O imperialismo norte-americano está em guerra com o mundo. Brandindo tarifas comerciais, ameaça todos os países e a economia mundial com o caos. A esta altura, já com seis meses de governo Trump, as ameaças do governo norte-americano aos outros países estão provocando reações por parte dos países atacados, mesmo que depois sejam revertidas, no todo ou em parte. Um exemplo: há um movimento crescente na Europa — especialmente por parte da Alemanha e da Itália — para repatriar reservas de ouro armazenadas nos Estados Unidos. Esses dois países possuem as segundas e terceiras maiores reservas de ouro do mundo, respectivamente, e mais de um terço dessas reservas está guardado no Federal Reserve, em Nova York. Depois que os EUA se apropriaram das reservas internacionais da Rússia depositadas em Nova York e outros países, não há mais credibilidade nos EUA. É sabido que a China está vendendo seus papéis da dívida norte-americana e investindo em ouro. Não é à toa que tenha havido, nestes últimos tempos, uma elevação significativa do preço internacional do ouro.
Essa guerra internacional — seja econômica, militar ou política — é uma das situações mais complexas da história mundial, pois carrega em si todos os danos causados pelo colonialismo europeu do século XIX, aos quais se soma a existência de ‘Israel’. Estamos, mais uma vez, testemunhando uma série de convulsões que, quando somadas, tecem uma trama muito complexa.
Após a pausa na guerra com o Irã, agora o objetivo dos EUA é acabar com o genocídio em Gaza, que envolve a limpeza étnica com a expulsão da população palestina para outros países. O plano estratégico do imperialismo aprofunda — e não alivia — a violência e destruição dos palestinos. Levanta-se a hipótese de um acordo entre ‘Israel’ e EUA para o estabelecimento de condições para um cessar-fogo.
Em particular, reuniões intensas são relatadas entre Ron Dermer, um conselheiro próximo de Netaniahu, Steve Witkoff e um funcionário do Catar — país que está mediando entre as partes e que transmitiu as demandas da resistência palestina. Essas demandas colocam sempre a necessidade de uma retirada israelense. Tel Aviv insiste em manter o controle do corredor Morag. O Corredor Morag é um corredor de segurança israelense no sul da Faixa de Gaza, totalmente estabelecido em 12 de abril de 2025. A zona de segurança, nomeada em homenagem a um antigo assentamento judaico que existiu entre Rafá e Khan Yunis, criaria um terceiro eixo controlado por ‘Israel’. A manutenção desse corredor sob controle da IDF serve para isolar uma vasta área no sul de Gaza destinada — de acordo com o plano israelense de Smotrich — a se tornar um gigantesco campo de concentração. Enquanto isso, tanto a resistência palestina quanto o governo dos EUA se opõem, embora por razões obviamente diferentes. A credibilidade de qualquer acordo proposto por ‘Israel’ e EUA é inexistente. O objetivo dos EUA é submeter ‘Israel’ à sua estratégia de implantação dos Acordos de Abraão, usando para isso o trunfo de ter salvo o país da destruição total pelo Irã.
Já a Arábia Saudita e os países árabes do Golfo querem derrotar o movimento catalisado pela resistência armada da Palestina e que se espalha pelo Líbano, Iêmen, Iraque, contra as ditaduras mais violentas do mundo, que submetem os povos árabes à completa opressão e repressão, e que significam uma ameaça à sua dominação. Querem poder retomar a acumulação de capital sem os sobressaltos de guerrilhas e rebeliões.
Os EUA dão muita importância a esses países, tanto como investidores quanto como fiadores da sobrevivência do petrodólar, que é hoje um dos esteios do próprio dólar. Para o atual governo dos EUA, ‘Israel’ é necessário à manutenção da hegemonia norte-americana na região, mas faz isso a um custo muito alto, tanto econômico quanto militar.
A Arábia Saudita sabe que o Irã é potência política, econômica e militar na região, e está firmemente ligada à Rússia e à China, o que é importante para o reino em termos comerciais e econômicos.
O acordo entre Arábia Saudita e Irã, mediado por Pequim, significou um avanço nas relações entre os dois países. Isso foi confirmado pela guerra dos doze dias, que esclareceu as relações reais de força militar entre o Irã e ‘Israel’/EUA, favorecendo o Irã, principalmente após o ataque à base Al-Udeid dos EUA no Catar.
