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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Há futuro para Gaza?

"A luta revolucionária contra o imperialismo e seus lacaios é possível em qualquer lugar do mundo, desde que se mobilize as massas"

Completados 2 meses de massacre em Gaza, a situação dos palestinos se transforma em uma catástrofe permanente, com o sinistro contador de mortes avançando cada vez mais tendo chegado a cerca de 18 mil palestinos e 49.500 feridos em ataques israelenses a Gaza desde 7 de outubro. As negociações sobre uma futura nova trégua foram abandonadas por ambas as partes, pois o Hamas só aceita ceder os reféns se houver o fim do massacre. A proposta foi furiosamente rejeitada por Benjamim Netanyahu, que afirmou que vai manter a guerra até destruir o Hamas totalmente. 

As opções de Israel

As opções planejadas por Israel para destruir o Hamas envolvem inundar os túneis de Gaza com água do mar, usando bombas instaladas na fronteira com Gaza, já que a invasão por tropas terrestres está se mostrando inviável. No entanto, os túneis são estruturados e longos, não se sabendo ao certo quantos quilômetros eles têm. Além disso, os túneis passam por baixo de áreas civis, o que dificulta os ataques aéreos de Israel. Por outro lado, é provável que Israel desconheça em grande parte os túneis do Hamas, e que a intrincada rede subterrânea continue sendo uma ameaça permanente. Desde o início do massacre de palestinos, os Estados Unidos já entregaram a Israel pelo menos 100 bombas BLU-109, especialmente projetadas para destruir casamatas subterrâneas. Isso significa um grande aprofundamento da assistência militar a Israel, o que torna os Estados Unidos cúmplices das atrocidades cometidas pelos sionistas em Gaza. Eles as consideram essenciais para chegar aos túneis subterrâneos do Hamas e de outras brigadas da resistência palestina. 

Os tuneis de gaza são possivelmente menos guarnecidos do que os do agrupamento libanês Hezbollah, mas o exército israelense até agora não conseguiu destruí-los. A rede palestina pode ser menos resistente por causa do bloqueio israelense à Faixa de Gaza, que bloqueou a chegada de materiais de construção mais resistente, bem como por causa do solo úmido, devido à sua proximidade com o mar. 

As opções de armamento para destruir os tuneis passaram pela bomba GBU-28, que já é uma bomba muito maior, pesando mais de 2.000 quilos, e só é autorizada para ser usadas pelos próprios Estados Unidos, Israel e Coreia do Sul. Os EUA acham que, no entanto, para confrontar esse tipo de posição subterrânea, Israel teria de lançar as gigantescas bombas de penetração GBU-57, que pesam 15 mil quilos. O problema é que, devido ao seu peso, elas só podem ser transportadas por bombardeiros nucleares. Outra opção seriam as várias variantes da bomba nuclear tática B61, que pode implantar ogivas de 350 quilotons, mais de vinte vezes mais fortes do que as utilizadas em Hiroshima, e que também são adequadas para inviabilizar a manutenção de tropas protegidas em túneis profundos.

Destruídos os tuneis e a maior parte da força militar do Hamas, poderia se imaginar que haveria possibilidade de uma solução pacífica para a convivência entre Israel e os palestinos, na hipótese dos dois Estados. O primeiro-ministro israelense já afirmou, no entanto, que não admite nenhuma independência dos palestinos no pós-guerra, devendo o governo de Gaza ser entregue a Autoridade Palestina, sob total supervisão de Israel.

Os planos de limpeza étnica

Estes impasses de solução militar efetiva contra o Hamas tem levado a surgir especulações de que Israel pretende realizar uma limpeza étnica total de Gaza, expulsando milhões de palestinos para os territórios de países vizinhos. Em 28 de outubro, a revista israelense Mekomit publicou um texto classificado, emitido pelo Ministério da Inteligência israelense, que sugere a ocupação de Gaza e o deslocamento de seus 2,3 milhões de habitantes para a Península do Sinai. O documento aconselha que Israel crie cidades constituída por tendas para alocar os palestinos expulsos e crie uma área de segurança cercada que se estenda por vários quilômetros dentro do Egito, ou seja, uma nova Gaza.

Em função disso, recentemente, o Egito alertou Israel e os EUA de que, se os palestinos forem deslocados à força para o deserto do Sinai como resultado da campanha de limpeza étnica de Gaza por Israel, isso levará à ruptura das relações diplomáticas, econômicas e políticas entre Cairo e Tel Aviv.

O governo egípcio, incluindo o serviço militar e de inteligência, teriam dito a seus correspondentes do exército israelense e do Shin Bet que estavam “fortemente preocupados” com as ameaças para o Egito trazidas pela operação militar no sul de Gaza. O presidente egípcio, Abdel Fattah El-Sisi já se colocou totalmente contra a expulsão de palestinos de suas terras para o Sinai. O presidente egípcio argumenta que “deslocar palestinos da Faixa de Gaza para o Sinai significa transferir o conflito e os assassinatos de Gaza para o Sinai, onde o Sinai se torna uma base para lançar operações contra Israel”. “Neste caso, Israel terá o direito de se defender, por isso dirige seus ataques contra o território egípcio.” 

