar o plano de desarmamento imposto pelos EUA. A reação de ministros aliados ao Hesbolá e ao Amal foi abandonar as sessões ministeriais relacionadas ao tema, apoiando a rejeição categórica do Secretário-Geral do Hesbolá, Naim Qasem, que enfatizou que a organização ignorará qualquer decisão sobre desarmamento, argumentando que seu arsenal é indispensável para a defesa contra ameaças israelenses.
O enviado dos EUA, Barrak, reuniu-se recentemente com o presidente Aoun e fez uma declaração à imprensa: “não estamos ameaçando desarmar o Hesbolá e há cooperação de todas as partes envolvidas. O Governo libanês deu o primeiro passo, cabendo agora a “Israel” responder em conformidade. Lidar com o Hesbolá é um assunto libanês e nosso papel tem sido consultivo. Não estamos procurando novos acordos no Líbano, nosso objetivo é implementar o acordo de cessar-fogo.” Isso, para EUA, Arábia Saudita e “Israel”, significa levar à frente o desmantelamento do Líbano, em termos econômicos, militares e políticos.
O desmantelamento econômico
As decisões financeiras do Líbano serão, a partir de agora, tomadas por três empresas estrangeiras, segundo a imprensa local. O presidente do Banco Central do Líbano, Karim Souaid, está tomando medidas para formalizar a regulamentação bancária de emergência, nomeando empresas estrangeiras para representar os três principais atores financeiros do país: o governo, o banco central e os bancos comerciais. Dessa forma, as principais decisões financeiras não serão tomadas localmente, mas por empresas internacionais. O Banco Central do Líbano (BDL) escolheu Rothschild para agir em seu nome nas negociações com o governo e o setor bancário. Isso se soma ao trabalho da Lazard, grande empresa internacional de assessoria financeira já contratada pelo Estado libanês por meio do Ministério das Finanças. O presidente do Banco Central já havia decidido anteriormente que todas as relações entre a BDL e os bancos seriam realizadas exclusivamente por meio de seus respectivos representantes internacionais.
Ele deixou claro que não interagiria diretamente com os bancos. Isso levou a Associação de Bancos do Líbano (ABL) a elaborar uma proposta contratual com a empresa Ankura para atuar em seu nome nas negociações com o BDL e no processo de tomada de decisão sobre liquidez e solvência, excluindo todas as negociações sobre Eurobonds.
Há também uma tentativa de transferir ativos estatais libaneses para o controle de uma estrutura política EUA-“Israel”-Arábia Saudita, começando com as reservas de ouro do Líbano. “O perigo está na direção em que o país está sendo empurrado sob a liderança do governo”, escreve Ibrahim Al-Amine no jornal libanês Al-Akhbar. “Qualquer um que esteja disposto a aprovar um plano para desarmar a resistência não hesitará em ir em frente e ceder outros ativos fundamentais do Estado libanês. Isso começaria com as reservas de ouro, que agora estão sendo liquidadas, e terminaria com o que resta da propriedade pública do povo libanês”, completa Al-Amine.
O desmantelamento marítimo
O Líbano corre o risco de perder quase metade dos seus direitos marítimos; os EUA ameaçam entregar 5000 km² de recursos libaneses ao Chipre. Em julho, o chefe dos serviços secretos e conselheiro de segurança nacional de Chipre, Tasos Tzionis, voou para Beirute com uma mensagem clara: finalizar a demarcação da fronteira com base no injusto acordo de 2007, prolongamento da linha para sul a partir do ponto 1 ao ponto 23 e para norte a partir dos pontos 6 a 7.
Tzionis advertiu sem rodeios que, se nenhum acordo fosse alcançado e o caso fosse levado à arbitragem internacional, Chipre reivindicaria mais áreas marítimas. A “ameaça” cipriota é claramente apoiada pelos Estados Unidos, uma recompensa pelo alinhamento de Chipre antes da última agressão da entidade israelense contra o Líbano.
O primeiro-ministro Salam está tentando conseguir uma reunião com a Arábia Saudita para discutir maneiras de capitalizar a decisão do governo e delinear a próxima fase política. Paralelamente, o enviado saudita continua a se coordenar estreitamente com parlamentares sunitas e autoridades religiosas. Se a pressão política do Hesbolá se intensificar, Riad estaria pronta para organizar uma reunião de alto nível em Dar al-Fatwa para angariar “apoio sunita” para Salam. Enquanto isso, as tensões dentro do governo estão se tornando cada vez mais visíveis.
O desmantelamento político
O atual governo libanês é totalmente subserviente aos EUA, Arábia Saudita e “Israel”. O último plano de Washington inclui uma repressão econômica e de segurança nos subúrbios do sul de Beirute. Um elemento da visão dos EUA de um “Líbano sem resistência e suas armas” é tratar os subúrbios do sul como campos de refugiados palestinos. A proposta dos EUA prevê postos de controle em todas as entradas, buscas completas de indivíduos e veículos e controles rígidos sobre bens, materiais e fluxos de dinheiro. Esta missão não seria entregue ao exército libanês. Em vez disso, o plano exige que uma força de segurança estrangeira, possivelmente árabe, assuma a tarefa. A mais recente proposta EUA-“Israel” para uma “zona tampão” prevê limpar uma faixa de pelo menos três quilômetros de profundidade de todos os residentes e edifícios, transformando-a efetivamente no que as autoridades dos EUA descreveram abertamente como “terreno baldio” durante reuniões com colegas libaneses.
O esquema foi reforçado pela delegação de “alto nível” dos EUA que chegou a Beirute ontem, 26/08/2025, incluindo os senadores Lindsey Graham e Jeanne Shaheen, o enviado presidencial ao Líbano e à Síria Thomas Barrack, o vice-enviado ao Oriente Médio Morgan Ortagus e a embaixadora Lisa Johnson.
