Citando documentos vazados, o órgão de imprensa norte-americano The Grayzone revelou uma campanha secreta que tentou canalizar recursos do Departamento de Estado dos EUA para o NED (National Endowment for Democracy) visando impulsionar movimentos de oposição do Irã, além de promover intervenção militar e sanções para derrubar o governo iraniano.
A iniciativa foi liderada por Carl Gershman, um dos fundadores do NED, considerada a agência de mudança de regime de Washington ou, a CIA disfarçada, notória por suas tentativas de infiltração, subversão e sabotagem contra outros países sob o pretexto de promover a democracia.
Gershman conspirou para canalizar recursos do Departamento de Estado dos EUA para o fortalecimento da Coalizão pela Liberdade do Irã, composta por ativistas iranianos pró-imperialistas e agentes radicais da direita e extrema-direita norte-americana – os chamados “neoconservadores” – que clamam por um ataque militar norte-americano ao Irã.
Segundo o Grayzone, “embora tenha como objetivo ‘mobilizar apoio internacional’ para o Movimento Mulheres, Vida, Liberdade, ‘e fazer o que for possível para ajudar (sua) luta’, a Coalizão pela Liberdade representa uma tentativa clara de impor uma liderança de exilados sobre a base da oposição iraniana que é dirigida e patrocinada pelos elementos mais beligerantes de Washington“.
O Movimento Mulheres, Vida, Liberdade surgiu ao mesmo tempo que eclodiram protestos no Irã em setembro de 2022, quando uma mulher de 22 anos, Mahsa Amini, morreu em um hospital na capital Teerã. Amini faleceu três dias após desmaiar em uma delegacia de polícia, onde estava sob custódia por violar códigos morais que obrigam as mulheres a usarem o hijabe (o véu islâmico).
Investigações atribuíram sua morte a uma condição médica preexistente, desmentindo alegações de que ela teria sido espancada pela polícia. A comunidade de inteligência do Irã disse que vários países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido, usaram seus aparatos de espionagem e propaganda para provocar agitações no país. O Movimento Mulheres, Vida, Liberdade atraiu o apoio fervoroso de governos imperialistas, celebridades e ONGs feministas, que o impulsionaram mesmo depois que ele fracassou nas ruas.
Para realizar seu mais recente plano de mudança de regime no Irã, Gershman procurou um aliado de longa data, o deputado Mario Díaz-Balart, um poderoso republicano do lobby cubano norte-americano do sul da Flórida (sobrinho de Mirta Díaz-Balart, a primeira esposa do presidente cubano Fidel Castro, e filho de Rafael Díaz-Balart, fundador da Rosa Branca, a primeira organização anti-Castro, criada em 1959). Mario Díaz-Balart é um ávido defensor da política imperialista.
Em maio de 2024, ele afirmou que o Hamas, e não o Estado sionista, era responsável pelo ataque de “Israel” a Rafá e ao povo de Gaza. “É direito e dever absoluto de ‘Israel’ proteger a si mesmo e aos seus cidadãos de organizações terroristas e eliminar e destruir o mal que é o Hamas de uma vez por todas”, disse ele. Como presidente do Subcomitê do Departamento de Estado no Comitê de Relações Exteriores da Câmara, Diaz Balart tinha influência substancial sobre o financiamento das operações estrangeiras dos EUA.
Em 27 de agosto de 2023, Gershman, que liderou o NED de 1984 a 2021, enviou um e-mail para Díaz-Balart afirmando que uma de suas “iniciativas de aposentadoria” era “trabalhar com a Freedom House para criar uma coalizão de grupos de trabalho”, chamando-a de Coalizão pela Liberdade do Irã.
A ONG Freedom House já havia, em fevereiro de 2023, lançado uma campanha chamada “A luta iraniana pela liberdade: um apelo à solidariedade global”. A petição da campanha afirma que “os iranianos saíram às ruas em rebelião” e que sua vitória significaria “o fim do sistema de misoginia da República Islâmica”, (…) “um marco global na longa marcha rumo a um mundo em que as mulheres sejam tratadas de forma igual”. Segundo a Freedom House, o movimento considera o governo do Irã “fundamentalmente ilegítimo e irreformável.” A petição termina afirmando que os manifestantes cantam “abaixo”. Eles querem que a teocracia e a ditadura sejam substituídas pela liberdade e pela democracia. Eles proclamam por uma “revolução”.
