Escrever sobre o quadrinho brasileiro é quase o mesmo que escrever sobre quadrinho alternativo e, consequentemente, fazer distinções entre ele e os quadrinhos comerciais. Mas o que significa isso, quadrinho comercial? Em termos gerais, são os quadrinhos da indústria cultural, isto é, são os quadrinhos produzidos em escala industrial. Para quem está nas bancas de jornais ou nas comic-shops, as histórias da Marvel, da DC e alguns mangás são comerciais. Não digo isso com desprezo, leio as aventuras dos super-heróis da Marvel desde os seis anos de idade; sei valorizar a criatividade da DC e da Vertigo, há mangás geniais.
Além de apreciar tudo isso, vivi um tempo em que havia, nas mesmas bancas, as edições da revista Animal. A Animal circulou no Brasil de 1987 a 1991, em um total de 22 edições, mais 8 edições das Grandes Aventuras Animal e 2 edições da Coleção Animal; um projeto levado adiante por Rogério de Campos, Celso Singo Aramaki, Newton Foot e Fábio Zimbres. A Animal se destaca, entre suas muitas qualidades, por haver publicado e divulgado grandes artistas da HQ europeia pela primeira vez no Brasil. Não eram histórias banais, a Animal publicava narrativas polêmicas, alternativas em seus países de origem. Seus temas referiam-se a drogas pesadas, sexo sadomasoquista, mal-estar da civilização e críticas à cultura de massas; as formas de expressá-los eram inovadoras, com estilos gráficos próximos da cultura pop e da história da arte, inclusive das vanguardas do século XX.
Em suas publicações do quadrinho alternativo internacional, a Animal se aproximava da vocação alternativa do quadrinho brasileiro não apenas por haver publicado autores brasileiros, mas por expressar essa filosofia de valorização da arte. Essa mesma filosofia pautava a linha editorial de outra revista, a Circo, da editora Circo, fundada em 1984 por Toninho Mendes, quatro anos antes da Animal ser lançada. A editora Circo foi responsável por reunir autores como Luiz Gê, Laerte, Fernando Gonzales, Angeli. A revista Circo não publicava apenas artistas brasileiros; igualmente a Animal, ela divulgava trabalhos de outros países, entre eles, os quadrinhos de Robert Crumb.
Ora, nos dias de hoje, diante dos mostradores das bancas de jornais, sem Circo e sem Animal, o que resta neles do quadrinho nacional? Praticamente, nada; quem lê quadrinhos nacionais, certamente não os encontram em bancas de revistas. Desse modo, por estar às margens da indústria cultural, praticamente todo quadrinho brasileiro, podendo se desenvolver livremente, é alternativo. Disso há, pelos menos, duas decorrências: (1) livres das normatizações danosas da indústria cultural, os quadrinhos brasileiros podem se desenvolver num pluralismo semiótico, tanto de estilos gráficos quanto temático, bastante significativo; (2) uma vez alternativos, seus temas, libertos das censuras comerciais, portanto burguesas, tendem à contestação social e política sem as costumeiras reservas parlamentares.