Houve uma mudança na atitude dos países do Golfo em relação ao Irã, que agora preferem um modus vivendi pacífico com seu vizinho. A política dos EUA no Oriente Médio busca uma “pax americana”, limitando o poder de fogo de ‘Israel’. É crucial desmantelar o Eixo da Resistência. No Líbano, aumenta a pressão dos EUA sobre o governo para “desarmar” o Hesbolá — que é a mesma proposta de ‘Israel’ para a resistência palestina. O mesmo ocorre com o governo iraquiano, que deve desmantelar as milícias populares xiitas.
Os EUA buscam reforçar o novo regime terrorista sírio como um novo aliado beligerante na região, embora seja evidente sua falta de solidez e sua extrema proximidade com a Turquia — que ‘Israel’ já anuncia como o próximo alvo.
A situação do Líbano é muito complicada, pois resiste às pressões externas, mas é afetado pela ofensiva norte-americana, que busca desestabilizar o frágil governo libanês, e pela ação de ‘Israel’, que mantém uma ocupação em partes do território (que deveria ter libertado após o acordo de cessar-fogo), bem como pelos contínuos bombardeios da força aérea de Tel Aviv.
Essas são também as razões para a resistência do Hesbolá em ser desarmado, mesmo que, para isso, seja necessária uma nova guerra civil.
Isto também ocorre no Iraque, onde as Forças de Mobilização Popular já estão amplamente integradas às forças armadas, tornando muito mais difícil exigir sua desmobilização.
Por último, mas não menos importante, a questão curda continua a pesar muito no cenário regional. Após o anúncio televisivo da dissolução do PKK por Öcalan e outros líderes curdos, uma cerimônia simbólica foi realizada no Curdistão sírio, com a entrega de armas por alguns guerrilheiros. Mas não se concretizou na prática.
As forças curdas sírias não estão muito dispostas a se desarmar e, de fato, as negociações em Damasco entre o governo e as SDF (Forças Democráticas da Síria, de maioria curda) estagnaram precisamente na questão da autonomia regional e na manutenção, após sua integração no exército, das unidades curdas no território de Rojava. Há uma discórdia muito profunda entre Öcalan e os líderes curdos sírios, que há muito se refugiam sob a asa protetora dos EUA (sem desdenhar os contatos com ‘Israel’), enquanto o líder do PKK mantém sua posição fortemente anti-imperialista e antiamericana.
No Curdistão iraquiano (uma região autônoma criada após a invasão do Iraque pelos EUA em 2003, e também sob controle EUA-‘Israel’) houve confrontos entre o governo peshmerga e alguns chefes tribais. Em suma, o mundo curdo está, por sua vez, em uma fase de reajuste dos equilíbrios internos, que faz parte da mudança mais ampla nos equilíbrios geopolíticos de toda a Ásia Ocidental.
A guerra congelada
A guerra contra o Irã revelou ao regime nazi-sionista de ‘Israel’ que é preciso, mais do que nunca, submeter o país a uma completa destruição e à queda do regime. O cessar-fogo não significa que a guerra acabou, pois ambos os lados estão agora se reposicionando para um longo confronto que abrangerá a região, redesenhará alianças e poderá definir como será o domínio dos EUA na Ásia Ocidental.
O objetivo do imperialismo e de seu preposto israelense é o mesmo: a rendição incondicional do Irã. Embora Trump defenda uma atitude cautelosa e Netaniahu seja a favor do confronto, ambos concordam que o regime iraniano não pode sobreviver.
A guerra de 12 dias representou um confronto muito mais prolongado e destrutivo do que o imperialismo previa. Enquanto nos conflitos anteriores havia mais escaramuças e troca de hostilidades, a guerra de 12 dias significou uma guerra de verdade. Os ataques aéreos israelenses destruíram instalações nucleares, alvos civis e também importante infraestrutura. Enquanto isso, mísseis balísticos e drones iranianos tornaram o Domo de Ferro inoperante e destruíram importantes locais militares e de inteligência, inclusive em Tel Aviv.
O Irã surgiu como grande vitorioso ao mostrar que tem imenso poder de fogo, chegando a atingir a maior base dos EUA na Ásia Ocidental — a base Al-Udeid, no Catar —, demonstrando que pode atacar os EUA, algo que parecia impossível anteriormente.
Os EUA, por sua vez, atacaram o Irã militarmente, mas não chegaram a afetar as instalações nucleares iranianas, cuja destruição era considerada certa. Uma característica dos conflitos levados adiante pelos EUA é sua grande debilidade militar: sua tecnologia revela-se ultrapassada e sua capacidade estratégica, reduzida. O peso econômico das guerras simultâneas e a péssima situação econômica dos EUA tornam o custo das guerras proibitivo.