Em seu e-mail, Gershman explicou a Díaz-Balart que seus “amigos iranianos ficaram surpresos” com as diretrizes de 2023 do Fundo para a Democracia do Irã do Departamento de Estado, que destinavam seu orçamento para “fortalecer o engajamento da sociedade civil em processos eleitorais”. De acordo com Gershman, o movimento Mulheres, Vida, Liberdade, “não reconhece a legitimidade do regime que administra esses ‘processos eleitorais'”, e por isso pediu que parte do dinheiro fosse canalizado para uma iniciativa mais linha-dura. Ele sugeriu que Díaz-Balart usasse a sua influência dentro do Congresso norte-americano para dirigir “talvez 10%” do orçamento anual de 55 milhões de dólares do Fundo para a Democracia do Irã do Departamento de Estado para o NED.
Inicialmente liderado e organizado por cidadãos iranianos, o Movimento Mulheres, Vida, Liberdade rapidamente se tornou uma causa célebre para notórios iranianos exilados que figuram campanhas contra a República Islâmica. Reza Pahlavi, filho do antigo Xá do Irã, e Masih Alinejad, uma antiga beneficiária de financiamento do governo dos EUA que pediu ataques militares ao Irã, se tornaram líderes internacionais do Movimento, estampando manchetes da imprensa capitalista em todo mundo apesar das reclamações de ativistas de base no Irã de que forças estrangeiras haviam cooptado sua causa.
“Esses elementos, como ilustrado na proposta vazada de Gershman, rapidamente sequestraram os protestos, inserindo exilados patrocinados pelo governo dos EUA como a face e a voz internacional do movimento, garantindo assim que seu efeito final fosse um aprofundamento das sanções dos EUA aos iranianos comuns”, esclarece o Grayzone.
A coalizão de Gershman inclui também figuras como William Kristol, um dos chamados “neoconservador” norte-americano com uma longa história de lobby para invasões dos EUA no Oriente Médio, (ele foi um dos maiores proponentes da invasão do Iraque em 2003), e Joshua Muravchik, um defensor declarado da guerra contra o Irã, cujo nome na rede social Twitter/X é Joshua Muravchik #ArmUkraine #BombIran (Arme A Ucrânia, Bombardeie O Irâ).
Segundo o Grayzone, “com a criação da Coligação para a Liberdade do Irã, Gershman pretendia consolidar o controle de quaisquer protestos futuros nas mãos dos elementos mais beligerantes de Washington, que defendem sanções esmagadoras, assassinatos de líderes iranianos e ataques aéreos dos EUA, ao mesmo tempo que alegam preocupação com os direitos humanos dos iranianos médios”.
A proposta de Gershman fornecia também uma série de “indivíduos envolvidos ou a serem envolvidos” na coligação, listados pelo Grayzone (abaixo) com uma breve descrição de suas atuações. “Uma verdadeira galeria de bandidos, predadores “neoconservadores”, integrantes de think tanks pró-guerra e agentes para a mudança de regime iranianos apoiados pelo Ocidente” afirma o Grayzone. A lista inclui até o golpista venezuelano Leopoldo Lopez.
“Mahnaz Afkhami – Afkhami foi Ministra dos Assuntos Femininos sob o regime do Xá de 1976 a 1978, em uma época em que as brutais forças de segurança Savak do Xá estavam desaparecendo, torturando e matando milhares de manifestantes.”
“William “Bill” Kristol – Kristol é talvez o principal demagogo neoconservador em Washington, conhecido por sua longa história de lobby a favor de uma guerra com o Irã. Em 2010, ele declarou que as calamitosas e sangrentas “intervenções” de Washington em países muçulmanos, das quais ele foi invariavelmente um dos principais defensores, deveriam ser consideradas “libertações” e não invasões.”
“Joshua Muravchik – Um dos mais ferozes defensores de uma guerra dos EUA contra o Irã, Muravchik declarou “DEVEMOS bombardear o Irã” em um editorial no LA Times em 2006. Novamente em 2015, Muravchik afirmou em um editorial no Washington Post que “A guerra com o Irã provavelmente é nossa única solução”. Um neoconservador admirador do partido de direita Likud de Israel, Muravchik insistiu, com sua habitual sutileza, que “Israel continua salvando o mundo” ao realizar assassinatos dentro do Irã.”
