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Fundações imperialistas

Minha experiência acadêmica com a Fundação Ford e a Fulbright

Neste artigo relato a minha experiência com a Fundação Ford

ford

Na virada do século XX para o século XXI, eu fui efetivado no cargo de professor junto ao Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP; uma das minhas primeiras orientandas de mestrado foi bolsista da Fundação Ford e, em seguida, da Fulbright. Naquela época, eu ainda não era militante do PCO, sequer era militante, contava apenas com minha alienação de professor universitário oriundo da pequena burguesia para me desorientar. Por isso mesmo, quase 20 anos depois – e espero, com alguma consciência de classe, enquanto um pequeno burguês proletarizado –, rever minhas atitudes e avaliar, do ponto de vista do imperialismo, minha experiência com as duas instituições de fomento citadas antes e o destino de minha orientanda, cujo nome eu protegerei, referindo-me a ela apenas com as letras AZ.

AZ atuou no movimento negro brasileiro e foi ativista de comunidades faveladas – AZ cresceu na favela –; ela me procurou com propostas de estudar, do ponto de vista da semiótica, os discursos do movimento negro e, porque ambos erámos formados em Letras, sugeri a AZ estudar a expressão do corpo negro na literatura negra feita no Brasil, concentrando-se na poesia brasileira contemporânea. AZ havia sido aprovada em um edital da Fundação Ford, restando, para sua efetivação, ser aprovada em curso de pós-graduação. AZ foi uma aluna fantástica, assídua e responsável, participou de congressos divulgando seu trabalho em publicações e seminários, devo a ela boa parte do que aprendi sobre literatura negra. Terminada a bolsa da Fundação Ford, AZ buscou por outra fundação para auxiliar suas pesquisas e foi aprovada em um edital da Fulbright. AZ terminou o mestrado com uma dissertação excelente e foi aprovada no concurso de doutorado, também sob minha orientação; essa tese, porém, ela não terminou no Brasil, mas nos Estados Unidos, país em que mora até hoje.

Nessa versão da história, trata-se de uma moça negra, ex-moradora de favela, cujo mérito levou a subir na vida, inclusive, a sair do país explorado em que nascera, galgando o cargo de professora universitária em uma das nações supostamente de primeiro mundo. Isso é verdade? Sim, tudo isso pode ser afirmado dela, entretanto, é necessário complexificar essas verdades diante dos fatos sociais em que a história de AZ está inserida. Cabe indagar por que a Fundação Ford ou a Fulbright não poderiam financiar tudo isso, com AZ morando ainda no Brasil, auxiliando sua preparação não para uma universidade estrangeira, mas brasileira. Talvez porque entre os interesses dessas fundações está, justamente, além da neutralização dos dirigentes de setores revolucionários, como são os movimentos sociais na favela e na periferia, roubar a inteligência brasileira em seus próprios proveitos, por suas vezes, coincidentes com os interesses do imperialismo.

Essa versão da história, bem menos romântica, individualista e meritocrática, precisa ser explicada melhor. Uma das práticas do imperialismo é a aniquilação das culturas dos países explorados, impedindo, com falcatruas, também o desenvolvimento dos conhecimentos universitários locais. Essas artimanhas são muitas, entre elas está o imperialismo cultural, com o qual universidades estrangeiras, principalmente as norte-americanas, sufocam os conhecimentos nacionais por meio da supervalorização de suas revistas acadêmicas, sua bibliografia, a exclusão de línguas como o português, por exemplo, dessas mesmas revistas e congressos internacionais etc.

Outra prática perversa dessas fundações é o financiamento de pesquisadores das nações exploradas com vistas a praticamente roubá-los de seus países de origem, empobrecendo ainda mais as culturas locais, especialmente, as culturas universitárias. Pode-se alegar que tais profissionais não encontram trabalho e nem financiamento suficiente nos países de origem, sim isso é verdade, mas também é verdade que esses desfalques são dados pelos próprios países imperialistas, sendo diretamente responsáveis pelas mazelas sociais que, covarde e disfarçadamente, pretendem sanar com seus editais, suas bolsas de estudo e ofertas de trabalho no exterior.

Além do mais, vale a pena lembrar que Henry Ford, o fundador de uma dessas organizações, foi nazista declarado, havendo, inclusive, fornecido tecnologia para a tração dos tanques de guerra do Terceiro Reich. Vale indagar, por tudo isso, se intelectuais dispostos muitas vezes a recusar determinados remédios, pois várias indústrias farmacêuticas da atualidade financiaram, no passado, campos de concentração, deveriam se sentir tão à vontade em aceitar dinheiro de ex-nazistas, mesmo que nascidos nos Estados Unidos.

Por fim, creio ser o papel de um professor universitário rever honestamente suas posições, sem permanecer escondido por trás de si mesmo ou de instituições de fomento, sejam elas brasileiras ou não, e assumir, sem meias palavras, suas posições políticas. De minha parte, nunca mais trabalhei nem trabalharei com tais organizações imperialistas, lamento muitíssimo se, quando pensava, segundo a conhecida expressão de Trotsky, feito um filisteu educado, contribui com o imperialismo e suas mazelas.

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