No dia 13 de setembro, fez um ano da morte de Jean-Luc Godard; nascido em 3 de dezembro de 1930, o cineasta veio a falecer, com 91 anos de idade, no dia 13 de setembro de 2022. Para quem acompanha a história do cinema e admira sua arte, a referência a Godard é indispensável; seu nome está associado ao cinema mundial e, em especial, ao cinema francês e a nouvelle vague; Godard é, ainda, respeitado pelos comunistas, afinal, concordando-se ou não com suas concepções políticas, as discussões nunca são banais e a realização cinematográfica é sempre fantástica.
Entre 1960 e 2018, Godard dirigiu por volta de 64 filmes, sendo impossível comentar todos… eu assisti a menos da metade deles, não me lembro de tudo… dentre muitos, “Tudo vai bem”, de 1972, com Jane Fonda e Yves Montand, está entre os filmes inesquecíveis. Na trama, Godard retoma um dos temas marcantes de sua obra, isto é, a discussão da relação conjugal entre homem e mulher, presente desde “Acossado”, o primeiro filme, feito em 1960, com Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo; em “Tudo vai bem”, o casal pequeno-burguês se envolve em uma greve e, detidos na fábrica, ganham consciência tanto dos respectivos papeis políticos quanto das questões próprias do proletariado, quer dizer, a luta socialista, outro tópico recorrente em Godard. Dessa maneira, por tratar de dois temas caros ao cineasta, escolheu-se “Tudo vai bem” para rememorar seu trabalho.
No filme, uma radialista americana e seu marido, um diretor de televisão, ex-diretor de cinema, imersos na cobertura da greve de uma fábrica de salsichas, não conseguindo sair de lá, tornam-se companheiros entre si e dos operários. O casal, antes da convivência com o proletariado, está em crise; a radialista, porque ancora um programa de aconselhamentos fúteis e de pouco alcance, sente-se frívola, e o diretor de televisão, promissor diretor de cinema, por se ver reduzido a dirigir propagandas medíocres e rudimentares, frustra-se constantemente. O desgosto se desenvolve em tédio, cada qual se culpa pelos próprios fracassos, abrindo espaço para desequilíbrios na relação conjugal; uma vez na fábrica, a consciência política os livra da separação iminente… se não me falha a memória, “Tudo vai bem” é um dos poucos filmes de Godard, se não for o único, em que o casal não se separa, na maioria das vezes, violentamente.
Participando da greve, o casal, em vez da suposta imparcialidade esperada por parte da imprensa e ao contrário de assumir o ponto de vista burguês das telecomunicações, envolve-se com os manifestantes; em diversas cenas, ambos aparecem trabalhando na fábrica de salsichas nas diversas etapas da esteira de produção, colocando-se, metaforicamente, no lugar dos trabalhadores. Além disso, as entrevistas dos jornalistas não se resumem unicamente às questões ligadas ao movimento, eles tocam na vida pessoal dos operários, fazendo com que os dois repórteres redimensionem as próprias questões, inclusive, as conjugais.
Em síntese, ao experienciar os problemas dos trabalhadores, das questões íntimas aos conflitos com o sindicato, a imprensa e os patrões, o casal é capaz de compreender a mais-valia, portanto, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado; diante disso, eles se conscientizam de, pelo menos, duas condições: (1) o casal se dá conta de que, apesar de não venderem a força de trabalho física, feito os operários nas fábricas, eles vendem a força de trabalho intelectual, sendo, apesar das melhores condições financeiras, tão explorados como os operários, devendo, portanto, aproximarem-se deles na luta política; (2) os dois percebem, ainda, que o casamento, enquanto instituição social, dialoga com a política, portanto, com a infraestrutura econômica, tornando-se, dessa maneira, subordinado às crises do capitalismo, semelhantemente as demais organizações do estado. Ora, a partir de então, conscientes de os problemas conjugais não serem pessoais, mas políticos, ou seja, dando-se conta de eles não terem culpa dos desencontros, o casal se aproxima em uma das cenas mais emocionantes do filme, quando resolvem a crise conjugal, pacificamente, encontrando-se num dos cafés da cidade.
Jean-Luc Godard é, sem dúvida alguma, um dos maiores gênios do cinema, renovando constantemente sua linguagem, havendo combatido, sem descanso, a subcultura do imperialismo. Godard sempre respeitou o trabalhador, honrando sua luta contra a burguesia; nunca subestimou as mulheres em suas tramas, tendo em conta seu “Ave Maria”, de 1985, com o qual dignificou os papeis sociais femininos por meio da melhor versão cinematográfica sobre a Imaculada Concepção. Longe de desdenhar dos espectadores fazendo filmes banais, em suas tramas, habitualmente, tematiza-se a metalinguagem, discutindo-se no filme a semiótica cinematográfica; sua depreciação do cinema comercial é louvável, haja vista as cenas brilhantes de “Desprezo”, de1963, com Brigitte Bardot, Jack Palance, Michel Piccoli e Fritz Lang, no papel dele mesmo, outro cineasta de valor, o homem quem disse não a Goebbels, quando convidado pelo nazista a entrar para o ministério da propaganda. Dessa maneira, semelhantemente às personagens deste último filme, em especial, o diretor Fritz Lang, Godard contradisse não apenas os nazistas, mas o imperialismo, pai de todos os nazifascismos.