Se a gente imagina quais seriam as razões para que Donald Trump tenha voltado à cadeira presidencial na Casa Branca, nos Estados Unidos, muitos citam a rejeição à cultura woke ou o mau governo de Joe Biden, ainda que o governo Trump, em meio à pandemia, tenha sido muito pior. Poucos, porém, vão lembrar a crise da indústria norte-americana, engolida pela chinesa em virtude dos próprios erros das grandes empresas americanas.
Esse cenário é mostrado pelo documentário American Factory (2019), dirigido por Julia Reichert e Steven Bognar, premiado com o Oscar de Melhor Documentário na cerimônia de 2020.
O fim de uma montadora
O filme se passa numa pequena cidade do estado de Ohio, onde havia uma subsidiária de uma grande fabricante de automóveis, fechada durante a crise de 2008. O colapso econômico, particularmente forte entre as gigantes automotivas, que não seguraram a concorrência contra as montadoras asiáticas e a transposição das plantas para mercados mais baratos, deixou a cidade que e cenário do filme devastada por alguns anos.
Até que surgiu uma nova esperança com a chegada das Indústrias Fuyao, multinacional chinesa fabricante de para-brisas para automóveis. A Fuyao reemprega boa parte da população da cidade, antes dependente da empresa local, e reacende a economia. Contudo, traz muitas diferenças em relação ao modo de produzir dos chineses, hierarquia, turnos de trabalho e mesmo medidas de segurança.
Choque de cultura e embate político
O filme, produzido por Barack e Michelle Obama, não se posiciona inocentemente como um registro histórico do pós-crise de 2008. Demonstra, do ponto de vista norte-americano, os perigos da assimilação da indústria chinesa, e reforça a posição autoproclamada dos Estados Unidos como o país da democracia e mesmo dos verdadeiros direitos dos trabalhadores. Faz da China um espelho, um polo invertido, dos Estados Unidos.
A grande discussão se dá em torno do direito dos operários americanos de se sindicalizarem. Os chineses buscam evitar esse direito, de todas as maneiras, a fim de não criar distúrbios dentro do funcionamento da Fuyao. Aliciam profissionais norte-americanos para dissuadir os colegas que buscam formar a entidade protetora dos trabalhadores ligados à multinacional asiática. Aceitam que o desejo seja votado por todos os funcionários, mas tentam interferir na eleição.
O apoio à sindicalização
O suporte político à sindicalização é dado por senadores e congressistas norte-americanos, do partido democrata. O filme desenvolve-se como, parcialmente, uma propaganda dos democratas como verdadeiros representantes dos trabalhadores, em contraposição ao socialismo chinês. Tudo feito com cenas reais, chineses da Fuyao e atores políticos norte-americanos aceitam ser filmados e terem retratadas a suas formas de ver o trabalho e a produção econômica.
Um filme anti-China? Não diria. Mas seguramente um filme que tensiona o socialismo chinês com um social liberalismo decadente do Partido Democrata, que cairia para Donald Trump ainda duas vezes depois de o filme ser gravado, o que demonstra a falência do modelo ocidental de lidar com seu operariado. A pequena cidade, outrora símbolo da prosperidade da indústria automotiva americana, torna-se salva por chineses.




