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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Peru: dois anos de ditadura de Dina Boluarte

A ditadura de Dina Boluarte foi implantada com uma grande repressão militar que sufocou a rebelião popular contra o golpe atirando contra a população, com grande saldo de mortos

Um governo que não tinha, aparentemente, nenhuma condição de sobreviver, fruto de uma usurpação violenta do poder do governo eleito de Pedro Castillo, está prestes a comemorar dois anos de existência. Desde 7 de dezembro de 2022, a corja de políticos de direita e extrema direita comanda o país ditatorialmente juntamente com os jornais e TVs tradicionais, e grande participação da burguesia peruana através de suas associações além, é claro, do alto comando das Forças Armadas. Um país caracterizado por uma enorme instabilidade política, marcado por uma mudança frequente de Presidentes da República e grandes agitações sociais, apresenta um governo que se mantém apesar da grande oposição que também ainda persiste. 

A ditadura de Dina Boluarte foi implantada com uma grande repressão militar que sufocou a rebelião popular contra o golpe atirando contra a população, com grande saldo de assassinados. Tudo isso com o apoio do imperialismo, que enviou o próprio Antony Blinken para apoiar o novo governo e do governo brasileiro que reconheceu o novo governo de imediatamente após o golpe contra Pedro Castillo.

Atualmente, apesar da oposição de fortes movimentos sociais, há uma clara impermeabilidade do governo aos protestos, uma grande unidade política do Executivo e um Congresso que impulsiona os projetos da coalizão golpista liderada pelo fujimorismo. Os usurpadores implementam a agenda neoliberal que perdeu as eleições. Na verdade, o governo Pedro Castillo que tinha inicialmente um projeto transformador, propondo a estatização das mineradoras que exploram o país e anunciando uma Constituinte foi abandonando suas bandeiras, na crença que acomete a todos os governos de esquerda de que isso pode evitar o golpe contra ele. É o mesmo processo que acontece agora com o Governo Lula, na iminência de abandonar sua política social para adotar um ajuste fiscal que o avalize perante a direita e o imperialismo.    

O Congresso peruano, que repetia sem cessar as iniciativas de derrubar governos eleitos, não discutiu nenhuma moção de impeachment contra a presidente, para o que não faltam motivos. Dina Boluarte, além dos crimes cometidos contra os protestos populares, é acusada de crimes de corrupção, como o recebimento indevido de relógios Rolex do governador regional de Ayacucho e de participação no  complô de corrupção organizado por seu irmão. Nicanor Boluarte, para destinar recursos públicos ao registro da festa da família. A Presidente demonstra total incapacidade para o cargo, mas a burguesia peruana banca seu governo.

O problema da segurança

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), durante o mandato de Pedro Castillo, 27,8% dos peruanos apontaram o crime como um dos principais problemas do país. Em 2024, esse número chega a 39,4%, com grande contribuição do governo Boluarte. Apesar de ainda baixa, os assassinatos apresentaram grande crescimento neste período.  Segundo o INEI, entre 2013 e 2023, a taxa de homicídios aumentou 45%. O fato tem prejudicado o governo, e ganhou grande repercussão na mídia, aparecendo nas primeiras páginas e principais noticiários da TV.

O problema da segurança continuou se aprofundando e revelou-se uma total incapacidade do Governo Dina de conseguir conter a criminalidade porque o problema origina-se do próprio governo – dirigido por uma quadrilha de bandidos e assassinos da pior espécie e pela política neoliberal que ele tem implantado, gerando destruição econômica.  

O resultado foi que o setor de transporte informal, maior vítima de extorsão e violências do crime organizado, se tornou o eixo orientador do questionamento político do governo e partiu deste setor a organização de dois dias de greves bem-sucedidas em Lima e nas principais cidades do litoral. Em um país atomizado por trinta anos de neoliberalismo, organizar a comunidade é quase um épico, ainda mais por se tratar de uma guilda onde convergem pequenos empresários independentes que se percebem como “empreendedores”, mas são trabalhadores precários.

Uma nova Greve Nacional contra a insegurança foi realizada nos dias  13, 14 e 15 de novembro, datas em que aconteceu em Lima a Cúpula Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o que fez a manifestação popular alcançar repercussão internacional. 

A construção pela parceria China-Peru do porto de Chancay

Centenas de manifestantes protestaram contra a presidente peruana Dina Boluarte em 14 de novembro, no mesmo dia em que o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente dos EUA, Joe Biden, chegaram em Lima para participar de reuniões da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC).

A presidente peruana recebeu no palácio presidencial seu homólogo chinês, com quem inaugurou virtualmente o porto de Chancay , a mais de 60 quilômetros ao norte de Lima, que deve se tornar o epicentro das viagens marítimas da América do Sul para a Ásia.

O dia 14 de novembro foi também o segundo dia de manifestações antigovernamentais. No protesto , havia cartazes em inglês e espanhol onde Boluarte foi rotulada de “assassina”, em referência às mortes de civis deixadas pelas manifestações no final de 2022 e início de 2023, quando ela acabara de assumir o poder. Boluarte é a presidente com o menor índice de aprovação desde 1980, de acordo com a empresa de pesquisas Datum International, que mede a popularidade dos presidentes há mais de 40 anos. A presidente tem 5% de aprovação e 92% de impopularidade, de acordo com a empresa em sua pesquisa nacional mais recente em outubro.