Barrack observou que “o governo do Líbano em breve apresentará sua visão que consiste no desarmamento do Hesbolá, após o qual “Israel” apresentará uma contraproposta”, enfatizando que “o objetivo é persuadir o Hesboláa desistir de suas armas, a não travar a guerra”.
Em Ain al-Tineh, o presidente da Câmara, Nabih Berri, renovou sua rejeição a uma zona tampão do sul e insistiu no “retorno dos sulistas às suas aldeias, na libertação de prisioneiros, no lançamento da reconstrução e no fim dos ataques israelenses”.
No Grand Serail, a delegação dos EUA encontrou o primeiro-ministro Nawaf Salam muito receptivo às propostas do imperialismo. Ele é considerado na imprensa local como “o mais alinhado com o projeto dos EUA e o mais rápido para implementar suas demandas”. O Presidente do país, general Aoun, é na verdade um representante dos EUA, que encaminha o projeto imperialista no país.
Para completar, o imperialismo exige também a proibição de participação no Parlamento libanês dos representantes do Hesbolá e do movimento Amal, seu principal aliado político. Na verdade, o plano EUA-Arábia Saudita-“Israel” é uma explícita provocação para a guerra do Hesbolá e do conjunto da população contra os invasores estrangeiros, que podem incluir também os terroristas alojados no governo de fato sírio, que postaram tropas na fronteira com o Líbano. O ex-ministro da Defesa libanês Ghazi Zaiter declarou: “Alertamos para a presença de grupos armados não sírios, incluindo chechenos, uigures e outros, ao longo das fronteiras nordeste, perto da cidade de Hermel e da cidade libanesa de Al-Qasr, adjacente à região síria de Al-Qusayr, na província de Homs.
De acordo com as informações disponíveis, esses grupos armados sírios e não sírios estão considerando lançar ataques contra aldeias libanesas, embora suas ações dependam do apoio de potências estrangeiras. Até agora, os movimentos observados ao longo da fronteira do Hermel permanecem limitados. Enquanto isso, relatos que circulam nas mídias sociais sobre a possibilidade de sequestro de militares libaneses destacados na fronteira, supostamente para trocá-los por prisioneiros islâmicos (incluindo membros do ISIS) mantidos na prisão de Roumieh, estão sendo investigados e avaliados por agências de segurança.
A resposta do Hesbolá e da população libanesa
O governo fantoche libanês, com o apoio das potências ocidentais e dos aliados regionais de “Israel”, busca consolidar o Estado reduzindo os chamados “poderes paralelos”. O Hesbolá e o Amal representam a resistência organizada que protege não apenas sua força militar, mas, acima de tudo, a soberania e a independência do país diante das pressões externas que buscam limitar sua autonomia.
O que está em jogo vai além da mera sobrevivência de um ator político ou militar: trata-se de defender a própria essência do Líbano como Estado soberano e nação plural, cuja autonomia tem sido historicamente desafiada por pressões externas e agendas estrangeiras.
Ao contrário da narrativa ocidental que reduz o Hesbolá a um “representante” xiita ou a um ator sectário subordinado a Teerã, o movimento constitui no contexto libanês um fenômeno político e social complexo, combinando soberania nacional, resistência à ocupação e demandas islâmicas. Sua aliança com o movimento Amal, liderado por Nabih Berri, reforça essa dimensão autônoma, oferecendo uma âncora política que transcende as fronteiras sectárias e se projeta como parte integrante do tecido nacional libanês.
“Barrack is an animal”
O enviado dos EUA, Tom Barrack, e a delegação dos EUA em visita ao Líbano cancelaram uma viagem planejada para uma turnê em aldeias do sul do Líbano devido a protestos de apoiadores da resistência em 27 de agosto, um dia depois que o enviado insultou jornalistas no palácio presidencial do país, chamando-os de animais.
Vários meios de comunicação libaneses relatam que Barrack cancelou a visita ao sul, coincidindo com a eclosão de protestos nas cidades de Tiro (Sur) e Khiam. De acordo com a Agência Nacional de Notícias do Líbano (NNA), o enviado dos EUA chegou a Marjayoun em um helicóptero das Forças Armadas Libanesas (LAF), mas voltou quando começaram as manifestações e protestos. Como resultado, as tropas libanesas foram implantadas em toda a área.
A frase “Barrack is an animal” pintada com spray na rua ou em faixas se tornou uma popular referência da população libanesa ao enviado dos EUA, que havia chamado os jornalistas libaneses de “animalescos” em uma coletiva de imprensa no dia anterior.
A maioria da população apoia a resistência
Uma recente pesquisa de opinião pública no Líbano revela que a resistência tem amplo apoio na população libanesa. Os dados publicados revelam que 58% dos cidadãos libaneses se opõem a qualquer interferência nas armas da resistência na ausência de uma estratégia defensiva clara. Esse apoio abrange várias comunidades, incluindo 50% de sunitas, cerca de um terço de cristãos e uma porcentagem ainda maior entre os drusos.
Quando questionados sobre a capacidade do exército nacional, 72% dos entrevistados afirmaram que as Forças Armadas libanesas sozinhas não são capazes de lidar com qualquer agressão israelense. Da mesma forma, 76% acreditam que a diplomacia por si só não é suficiente para deter os ataques israelenses.
A pesquisa também destacou as preocupações de segurança relacionadas ao conflito sírio, com 73% dos libaneses considerando os eventos na Síria como uma ameaça existencial à estabilidade e segurança do Líbano. O imperialismo não conseguirá facilmente impor sua política de desarmamento da resistência libanesa, cujo objetivo não é a paz, mas a guerra.





