Hélio Rocha

Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é repórter de meio ambiente e direitos sociais em Plurale em Revista e correspondente em Pequim.

Coluna

O evangélico no olhar adolescente tardio de certa esquerda

"A sorte acompanha os bons artistas. Ou não. Quero dizer… também pode acompanhar os maus"

A ascensão do protestantismo, ou melhor, do neopentecostalismo como grupo relevante no panorama religioso brasileiro, não é um fenômeno novo. Vem lá dos anos 1990, no mínimo, quando Edir Macedo ainda pregava de roupa social e Silas Malafaia ainda tinha bigode. Contudo, seu crescimento ultrapassou o imaginado: de minoria barulhenta que incomodava o catolicismo e cometia arroubos radicais como chutar estátuas da Virgem Maria, passou a ator político brasileiro e candidato a principal grupo religioso do país.

O censo demográfico de 2022 não mostrou exatamente isso. Depois de crescimento forte nos anos 1990 e 2000, freou nos anos 2010 e ficou nos 26%, ante 58% do catolicismo. Este último retém, portanto, o dobro de fiéis do protestantismo e encontra-se em fase ascendente, numericamente quantificada na internet, ao passo que o neopentecostalismo se tornou vidraça e encontra-se em postura defensiva após a queda de Jair Bolsonaro da presidência da República, e agora alijamento do protagonismo político, dada sua inelegibilidade e iminente prisão.

Documentário que nasce velho

Roteirista, à esquerda, e diretora produzem texto e locução em tom adolescente

Tendo isso em mente, o documentário “Apocalipse nos trópicos” (2025), de Petra Costa, mesma diretora de “Elena” (2012) e “Democracia em vertigem” (2019), discute um tema desatualizado. Gravado com a proposta de tratar o problema da ascensão dos protestantes como ameaça fundamental ao Estado de direito no Brasil, sendo o lastro do Governo de Jair Bolsonaro (PSL-PL, 2019-2022), trata do fenômeno como algo inexorável e de dimensões superiores ao que foi mostrado pelo censo.

Além do mais, peca pela linguagem e pela mesmice. Basicamente, uma voz-over típica dos documentários mais didáticos, quase uma produção tipo Brasil Paralelo à esquerda, trata da angústia ante a emersão do diferente de forma infantiloide, como num diário de uma adolescente. Um marcador de personalidade da diretora, também presente em “Democracia em vertigem”, que mostra-se igualmente um reflexo do perfil de sua corroteirista, Alessandra Orofino. Deste último, “Apocalipse nos trópicos” se propõe uma sequência direta, como qualquer “filme 2” de um blockbuster hollywoodiano.

Temática e silenciamentos

Outro aspecto que infantiliza e lança dúvidas sobre a qualidade do filme é o orgulhoso desconhecimento da autora sobre fatos, dados culturais e princípios das religiões cristãs, o que definitivamente não precisa ser compartilhado por todos como fé, mas supõe-se de conhecimento necessário a alguém que se apresenta como artista de alto gabarito.

Uma documentarista indicada ao Oscar, quando coloca no argumento do próprio texto que desconhece quem seja Paulo de Tarso por ser materialista ateia, soa tão explicitamente ignorante quanto um eventual documentarista cristão que afirme não saber o que é Darwin, em sendo criacionista. Afinal, São Paulo é o homem que dá nome à principal cidade do país e, antes e acima disso, é o principal propagador do cristianismo em seus anos primitivos.

Da mesma forma, explica-se o acesso pleno a Silas Malafaia, coprotagonista do filme ao lado da própria cineasta, possivelmente na vaidade e presunção do pastor, num momento em que o neopentecostalismo se acreditava empoderado junto ao Estado de forma definitiva. Contudo, esta escolha, derivada do acesso facilitado, empobrece a narrativa na medida em que subtrai do roteiro outros diversos fenômenos neopentecostais protestantes e católicos, não situando a posição de figuras como Edir Macedo, Valdemiro Santiago e mesmo Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi como contraponto católico dentro do mesmo fenômeno estético e transcendental.

Questionamentos

Mais ainda, falta ao filme clareza quanto ao acesso a dependências de Estado, especialmente quando se trata dos protestos de 8 de janeiro de 2023. Diante da destruição do Supremo Tribunal Federal (STF), planos sequência encerram o filme, excessivamente teatralizados. O que faz sugerir envolvimento da produção na configuração da cena.

Sendo assim, quem dispôs estátuas danificadas de um importante jurista, aparentemente Victor Nunes Leal, e Ruy Barbosa, observando ambos, bustos de pé, a destruição ao seu redor? Ou uma aparentemente de Joaquim Nabuco igualmente ereta, porém ajustadamente voltada à parede, como se estivesse envergonhada do ocorrido? Além disso, uma cabeça da efígie da Justiça, perfeitamente equilibrada de ponta-cabeça, que é utilizada como síntese iconográfica da obra?

De antemão, é questionável o acesso exclusivo a um espaço isolado como cena do crime de, no mínimo, depredação do patrimônio público. É o que está claro visualmente e independe da interpretação política do evento. Mas, em se considerando que ela não esteve sozinha no local, ou mesmo foi a única a pleitear a autorização para a filmagem, não configurando, assim, acesso privilegiado por parte de um Governo e uma Justiça que compartilham de sua interpretação, há de se considerar a sorte estética de a cineasta ter encontrado uma disposição da destruição tão vantajosa para sua narrativa.

Ilegal não é, desde que tenha ocorrido depois da liberação do espaço pela Segurança Pública, supondo que os agentes de limpeza a tenham esperado filmar, previamente autorizada e previamente informados os funcionários. Contudo, é questionável como ética num filme que se propõe informacional a adulteração de uma cena real.

Naturalmente, dados princípios da própria física, estátuas que estão no chão, e portanto caíram, tenderiam a estar na horizontal.

A sorte acompanha os bons artistas. Ou não. Quero dizer… também pode acompanhar os maus. Não quero dizer que foi algo que não sorte.

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