“Leopoldo López – O líder de facto da oposição golpista venezuelana, patrocinada pelos governos dos EUA e da UE, López participou de um golpe militar fracassado para remover o presidente democraticamente eleito Hugo Chávez em 2002 e depois auxiliou o plano da administração Trump de derrubar o presidente Nicolás Maduro, nomeando um falso presidente, Juan Guaidó, para roubar os ativos estrangeiros da Venezuela e iniciando outro golpe militar fracassado. López é um aristocrata, filho do legislador espanhol de direita, Leopoldo López Sr., e atualmente reside na Espanha.”
“Kasra Aarabi e Saeid Golkar – Aarabi e Golkar trabalham no Instituto Tony Blair, o think tank e sistema de operação de influência do ex-primeiro-ministro britânico pró-guerra. Sabe-se que o instituto recebeu 9 milhões de libras por aconselhar o governo da Arábia Saudita. Em novembro de 2022, o Instituto Blair publicou um relatório extraordinário sobre o Movimento Mulheres, Vida, Liberdade, celebrando entusiasticamente como “a remoção do hijab se tornou um símbolo de mudança de regime” no Irã. O relatório fez várias afirmações exaltadas, incluindo que a grande maioria da população da República Islâmica é secularista, senão ateísta, e apoia plenamente a derrubada do governo. O relatório também vangloriava que o Instituto Blair havia “desenvolvido inteligência de campo no Irã por meio de uma rede de contatos nas ruas”, a qual utilizou para prever “tendências de protesto no Irã nos últimos cinco anos, incluindo a atual revolta nacional.” Embora a alegação do instituto não seja comprovada, ela levanta questões sobre o possível papel clandestino da organização do ex-primeiro-ministro do Reino Unido na instigação dos protestos do Movimento Mulheres, Vida, Liberdade.
“Roya Hakakian – Uma autora iraniano-judaica e queridinha do lobby israelense, Hakakian denegriu os protestos (nas universidades dos EUA) contra o ataque genocida de “Israel” em Gaza, afirmando que eles provam que “o Irã [chegou] aos câmpus dos EUA”, e defendeu fervorosamente “Israel” como uma robusta democracia que busca a paz.
“Maziar Bahari – Um jornalista canadense-iraniano, Bahari foi tema do filme “Rosewater” de Jon Stewart, de 2014, sobre sua detenção na prisão de Evin, no Irã. Hoje, Bahari atua ao lado de ex-oficiais do Departamento de Estado e da USAID, e de líderes de ONGs ocidentais intervencionistas, como diretor do conselho da “Jornalismo Para Mudança”. Como o veículo independente Noir relatou, a “Jornalismo Para Mudança” recebe pelo menos 95% de seu orçamento do Departamento de Estado dos EUA, que também financia o “IranWire”, um parceiro anti-Teerã que publica os artigos de Bahari.”
“Mariam Memarsadeghi – Uma autoproclamada “ativista pela democracia no Irã”, que exibe as bandeiras da Ucrânia e de “Israel” em sua biografia no Twitter/X, Memarsadeghi dirige o “Forum Cyrus”, um grupo ligado ao lobby israelense, dedicado a promover a mudança de regime no Irã. Apesar de sua própria defesa exuberante pela derrubada do governo iraniano, Memarsadeghi admitiu que a campanha de Reza Pahlavi para desmantelar a República Islâmica fracassou porque “seus associados mais visíveis” eram ultranacionalistas de extrema-direita descontrolados, que alienaram os iranianos comuns: “[Passando] a maior parte do tempo promovendo desconfiança e atacando outros líderes da oposição nas redes sociais”, eles também “chamaram publicamente por violência retributiva, execuções sumárias, expurgos de esquerdistas, vilificação de defensores dos direitos humanos e antagonismo contra veículos de mídia livre.” Em sua crítica a Pahlavi, Memarsadeghi poderia estar descrevendo também a Coligação para a Liberdade do Irã, controlada por neoconservadores, à qual aparentemente emprestou seu nome e reputação.”