No início de dezembro voltaram as notícias sobre esses planos de limpeza étnica. Agora se anuncia que este é um plano conjunto de Israel e EUA . De acordo com o plano, os palestinos serão “realocados” para o Egipto, Iraque, Turquia e Iêmen. Esta limpeza étnica em grande escala é cinicamente apresentada como um plano de ajuda “moral e humanitária”.

Num recente editorial no Wall Street Journal, dois membros israelitas do Knesset, parlamento israelense, pediram aos países ocidentais para que acolhessem refugiados palestinianos. A Ministra da Inteligência, Gila Gamliel, escreveu um artigo semelhante no Jerusalem Post propondo o “reassentamento voluntário” dos palestinos em Gaza para outros países ao redor do mundo. O Ministro da Agricultura, Avi Dichter, não hesita em descrever o fim da guerra atual como uma nova ‘Nakba’ – a deportação em massa de palestinos da Palestina após a fundação do Estado Judeu em 1948.

Nesta nova alternativa, o Egito não seria o único país a receber os palestinos. A distribuição por país alocaria um milhão de palestinos no Egito, meio milhão na Turquia, 250 mil no Iraque e outros 250 mil no Iêmen. O plano afirma que este apoio que estes países recebem dos EUA estará condicionado à aceitação em acolher os habitantes de Gaza. Isso significa que estes quatro países estão sendo submetidos a séria pressão financeira e também diplomática para “receberem” os habitantes de Gaza.

O país chave é o Egito, que precisa abrir as suas fronteiras. Joe Wilson, ex-deputado republicano e um dos idealizadores deste plano, explicita o que está se planejando fazer. Segundo ele, “a única forma moral [de resolver o problema de Gaza] é o Egito abrir as suas fronteiras”. “Não seria a primeira vez que outros países aceitariam refugiados”, dizia o plano. Os autores referem-se aos seis milhões de ucranianos que fugiram do país para a Polônia, Alemanha e República Checa, entre outros. Quase cinco milhões de sírios também “se mudaram” para a Turquia, o Líbano e a Jordânia, enquanto outros países do Médio Oriente e da Europa acolheram centenas de milhares de sírios.

O plano também atinge fortemente a UNRWA, a agência da ONU para os refugiados que se concentra na ajuda e assistência dos refugiados palestinos no Médio Oriente. Os israelenses acusam a agência de “divulgar a perspectiva dos refugiados” e de “atrasar a reabilitação dos refugiados palestinos durante mais de setenta anos e, de facto, aprofundar a crise dos refugiados”. É por isso que eles querem simplesmente fechar a agência.

A ação do imperialismo

O imperialismo, ao contrário do que certas iniciativas do governo Biden parecem indicar, está coeso e mirando um grande desastre humanitário como “solução” do problema palestino. Esta é uma estratégia que não se limita apenas à questão palestina. O imperialismo enfrenta uma das suas maiores crises e o início de um período histórico de declínio. Sua reação é, incapaz de poder de alguma forma controlar as massas, reagir com violência e brutalidade contra os trabalhadores e o povo em todos os lugares do mundo. Seu projeto é de transformar em faixas de Gaza todas as populações oprimidas e exploradas do mundo. Caso haja reação responder com a violência repressiva, sacrificando cada vez mais as liberdades democráticas em todos os países do mudo, bem como seu direito à vida e ao que se chamou em outra época de “bem-estar social”. No Brasil as agressões à liberdade de expressão se aprofundam e não é à toa que se deem contra aos protestos contra o massacre em Gaza. Cresce cada vez mais o movimento internacional de repulsa à carnificina promovida pelo Estado de Israel, com a repetição regular de manifestações massivas de solidariedade à Palestina. Cada vez mais esse movimento atinge as classes trabalhadoras e se torna um movimento anti-imperialista. No próprio EUA, o sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva, núcleo essencial da classe operária, acaba de se integrar ao movimento cessar-fogo já. 

A resistência palestina também tem dado mostras de estar coesa em seu objetivo de derrotar Israel e seu estado fascista e de apartheid. No terreno militar, o exército israelense registrou pelo menos 5.000 feridos entre suas fileiras, incluindo 2.000 soldados que ficaram “incapacitados” durante a campanha de limpeza étnica de dois meses em Gaza. “Israel nunca testemunhou um evento como este antes em termos de número de feridos”, disse o chefe do Departamento de Reabilitação do Ministério da Defesa israelense, Limor Luria, ao jornal hebraico Yedioth Ahronoth em 9 de dezembro. Ele acrescentou que “58% dos soldados têm ferimentos nos membros, pois foram submetidos à amputação de uma perna ou braço”.

O exército israelense afirma que apenas 91 soldados foram mortos pela resistência palestina em Gaza desde o início da guerra em 7 de outubro, lançando dúvidas sobre se o número real de mortos está sendo mantido em segredo, já que as Brigadas Al-Qassam documentaram a destruição diária de veículos militares e esquadrões israelenses nos últimos dois meses.

