Seguindo o governo dos Estados Unidos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) concedeu à vacina Comirnaty – do consórcio Pfizer e BioNTech – a classificação de “uso emergencial”. Com isso, a vacina que custa 37 dólares por dose ganha facilidades em seus processos de comercialização e administração. Além disso, organizações como a UNICEF e a Organização Pan-Americana da Saúde ficam liberadas para usarem a vacina em seus programas assistenciais.
A vacina norte-americana é a primeira a ganhar tal classificação, o que chama atenção pela sincronia entre outro impulso político similar dado à Comirnaty pelo governo norte-americano em dezembro, quando concedeu à vacina a classificação de “Autorização para Uso Emergencial”, com efeitos similares ao da OMS no território dos EUA.
Estes eventos se desenvolvem na esteira de nova onda de ataques contra a vacina russa, Sputnik V, que ganharam ainda mais força após a decisão do governo boliviano de adquirir 5,2 milhões de doses da Sputnik V, em 30 de dezembro.
Tentáculos do imperialismo
Os ataques contra a vacina russa não começaram hoje. Desde agosto, quando foi anunciada, uma forte campanha contra a Sputnik V é desenvolvida, contando – naturalmente – com apoio da OMS.
À época, o porta-voz da organização imperialista, Tarik Jasarevic, chegou a declarar algo que vai na contramão da política vista agora, de facilitar a aprovação e distribuição de uma vacina. Naturalmente, agora, trata-se de uma vacina produzida em um país central do imperialismo.
“A pré-qualificação de qualquer vacina inclui a revisão e avaliação rigorosa de todos os dados de segurança e eficácia exigidos. Não se pode usar uma vacina ou medicamentos sem passar por todas essas etapas, tendo cumprido todas essas etapas”, disse.
Ciência sem luta de classes?
Claro que a guinada na política da OMS não é despropositada. Órgão da ONU, a agência dedicada à saúde é, acima de tudo, uma instituição dirigida aos negócios imperialistas no ramo, a exemplo de toda a burocracia estatal.
Sem surpresa, a posição manifestada pela OMS sobre a vacina russa aparece também nos órgãos de imprensa da burguesia. Destacando a “cautela”, a rede americana CNN produziu uma matéria destacando que “alguns cientistas pedem cautela, afirmando que os dados estão longe de serem conclusivos” (11/11/2020)
Recorrendo à figura famosa do “especialista”, a CNN traz mais ataques contra a vacina russa. É o caso de Peter Hotez, infectologista da Baylor College of Medicine, faculdade onde também desenvolve uma vacina para o coronavírus. À CNN, o especialista colocou em dúvida a solidez da eficácia da vacina produzida na Rússia.
“Intuitivamente, não faz sentido reivindicar 92% de proteção baseado apenas em 20 casos”, disse o infectologista, baseando-se no segundo estágio de testes da Sputnik V, ocorrido em setembro.
Contudo, na época da publicação da matéria, 11 de novembro, a vacina russa encontrava já no terceiro estágio de testes – iniciado em 4 de novembro – contando com 40 mil voluntários na Rússia e “dezenas de milhares ao redor do mundo”, segundo o diretor geral do centro médico israelense Hadassah Medical Center, Prof. Zeev Rotstein (“Hadassah bringing 1.5 million doses of Russian COVID-19 vaccine to Israel”, The Jerusalem Post, 5/11/2020).
“Negócios com a saúde”
Refletindo as posições imperialistas, a argentina Sandra Pitta, farmacêutica do Conicet – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – ganhou destaque na imprensa após criticar a opção do governo argentino pela vacina russa.
“Não me vacinaria jamais porque não tenho informação. Tudo o que gira em torno da Sputnik V é muito pouco transparente. Não há dados”, disse, repetindo as críticas feitas pelo imperialismo.
Nas redes sociais, o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, denunciou a pressão sofrida pelo governo de Luis Arce após a aquisição de 5,2 milhões de doses da Sputnik V.
“Denunciamos uma campanha político-midiática de grandes consórcios que fazem negócios com a Saúde contra a vacina Sputnik V, que Luis Arce decidiu comprar para combater o coronavírus”, disse.
“Negócios com a saúde” são na realidade, o único interesse por trás das campanhas de histeria pela vacinação promovidas pelo imperialismo… desde que com as vacinas certas, naturalmente.
Interesses bilionários
Somente no ano de 2011, as vendas de medicamentos realizadas com prescrição movimentaram à indústria farmacêutica mais de 951 bilhões de dólares. Sem nenhuma coincidência, a maior empresa do setor é justamente a Pfizer.
Com vendas acima de 51,75 bilhões de dólares em 2019, a empresa está entre os 60 maiores conglomerados capitalistas dos EUA. Além disso, a empresa lidera um grupo lobista que reúne 400 companhias americanas, a U.S. Global Leadership Coalition. Sua influência no governo norte-americano já foi tema de denúncias do WikiLeaks, que revelou o forte lobby da empresa contra um acordo de livre comércio com a Nova Zelândia que prejudicava os interesses dos capitalistas norte-americanos. Recentemente, em 2019, um ex-chefe da agência de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em inglês), Scott Gottlieb, deixou o cargo no governo Trump para assumir o corpo de diretores da Pfizer.
Obviamente, essa força política estende-se também à ONU, e consequentemente à OMS.
Os trabalhadores não devem acreditar na boa-fé da burguesia nesse momento, afinal, quem deixou a pandemia se espalhar, matando quase 2 milhões de pessoas, na sua esmagadora maioria trabalhadores?
Após deixar o coronavírus livre para infectar mais de 21 milhões e matar quase 360 mil pessoas em seu próprio país, de onde saiu a pressa do governo norte-americano para conseguir aprovar uma vacina? E por que a pressa na aprovação da vacina da Pfizer se combina com uma campanha dura e sistemática contra a que é produzida na Rússia?
Observar esses movimentos, com a estranheza que eles causam naturalmente – sabendo ainda que o senso crítico será alvo de campanha histérica – é um passo importante na educação política da classe trabalhadora, a principal vítima da pandemia e que ainda será alvo dos mais ardilosos ataques ataques da burguesia, enquanto o capitalismo estiver em pé.