Isso explica por que os EUA recuaram. Teerã deixou claro que um ataque americano mais amplo seria recebido com retaliação regional, ameaçando os mercados de energia e as tropas americanas. E foi isso que levou Trump à diplomacia.
Após o cessar-fogo, o objetivo estratégico de ‘Israel’ permanece constante: solapar a ascensão do Irã, destruir suas ambições nucleares e regionais e promover condições para a queda do regime. Mas o regime nazi-sionista esteve à beira do colapso e não quer passar de novo por esses infortúnios.
O mais provável é que ‘Israel’ aposte nas operações secretas, em especial o assassinato de cientistas e líderes iranianos. Recentemente, a alta cúpula do governo do Irã sofreu um atentado, que feriu levemente o presidente do país. A sabotagem cibernética também se intensificou, com operações destinadas a semear medo e incerteza dentro das instituições iranianas. A repressão de Teerã no pós-guerra — incluindo centenas de prisões por espionagem — sugere consciência da crescente ameaça.
Os ataques aéreos também podem ser retomados, buscando alvos civis e militares. Mas eles correm o risco de provocar uma retaliação em grande escala do Irã, cujos resultados podem ser ainda mais destrutivos para ‘Israel’.
O Irã respondeu à altura aos ataques cibernéticos de ‘Israel’, provavelmente com ajuda russa ou chinesa. ‘Israel’ pode optar por tentar uma “guerra colorida” contra o Irã, investindo em fomentar a agitação interna. Isso inclui o fortalecimento de grupos de oposição e a exploração de tensões étnicas em províncias inquietas como Ahvaz, Baluchistão, Curdistão Ocidental e áreas de maioria azeri. No entanto, a guerra unificou temporariamente a sociedade iraniana em torno do Estado, limitando a eficácia dessas iniciativas.
Para o Irã, a guerra serviu como um sinal importante de que há mudanças a fazer. A fase pós-cessar-fogo será de rearmamento e implantação de um regime de prontidão permanente. A República Islâmica intensificou sua repressão à infiltração interna, com mais de 700 prisões por espionagem, seis agentes do Mossad executados e uma nova legislação que impõe a pena de morte para quem ajudar ‘Israel’, os EUA e seus aliados.
No ciberespaço, o arsenal do Irã está se tornando formidável. Milhares de documentos israelenses foram hackeados, com vazamentos de dados sobre soldados de ocupação, sabotagem de sistemas de radar e vigilância, além de ataques cibernéticos a infraestruturas críticas. Isso marcou um salto qualitativo: Teerã agora pode atacar profundamente dentro de ‘Israel’ sem lançar um único míssil. Tudo está mapeado e os alvos estratégicos, identificados.
Regionalmente, o Irã tem buscado o apoio dos aliados da resistência no Líbano, Iraque e Iêmen. Todos os esforços estão sendo feitos para aumentar a precisão dos mísseis e continuar a pressão cibernética. O objetivo de Teerã é aumentar ao máximo o custo de uma agressão israelense, evitando uma ampla escalada.
Recentemente, houve rumores de que a China estaria fornecendo equipamento militar ao Irã. O Irã está em negociações avançadas para adquirir os caças multifunção chineses Chengdu J-10C, considerados uma alternativa aos atrasos na entrega dos Su-35 russos. Autoridades iranianas visitaram Pequim para discutir a compra, e analistas apontam que mesmo uma frota limitada poderia ter impacto estratégico. Fontes árabes afirmam que o Irã recebeu baterias do sistema HQ-9B da China após o cessar-fogo com ‘Israel’. A transação teria ocorrido por meio de compensação em petróleo, mas nenhum dos governos confirmou oficialmente o envio. O HQ-9B é um sistema de longo alcance, comparável ao S-300 russo, e reforça a arquitetura de defesa aérea iraniana.
Espera-se que o Irã e o Eixo da Resistência se preparem econômica, política e militarmente para enfrentar uma nova guerra com ‘Israel’. Apesar dos pruridos de Trump, o imperialismo quer a guerra. Na Ásia Ocidental, a destruição do Irã é o primeiro passo, para os EUA, na retomada do domínio da região. Eles não têm outra opção e precisam aproveitar que ainda não se desenvolveu uma revolução nos países árabes contra a opressão e exploração de suas ditaduras. Depois pode ser muito tarde.