Em uma entrevista no mês passado, o diretor do Cemitério Militar de Mount Herzl, David Oren Baruch, revelou que, na época, um soldado israelense estava sendo enterrado a cada uma hora ou uma hora e meia. O exército israelense enfrenta atualmente uma batalha feroz na cidade de Khan Younis, no sul do país. De acordo com Yaniv Kubovits, correspondente de assuntos militares do Haaretz, comandantes do exército israelense relataram que há quatro batalhões do Hamas no local “cuja capacidade de lançar ataques contra o exército não foi afetada”. Batalhas também estão ocorrendo no norte de Gaza, onde o exército israelense afirmou ter conquistado o controle no mês passado. Ataques com foguetes também continuam a ser lançados contra assentamentos perto da região que cerca Gaza, tornando cada vez mais inverossímil o objetivo declarado de Tel Aviv de “erradicar o Hamas”.

A importância universal da luta palestina

Osama Hamdan, membro do bureau político do Hamas e representante no Líbano, disse que os combatentes da resistência palestina estão envolvidos em intensos combates com as tropas israelenses em toda a Faixa de Gaza. Também garante que o governo israelense não se beneficiará do ataque em curso. “Netanyahu e seu gabinete nazista falharam em alcançar seus objetivos políticos e militares e não os alcançarão no futuro”, disse Hamdan durante uma entrevista coletiva no dia 9 de dezembro em Beirute. “A entidade sionista usou todos os métodos: assassinato, destruição, fome e extermínio sistemático contra nosso povo na Faixa de Gaza, com apoio americano-ocidental.” 

“A capitulação e a derrota não existem no léxico do nosso povo”, sublinhou. O regime de Telavive tenta fazer crer numa vitória imaginária através do anúncio de Netanyahu de que as forças israelitas cercaram a casa de Yahya Sinwar, o principal líder do Hamas em Gaza, acrescentando que o edifício já foi bombardeado e demolido. Hamdan disse que o número real de soldados israelenses mortos e feridos em Gaza é muito maior do que os números anunciados pelas autoridades sionistas. Ele se dirigiu às famílias dos israelenses capturados em Gaza para dizer: “A agressão militar em curso contra nosso povo não trará de volta seus filhos”.

“Eles não voltarão se os ataques terrestres e aéreos não pararem”, disse ele. “Enquanto a Faixa de Gaza precisa de 600 caminhões de ajuda por dia, apenas cerca de 100 caminhões humanitários chegam lá diariamente.” Hamdan argumentou que as áreas no norte de Gaza estão recebendo apenas uma fração do que foi permitido na Faixa e criticou a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio) e o Crescente Vermelho Palestino por não cumprirem suas obrigações.

Em seguida, ele contou que os combatentes da resistência conseguiram destruir ou danificar pelo menos 79 veículos blindados israelenses na Cidade de Gaza nas últimas 72 horas. Hamdan também lembrou que a resistência palestina está preparada para qualquer cenário, declarando que se oporá firmemente aos planos israelenses de deslocar à força a população palestina da região. No dia seguinte, as Brigadas Ezzeddin Al Qassam anunciaram em um comunicado à imprensa que haviam frustrado uma operação de comandos do exército israelense destinada a resgatar um dos militares sionistas detidos em Gaza. A ala militar do Hamas disse que o refém israelense, Sahar Baruch, de 25 anos, com número de identificação 207775032, foi morto e que uma das armas e dispositivos de comunicação dos comandos israelenses foi confiscada. As tropas do exército israelense enfrentaram forte oposição dos palestinos. “Durante os confrontos, vários soldados israelenses foram mortos e vários outros ficaram feridos. Após o fracasso, as forças de ocupação israelenses bombardearam a área para que seus soldados pudessem escapar”, diz o comunicado.

Os palestinos travam batalhas dentro de uma estratégia de luta anti-imperialista que exige a confrontação ofensiva contra o inimigo. O grande alcance histórico da luta do povo palestino não se limita ao seu grande heroísmo, em sua obstinação em atingir o objetivo sem sofrer baixas por traição ou capitulação. Ainda que tudo isso já represente um grande exemplo de luta popular, a insurreição armada palestina é fundamental porque mostra seu caráter universal. O fato dos combatentes palestinos conseguirem se manter como um destacamento de combate em uma área tão restrita, de características urbanas e com topografia não adequada para uma aguerrida guerra de guerrilhas é um fato inusitado no quadro das guerras revolucionárias. E o fazem sob cerco total exercido pelas forças armadas “mais eficazes do mundo” e mundialmente reconhecidas por sua especialidade em espionagem e “inteligência”. Isso significa que a luta revolucionária contra o imperialismo e seus lacaios é possível em qualquer lugar do mundo, desde que se mobilize as massas e, se apoiando nelas, desencadeie uma insurreição armada, mantendo sempre a iniciativa.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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