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Brasil

Qual a composição social do governo Lula?

Youtuber procura apresentar mandato petista como um mero gestor da ordem burguesa, ignorando suas contradições de classe

No vídeo O que é um governo de conciliação de classes?, publicado em seu próprio canal, o youtuber Jones Manoel apresenta toda uma tese grotesca sobre a conciliação de classes. Em um momento, ele mesmo admite que todo governo sob o capitalismo comportaria algum tipo de conciliação de classes. Em outro, explica que o governo Lula, especificamente, não seria um governo desse tipo.

Pela contradição do próprio pensamento de Jones Manoel, já é possível perceber que não se trata de uma discussão rigorosa, científica. O youtuber lida com um conceito de sua própria cabeça, que ele mesmo criou.

Segundo Jones Manoel, o governo Lula seria uma forma mais rebaixada de governo que a conciliação de classes “manoeliana”. Seria um governo “progressista de gestão da ordem burguesa”. Seria um governo, portanto, que deveria ser visto em separado diante de outras experiências históricas, como o governo de Salvador Allende (Chile), de Juan Domingo Perón (Argentina) e de Lázaro Cárdenas (México).

Que diferença teria entre o atual governo Lula e os governos citados? Jones Manoel poderia dizer que são governos situados em períodos históricos diferentes. Mas não é esse o seu critério: o youtuber considera Rafael Correa, Hugo Chávez e Evo Morales como chefes de um governo de conciliação de classes.

No Brasil, mais exemplos de conciliação de classes manoeliana: João Goulart, Getúlio Vargas, Miguel Arraes. Mas não Lula!

Lula seria, portanto, o único governante popular no mundo que não governaria sob a conciliação de classes. Curiosamente, Jones Manoel não cita um único presidente que não governaria dessa forma. O governo de Gabriel Boric é um governo de conciliação de classes? E o de Pedro Sánchez? Jones Manoel não responde, pois, como veremos, isso comprometeria a sua teoria bizarra.

O grande argumento de Jones Manoel para separar o governo Lula das demais experiências históricas de governos populares é o de que, nos governos de conciliação de classes, ainda que seus governantes mantenham a estrutura da sociedade capitalista, eles estabelecem que “vai ter certas coisas que vão ser inegociáveis”. Como Lula não teria estabelecido essa “linha vermelha”, ele seria, portanto, um mero gestor da ordem burguesa.

Para reforçar sua tese, Manoel afirma que “Allende tinha um projeto socialista [sic]”, que seria a sua “coisa inegociável” -, enquanto Lula não teria “nenhuma pauta estruturante” e seu governo estaria “indo cada vez mais para a direita”.

Todo esse malabarismo que Jones Manoel faz mostra apenas a sua incapacidade de analisar o governo Lula e os governos de países atrasados sob a luz do marxismo. Para o marxismo, a questão fundamental nunca será o que um presidente pensa ou deixa de pensar, que projeto tem ou deixa de ter. O que interessa é como a luta de classes se desenvolve naqueles países.

Em todo país atrasado, há uma burguesia semi-opressora e semi-oprimida. Uma burguesia que oprime os trabalhadores e que é oprimida pelo imperialismo. Um governo popular, apoiado na mobilização das massas, com características anti-imperialistas, é a expressão do que se chama nacionalismo burguês. A teoria do nacionalismo burguês é tudo o que importa, do ponto de vista do marxismo, para a análise desses governos. A teoria acadêmica de Jones Manoel não permite uma compreensão clara da realidade.

Levando em consideração a teoria do nacionalismo burguês, o governo Lula é, sem dúvidas, parte do mesmo fenômeno que Cárdenas, Chávez, Perón, Vargas e Jango. É um governo que ora capitula vergonhosamente diante do imperialismo, como nas posições recentes do presidente Lula em relação ao Hamas, ora se choca com ele, como nas posições apresentadas pelo governo em relação à guerra da Ucrânia.

Até onde o governo cederá terreno para o imperialismo e até onde irá enfrentá-lo não é, por sua vez, um problema ideológico. Até porque, via de regra, nenhum líder nacionalista tem uma ideologia muito bem definida. A Petrobrás, um dos grandes feitos do último governo de Getúlio Vargas, só foi fundada por causa da enorme pressão popular sobre o governo. Assim como o governo de Chávez só se radicalizou após uma intervenção explosiva das massas.

Em todos os casos, fica claro que o caráter mais radical ou mais conciliador de um governo nacionalista burguês depende fundamentalmente de elementos que o seu governante não controla. Neste sentido, não há nada de intrínseco no governo Lula que o torne mais moderado ou no governo Cárdenas que o torne mais radical.

A solução de Jones Manoel para apartar o governo Lula dos demais foi a de classificá-lo como um mero “gestor”. Em outras palavras, como um presidente do grande capital. Como alguém cujo interesse não seria o de pôr freios na política do imperialismo, mas simplesmente administrá-la.

Mas se é assim, qual seria a diferença do governo Lula para Emmanuel Macron? Em que sentido ele seria “progressista”, já que é um mero administrador do grande capital? Segundo Jones Manoel, não teria diferença. E se é assim, para o youtuber, diante de uma ofensiva da direita, não haveria por que impedir que o governo fosse derrubado. Afinal, não passaria de um “gestor” como qualquer outro.

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