Coluna

Boric e a ‘indignante’ situação no Chile

Após um apagão generalizado, a única ação do governo chileno foi o decreto de estado de emergência com toque de recolher. Parte do país ainda não tem energia

gabriel boric

O presidente Boric é frequentemente classificado como “de esquerda” pela imprensa burguesa. Ele representaria uma esquerda considerada aceitável, palatável e distante do “radicalismo” ou “extremismo”, que são rejeitados pela maioria dos meios de comunicação.

O próprio presidente se define como esquerdista em seus discursos. No entanto, o vox populi o apelidou de “Pinochetito” (ou “Pinochetinho”, em português). Esse apelido surge porque Boric tem sido extremamente repressivo com a população chilena. Além disso, ele foi responsável por impedir a candidatura de Daniel Jadue, o preferido da esquerda nas eleições que o levaram à presidência. Em 2020, a esquerda resolveu fazer eleições prévias entre seus candidatos para apresentar uma candidatura única, o que acabou por tirar Jadue do pleito e enviar para o processo eleitoral o então candidato Boric. Durante o governo de Boric, Jadue chegou a ser preso. O presidente também desempenhou um papel importante na manutenção de prisões de pessoas que participaram das manifestações do estallido social de 2019 e 2020.

Além disso, a campanha para as eleições de Boric aconteceu justamente no meio da assembleia constituinte. O atual presidente prometeu que, caso a nova constituição não fosse aprovada, ele convocaria uma nova assembleia. No entanto, a campanha presidencial, que não deveria ocorrer no meio de um processo constituinte, acabou por soterrar a assembleia. Boric jamais cumpriu sua promessa de chamar uma nova constituinte, e a constituição de Pinochet foi mantida.

Agora, com a crise do apagão chileno, que deixou o país inteiro no escuro desde a tarde de terça-feira, Boric teria a oportunidade de demonstrar que todos os seus críticos estão equivocados e que, de fato, ele é um presidente de esquerda, limpando a sujeira do passado. No entanto, o problema é que o governo chileno não está minimamente preocupado com a situação de seu povo.

Primeiro, há um esforço para fazer parecer ao resto do mundo que o apagão não ocorreu em todo o país. A imprensa e o próprio governo propagandeiam que “cerca de 19 milhões de pessoas” estão sem energia, mas omitem que o Chile tem uma população de 19,66 milhões de habitantes, segundo dados de 2023. Ou seja, em vez de admitir que o apagão é generalizado, eles destacam o número de pessoas afetadas, na esperança de que quem se informe em países maiores, como o Brasil, com seus mais de 200 milhões de habitantes, não perceba o impacto real da crise. Afinal, o número de 19 milhões é próximo ao total de habitantes da Grande São Paulo, o que, em um país como o Brasil, apesar de parecer um número grande, faz parecer que a situação é localizada, não geral.

Também afirmam que o toque de recolher e o estado de exceção impostos pelo governo, algo que não ocorria desde o estallido social — as manifestações chilenas de 2019 e 2020 —, se restringem à região que vai de Arica a Los Lagos. O problema é que essa área abrange praticamente todo o país, com exceção das regiões de Magallanes e de Aysén, que têm apenas 180 mil e 103 mil habitantes, respectivamente. São justamente essas as únicas regiões que, segundo o governo, não foram afetadas pela falta de energia.

Aqui no Brasil, a Folha de São Paulo disse hoje (26) pela manhã que o país retornou à normalidade. No entanto, não é possível entrar em contato com muitos familiares e companheiros até agora. Além disso, portais como o argentino Red43 asseguram que o Chile continua sem energia elétrica em pelo menos 30%, além de dizer que duas províncias da Argentina, Mendoza e San Juan, também sofreram com apagões.

Chile (+Antarctica & Islands), administrative divisions - es - colored 2018
Fonte: NordNordWest – https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/legalcode

Sem energia elétrica, enquanto ainda era possível usar internet e celulares, vários vídeos se espalharam pelas redes sociais mostrando pessoas presas em elevadores e em locais que dependem de eletricidade para permitir a entrada e saída. Além disso, com exceção de grandes hospitais equipados com geradores, postos de saúde e pequenos hospitais também ficaram sem energia. O maior festival de música do país, o festival de Viña del Mar, também teve eventos cancelados. No entanto, a principal medida adotada por Boric foi o toque de recolher.

Vejamos as palavras do próprio Boric em pronunciamento para o Chile:

“Conversei pessoalmente com os comandantes em chefe das Forças Armadas, com o general diretor dos Carabineros (polícia chilena) e com o diretor da PDI (Polícia de Investigações de Chile). Também estivemos monitorando na central dos Carabineros para garantir a decolagem de todas as RP (Rádio Patrulhas), de todas as patrulhas, de todos os ônibus, além do sistema de transporte público, para agir com a maior rapidez diante dessa emergência.”

E sobre o toque de recolher: “pessoalmente, tomei a decisão de fazê-lo porque me pareceu que, neste caso, não podemos dar nenhuma margem para que aqueles que pretendem agir fora da lei se aproveitem de uma situação como essa para cometer crimes”.

Ou seja, a principal preocupação do governo chileno foi com o aumento do policiamento. Segundo algumas notícias, Boric passou a maior parte de seu tempo desde ontem nos centros de vigilância do país. Ele também responsabilizou as empresas privadas de energia pelo problema, mas suavizou a crítica ao apresentar uma explicação mais técnica para a crise.

O problema elétrico do Chile, no entanto, não está relacionado a questões técnicas, já que interrupções de energia são frequentes em várias regiões por motivos diversos. A raiz do problema está na privatização do setor, que nunca funcionou adequadamente no país.

Boric sabe disso. Também sabe que a situação é potencialmente explosiva. Em 2019, durante o estallido, a população incendiou o prédio da Enel em Santiago. Esse é o principal motivo que levou o governo a decretar o estado de emergência: a preocupação em evitar novas manifestações em todo o país. Como justificativa, ele usa a suposta criminalidade que poderia ocorrer durante a crise energética.

O presidente disse que considera a situação “indignante”. Realmente é, e tem sido assim desde as privatizações durante a ditadura. Mais indignante ainda, no entanto, é o tratamento que a polícia dá ao próprio povo em um momento tão difícil como o apagão generalizado, com o intuito de proteger os responsáveis e garantir que o sentimento de ódio popular pelas empresas internacionais não se manifeste. E o culpado desse tratamento é Gabriel Boric.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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