A primeira partida da Seleção Brasileira Feminina revela o que a maioria procura refutar, dados os comentários maldosos sobre o futebol brasileiro feitos pela mídia burguesa. Ary Borges, Debinha, Thamires e companhia limitada deram show na Nova Zelândia, no melhor estilo Ronaldinho ou Neymar, vencendo o Panamá com baile ainda não visto neste torneio, e colocando o Brasil como sério contendor no certame.
Apesar de alguém poder dizer que a seleção panamenha é fraca, e que a goleada por 4×0 não ocorreu sob verdadeiro teste em nível técnico, a verdade é que outras seleções, submetidas a teste similar, fracassaram. Exemplos são a França, ao empatar com a Jamaica, ou a Noruega, ao perder para as donas da casa. Até agora, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Japão e Alemanha confirmaram seus favoritismos. Com baile, só o Brasil.
Isso leva a uma questão importante, quando se discute o futebol feminino. A precariedade das partidas segue uma tônica, com sonolentos 0x0 e 1×0, ou com goleadas absolutamente sem competitividade. A Copa mostra que ainda não comporta 32 seleções, forçando a entrada de nações como Panamá, África do Sul, Zâmbia e Filipinas, em que, possivelmente, as políticas quase proibitivas para a prática do futebol feminino impedem o amadurecimento do esporte. Poucos países no mundo criam as condições ideias para que a competitividade interna, cotidiana, das praças e certames deste esporte, floresça. O Brasil se aproxima disso, e apenas os países ricos têm estruturas e organizações consolidadas, geralmente ligadas ao esporte universitário.
Isso implica aspectos técnicos não apenas defasados, mas bisonhos, tais como gol de cabeça de fora da área, ou bola espalmada pela goleira para dentro da pequena área. Um investimento urgente deve acontecer no desenvolvimento desta posição, pois ela é fundamental para a geração de emoção, principalmente para o público desinteressado num dos times envolvidos (esses, claro, vibrarão com qualquer lance, como nós com o quarto gol, terceiro de Ary Gomes, em que a goleira panamenha aceitou um chute fraco no meio das pernas). Por vezes, também, a aplicação tática lembra futebol escolar, com todas as atletas correndo, ao mesmo tempo, em direção aonde está a bola.
Mas vamos às coisas boas…
Do meio pra frente o futebol feminino tem produzido jogadas muito bonitas. Ainda que ofuscadas pelo baixo rendimento das defesas, o jogo menos físico faz as jogadas se desenvolverem com toque de bola, ritmo e improviso dignos do futebol masculino dos anos 1950, que comumente é objeto de comentários saudosistas.
O terceiro gol do Brasil contra o Panamá, marcado por Bia Zaneratto, contou com jogada coletiva genial iniciada por dribles de Debinha, passando por um passe preciso, pelo alto e em profundidade, de Adriana, que chegou adocicada para Ary Gomes fazer o gol. Detentora do mais apurado senso artístico do futebol brasileiro, com a vitória já assegurada, Ary preferiu um toque de calcanhar para Bia, que fuzilou no ângulo. Golaço a la Carlos Alberto no quarto gol da final de 1970. Golaço pra meter medo nas próximas adversárias. Pra mostrar que Brasil é Brasil, não importa o gênero.
O futebol feminino vai crescer, na medida em que mais jogadas dessas encherem os olhos dos trabalhadores, que são os donos desse esporte. E as trabalhadoras, claro, são bem-vindas nesse meio, que é o principal esforço cultural da classe operária para superar a burguesia e o imperialismo, no jogo das quatro linhas, tal como os gregos criaram o esporte como alternativa às guerras. O futebol, como válvula de escape da luta de classes, enche o coração das pessoas. O futebol como ferramenta de discurso identitário, não. Cabe aos operários disputar o imaginário sobre o golaço da Bia. Afinal, essa arte pertence a nós.