Chancay é o primeiro investimento portuário da China na América Latina, que será operado diretamente por sua própria empresa. Para o Peru, significa a possibilidade de aliviar Callao, o principal porto do país, movimentando cargas do norte, sul e terras altas. Este megaporto se tornará a principal porta de entrada da China e da Ásia para a América do Sul e funcionará como um centro comercial de e para o Equador, Chile e Colômbia. Da mesma forma, a possibilidade de conexão com os diversos projetos do corredor bioceânico poderia comunicar mais facilmente os países americanos do Atlântico Sul com o Pacífico, gerando um inegável impacto geopolítico local, nacional e regional. Por exemplo, Chancay poderia integrar o Peru ao parque industrial de Manaus, o que lhe permitiria melhorar sua conectividade com o Mercosul.

O investimento previsto de 3 bilhões de dólares permitirá lançar as bases de um projeto que integrará dois complexos, um porto e outro logístico, que contará com dois terminais especializados, quatro fontes de atracação e um terminal de contêineres com 11 docas para o atendimento de navios de transporte de veículos, carga geral e graneis. A primeira etapa já foi concluída e está operacional. Assim que as demais etapas forem concluídas, espera-se que Chancay seja capaz de movimentar um valor um pouco mais de 5 milhões de TEUs (unidades de contêineres equivalentes a vinte pés).

O Porto faz parte da Rota da Seda e por isso tem recebido grande aporte de investimentos e grande velocidade de construção. Seu impacto para a América do Sul é imenso, reduzindo em 15 dias o transporte de mercadorias da Ásia para o continente sul-americano. Terá grande importância para o Brasil, dinamizando a região do Acre e permitindo que a Zona Franca de Manaus acelere seu desenvolvimento, agora com a possibilidade de exportar diretamente para a Ásia. 

Não se entende a relutância do Governo Lula em assinar o memorando da Nova Rota da Seda, que permitirá “sinergias” mais efetivas com a China, já que significaria um empreendimento de Estado, não de governo. Desta forma, um outro governo brasileiro dotado de chinafobia não poderá cancelar o acordo, enquanto que a parceria adotada na reunião com o Presidente Xi Jinping durante a realização do G-20 é algo informal e que depende do firme compromisso de governos. 

O Peru já se prepara para as eleições de 2026

Os setores políticos e a sociedade peruana como um todo acabaram se submetendo ao calendário eleitoral imposto pela ditadora Dina Boluarte, que determinou eleições presidenciais em abril de 2026. Existem 37 partidos registrados e não há incentivos para fazer alianças. Pelo contrário, a lei eleitoral eleva os prejuízos para os partidos que decidem unir forças. Essa eleição poderá não ser muito representativa, pois o Governo e a direita controlam o processo eleitoral e já impediram políticos de se candidatar e partidos de serem legalizados. O Congresso, por sua vez, prepara nova legislação eleitoral que deverá colocar mais obstáculos, principalmente para os partidos e candidatos da esquerda. 

O partido fascista Força Popular, que é herdeiro do legado criminoso de Alberto Fujimori, é o bloco político mais consolidado, tendo sua filha Keiko como protagonista. Possui apenas 13% nas pesquisas, o que pode lhe dar uma vaga no segundo turno das eleições presidenciais devido à ausência de um adversário. Na extrema direita, López Aliaga (Renovação Popular) já está viajando pelo país em campanha e pode atrair partidos menores.

O autodenominado “centro democrático” também começou a se articular com anúncios de negociações. O Partido Púrpura deixou vazar a candidatura do ex-presidente Francisco Sagasti. Destacam-se, também, o reitor da Universidade de Engenharia Alfonso López Chau (e seu partido Ahora Nación) e o ex-presidente Martín Vizcarra, embora no momento esteja desqualificado para participar.

A esquerda e o campo popular, tem uma a situação complicada. Até o momento, não há uma liderança articulada e consensual que lidere uma coalizão, e é muito provável que pequenas candidaturas se multipliquem. O partido Peru Libre, que deu sua sigla para Pedro Castillo, hoje se aproxima de do fujimorismo. No campo popular, onde estão localizadas as organizações que reivindicam as poderosas manifestações de dezembro de 2022 e suas plataformas (Renúncia de Dina, Fechamento do Congresso, Nova Constituição, Liberdade/Restituição Pedro Castillo), também existem vários grupos em processo de registro. Também tem “Todos con el Pueblo”, um projeto diretamente ligado a Pedro Castillo com porta-vozes como Iber Maravi ou Nicolás Bustamente. 

Esse bloco tem grande apoio no campesinato, especialmente no sul, um enraizamento que poderia garantir uma plataforma suficiente para ir ao segundo turno confrontando radicalmente a direita. No entanto, o espaço ainda carece de um candidato poderoso, pois é provável que Pedro Castillo, Betsy Chávez e Aníbal Tores sejam condenados no “julgamento” por rebelião e, consequentemente, fiquem fora da corrida eleitoral.

Resta saber se o imperialismo trumpista tentará interferir nas eleições e qual o partido ou setor que pretende apoiar. Provavelmente o apoio será ao candidato de extrema direita cujo projeto é ainda desconhecido e, no quadro peruano, onde prevalece a direita fujimorista, é difícil imaginar se a extrema direita será mais ditatorial e criminosa que o governo Dina Boluarte.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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