Samuel de Gois, com a HQ “{DR}”, foi outro finalista da feira de quadrinhos Des.gráfica. A sigla se refere a “Discutindo o Relacionamento”; evidentemente, nela se tematiza o diálogo e suas incompreensões implícitas e explícitas. A HQ se baseia na repetição visual; dessa forma, em toda página par se encontra o perfil direito da cabeça humana, contrastando com o perfil esquerdo em todas as páginas ímpares. Uma vez aberta, as faces dialogam constantemente; em cada dupla de páginas par-ímpar apresenta-se uma variação sobre a repetição das faces, em que o Eu, longe da subjetividade narcisista, constrói-se através do Tu.
Para ilustrar isso, escolheram-se quatro pares de páginas dessa face a face:
(1) em um dos espelhamentos, as palavras entram não apenas pelos ouvidos ou saem pelas bocas, porquanto as palavras caminham pelos olhos e seguem por percursos internos; nesses descaminhos, não se sabe qual a origem da comunicação, isto é, não se sabe quem diz o quê;
(2) em outro espelhamento, percebe-se que a dialética inaugurada no espelhamento anterior permanece, mas em termos de retórica visual, pois não se sabe se o navegante procura, com sua luneta, pela luz do farol ou pelas luzes das estrelas; se a segunda sugestão for levada adiante, a luz do farol, antes de ajudar, atrapalharia a visão do céu noturno;
(3) no próximo espelhamento, a complexificação dos contrários ocorre em cada lado do rosto: do lado esquerdo, há o doce do mel, mas o ferrão das abelhas; do lado direito, há o perfume da rosa, mas em meio aos espinhos;
(4) no último espelhamento, os conteúdos se tornam trágicos; não há doces ou perfumes, mas há o galho e a forca, conectados pela mesma corda.
O texto da HQ, por fim, segue pela temática da construção dos sujeitos mediante o diálogo, em que o Eu existe somente em relação ao Tu. Para validar isso, Samuel de Gois não se limita a colocar as personagens uma diante da outra; ele complexifica o sentido da comunicação fazendo com que a significação dependa das duas faces, com significados polissêmicos e até mesmo contrários, pautando-se pelo elo semiótico da polifonia.