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Coluna

A liberdade de expressão na democracia liberal

"O capitalismo, sobre o qual se assenta o estado constitucional, é uma máquina de moer nossa própria humanidade"

Tal como fora concebida no Estado burguês, permeada predominantemente por teorias morais, as chamadas liberdades civis, ou liberdades públicas, travestem-se de direitos fundamentais na ordem constitucional. Escrevi um resumo muito resumido no artigo de quinta passada que você pode ler aqui.

Na teoria constitucional, tais liberdades constituem uma carta, de natureza declaratória, o que pressupõe a preexistência destes direitos, os quais decorrem da própria condição humana. A carta dos direitos fundamentais, neste sentido, constituem um conjunto de limitações ao poder do Estado.

A liberdade de expressão, a qual esta coluna destaca, é a primeira a ser atacada quando a manutenção do poder da burguesia sofre qualquer ameaça. Isso ocorre por uma razão muito simples: é a consciência de classe que pode elidir a ordem burguesa.

O sistema de vigilância em tempos de normalidade

Denomina-se assim o estado da legalidade quando aparentemente nada esta ameaçando a estabilidade do estado burguês. Na legalidade constitucional, o estado não está autorizado a restringir as liberdades públicas, especialmente as liberdades de expressão e comunicação, as quais constituem a essência da democracia liberal. A liberdade pressupõe discernimento, discernimento pressupõe conhecimento e conhecimento só pode ser construído por meio da comunicação. 

Isso quer dizer que não é legal, muito menos legitima, a luz deste sistema, que haja qualquer interferência previa nas formas de manifestação de pensamento. Esse postulado costuma ser respeitado em democracias liberais ditas mais avançadas, o que pressupõe a própria estabilidade do capitalismo. 

Estas liberdades públicas estão em constante colisão na vida de relação. Se por um lado pode-se manifestar opinião e pensamento livremente, por outro lado, pode-se atingir a honra, privacidade e a imagem de alguém. E possível conceber, neste sistema, que o fofoqueiro ou algum alucinado possa causar um grande sofrimento para alguém. E aí entra a polícia do sistema constitucional burguês: o Poder Judiciário, como guardião das liberdades públicas, pode, se provado o dano e o nexo de causalidade, impor uma sanção aquele que, ao manifestar seu pensamento ou opinião, causou um dano a outrem. 

Sistemas ideais são sempre quase sempre perfeitos, há respostas para tudo, e tudo parece funcionar com uma grande engrenagem, não fosse pelo fato de que não passa de um ideia, de uma ilusão, de um devaneio, ainda que com a melhor das intenções. 

A realidade é material e extremamente complexa. E além de não ser fácil, ainda é muito difícil, para citar um meme e descontrair.

A dura realidade

As formulações jurídicas no estado burguês são fundadas em um homem imaginário, concebido em abstrato e de modo individualizado. Já que vivemos em sociedade, essa fórmula tende a falhar miseravelmente praticamente em todas as vezes em que é aplicada. As relações sociais não se dão neste mundo ideal, mas constituem uma realidade dura de dominação de uma classe sobre a outra. O capitalismo é capaz de impor uma ditadura tão perversa, que a ilusão das formulações jurídicas burguesas pode alimentar uma falsa esperança por gerações.

Enquanto o capitalismo vai bem, tudo vai bem. Mas quando ele entra em crise, a ilusão da justiça e do Direito com instrumento de promoção da democracia são os primeiros a ruir. Em tempos de crise, essas brilhantes formulações teóricas não são capazes de intimidar seus operadores. Os mecanismos de proteção dos direitos fundamentais são subvertidos em armas fatais contra seus próprios titulares, os valores humanos têm seu conteúdo esvaziado, o ódio e o medo são facilmente inculcados aos que tem menos consciência. A burguesia precisa reprimir as liberdades para restaurar a ordem e retomar o progresso. 

O fascismo é uma democracia liberal tomada pelo medo e pela cólera.

O caso do Bruno Altman recentemente é emblemático, mas há inúmeros professores e intelectuais perseguidos, demitidos de seus postos de trabalho, assediados de todos os lados em razão de terem manifestado suas opiniões sobre Israel e a Palestina. 

Até chegarmos aqui, passamos pelo Covid-19 e pela guerra da Ucrânia. Toda liberdade de expressão que fosse usada contra o que o estado burguês determinou como verdade foi brutalmente reprimido por este sistema de proteção das liberdades em nome de um “bem jurídico de maior valor”. Não importa de que lado venha, se da direita ou da esquerda, o estado burguês reprime violentamente qualquer ameaça à sua estabilidade. 

A tese do STF segundo a qual as empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente por fala de entrevistado, tal qual uma lei feita pelo parlamento, tem conteúdo normativo abstrato e efeito vinculante. Mesmo que claramente inconstitucional, uma vez que a previsão do artigo 220 da Carta brasileira é clara ao afirmar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observando-se o disposto em seu artigo 5º, que garante o atendimento dos direitos fundamentais individuais e coletivos”, a medida do STF terá seus efeitos nefastos preservados. 

Aqueles que estão atentos e vigilantes, aqueles que estão em permanente luta e trabalham incessantemente para derrubar o estado burguês estão na mira da polícia judiciária que quer lhes cortar as mãos e pés e calar-lhes a voz.

Estado, comunicação, linguagem e consciência

O Direito Constitucional é fundado no discurso e na argumentação. Como toda produção linguística, é atravessado por uma produção ideológica. Não há como separar, portanto, o discurso nem a linguagem da ideologia que lhe é subjacente.

Nunca é, portanto, uma construção individual, mas sim coletiva, porque se trata de uma construção histórica que produz o sentido dos termos escolhidos para estruturar o discurso.

Assim, a linguagem do Direito, fundada em discursos morais, é imposta pela força dos aparelhos de repressão do estado burguês. Essa pretensa neutralidade ideológica é um discurso do liberalismo para impor sua própria ideologia, e cujo instrumento, o próprio Direito, permite que seu sentido seja preenchido e manipulado conforme o sabor do momento. A dimensão material que lhe foi atribuída no pós-guerra, só lhes deu uma nova roupagem para a mesma teoria moral, mas continua no campo do idealismo e da ideologia. O seu destinatário e titular não participa direta nem indiretamente do seu processo de elaboração, já que o seu representante parlamentar está sujeito ao interesse econômico que financia sua campanha eleitoral. 

Em dias de legalidade, o trabalhador ao menos pode fazer sua militância e lutar para q a classe operária tome consciência. Nesses dias, há alguma liberdade. Em um estado de exceção, a trabalhador sofre ainda mais, não bastasse o peso da exploração capitalista, suas liberdades lhe são tomadas a uma forca ainda mais violenta. O que estamos vendo é o agigantamento do arbítrio dos Poderes, um estado inconstitucional, cuja parte mais oprimida, ficará ainda mais oprimida. Essas instituições não são capazes de proteger direito algum, porque quando ameaçado, o estado burguês atua contra o próprio Direito que concebeu para legitimar sua constituição. Na crise, os aparelhos de repressão, chamados de Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, funcionam de modo arbitrário, à revelia do que fora pactuado pela própria classe dominante, e a opressão se torna insuportável.

O capitalismo, sobre o qual se assenta o estado constitucional, é uma máquina de moer nossa própria humanidade.

Tomemos consciência, pois, que somente nós mesmos podemos nos libertar do capitalismo e constituir um estado operário. Essa é a causa do PCO. É por ela que lutamos.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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