Esta semana, assisti ao novo filme do diretor brasileiro Karim Aïnouz, chamado Motel Destino. O longa recebeu atenção da crítica especializada e foi um dos finalistas à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024, onde foi ovacionado por cerca de 12 minutos durante sua sessão oficial, de acordo com reportagens na imprensa.
Ao lado de Ainda Estou Aqui, talvez seja o filme brasileiro mais importante do ano. O enredo é, claramente, uma adaptação para o contexto brasileiro do clássico norte-americano The Postman Always Rings Twice, peça de James M. Cain, que no Brasil ganhou o título O Destino Bate à Sua Porta. A primeira versão cinematográfica foi lançada em 1946, com direção de Tay Garnett, e é um marco do film noir, estrelado por Lana Turner e John Garfield. Esse gênero é conhecido por sua atmosfera sombria e de suspense, narrativa de crime, personagens anti-heróis e estética preto e branco de alto contraste entre luz e sombra, inspirada no expressionismo alemão. Uma autêntica manifestação da conjuntura do pós-guerra. Outra adaptação famosa foi realizada em 1981, dirigida por Bob Rafelson, com Jack Nicholson e Jessica Lange nos papéis principais.
Em Motel Destino, o enredo segue Heraldo, um jovem de 21 anos da periferia de Fortaleza, que foge da máfia local e encontra refúgio em um motel de beira de estrada. Ele se esconde no Motel Destino, onde conhece Dayana, interpretada por Nathalie Rocha, e Elias, seu marido mais velho, vivido por Fábio Assunção. Heraldo é interpretado por Iago Xavier, e sua interação com os outros personagens explora temáticas de traição, desejo e tensão social.
Karim Aïnouz traduz a estética do film noir para o contexto brasileiro de forma criativa. Em vez do preto e branco, o diretor utiliza uma paleta saturada de cores primárias, especialmente vermelho e azul, para criar um impacto visual que pontua o suspense e as emoções. O filme também foi gravado em película Kodak 16mm e 8mm, uma escolha que contrasta com a digitalização atual da indústria cinematográfica, agregando um charme artesanal à obra. Ainda assim, a experiência do público, seja no cinema ou nos serviços de streaming, ocorre em formato digital, reforçando a ironia desse gesto.
Narrativamente, Motel Destino preserva a tensão do texto original, com armas e a iminência da violência sempre presentes. Há cenas em que Heraldo e Dayana cogitam assassinar Elias, alimentando o suspense e a referência a O Destino Bate à sua Porta. Contudo, Aïnouz traz um subtexto identitário, contrapondo o personagem de Elias – um homem branco, muito mais velho e do Rio de Janeiro, portanto, um “estrangeiro” no Ceará – às figuras locais dos explorados Heraldo e Dayana, que representam uma conexão com a cultura regional.
Esse contraste cultural e identitário enfraquece a sua narrativa, tornando-a contemporânea, mas sem a devida crítica que o cinema atual carece de abordar. Ainda assim, Motel Destino é uma obra que merece ser vista por sua capacidade de reinventar um clássico internacional, trazendo um olhar contemporâneo e brasileiro para um gênero tradicional. A tensão, as referências cinematográficas – como o voyerismo explícito, ao modo de Janela Indiscreta – e a abordagem da sexualidade explícita associada ao confinamento do ambiente do motel fazem do filme uma realização acima da média. Falta somar-se ao talento de Karim Aïnouz a audácia política que os tempos exigem.