Repetindo o que ocorreu em 2016, quando Bernie Sanders desistiu de ser o candidato do Partido Democrata à presidência dos EUA, favorecendo a candidatura preferida de Wall Street, Hillary Clinton, no dia 08 de abril deste ano o mesmo Sanders cedeu lugar a Joe Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama.
A situação parece a mesma, mas agora é muito mais trágica, pois estamos apenas no início da maior crise da história do capitalismo, agravada pela pandemia global do coronavírus. Ou seja, se o capitalismo já agonizava sem a pandemia, imaginem com ela, quando todos os sistemas de saúde dos países capitalistas entram em colapso, não poupando nem mesmo o país mais rico do mundo, os Estados Unidos da América.
O que vemos hoje é uma crise global de dimensões catastróficas, e que expõe de forma violenta, dia após dia, a estupidez que é manter esse modo de produção capitalista vivo, mesmo que como um morto-vivo.
Nesse contexto, quando a classe trabalhadora norte-americana – e mundial! – vislumbra os mais terríveis dias, um candidato a presidente que colocasse em prática políticas sociais de proteção, que criasse pra valer um sistema público de saúde universal – os milhões de desempregados nos EUA das últimas semanas ficarão, na sua maioria, sem saúde alguma – em meio à pandemia, teria grandes chances de ganhar a eleição ou de pelo menos mobilizar os explorados norte-americanos para as lutas do próximo período.
A pandemia do coronavírus, agravando o colapso econômico, criou uma situação de grande imprevisibilidade para as eleições norte-americanas deste ano e, mesmo que fosse matematicamente impossível – como disse Sanders no momento da renúncia – vencer as eleições, isso não justifica que se dê o aval para um candidato pró-imperialista como é Joe Biden.
A mesma derrota vemos no outro lado do oceano Atlântico. Jeremy Corbyn, outro autodeclarado socialista democrático – social-democrata, na verdade – perdeu a liderança do Partido Trabalhista britânico para o direitista Keir Starmer no dia 04 de abril.
Antes disso, no fim de 2019, os trabalhistas tiveram uma das maiores derrotas eleitorais de sua história, chegando inclusive a perder para os conservadores de Boris Johnson em locais que sempre apoiaram os trabalhistas.
Tanto as duas renúncias de Sanders como a política de Corbyn do ano passado revelam a mesma coisa: o fracasso da esquerda reformista.
A grande característica desse tipo de esquerda, que pode ser chamada também de social-democrata, é não ser verdadeiramente revolucionária. Parece óbvio mencionar isso, mas é exatamente esse o ponto principal: por não serem revolucionários, esses reformistas acabam sendo derrotados quando a crise se torna mais aguda, que é justamente quando a luta de classes fica mais acirrada e o ódio ao regime vigente se torna cada vez mais presente nas suas bases. É nesse momento em que aumenta a distância entre a liderança reformista – que se direciona para a direita – e a sua base – que vai para a esquerda – que ocorrem as grandes derrotas da esquerda reformista.
Os exemplos recentes não são poucos…
Em 2016, a desistência de Sanders para ajudar a candidatura com supostamente maiores chances de derrotar Trump, a de Hillary Clinton, acabou não dando resultado. Muitos eleitores de Sanders acabaram votando em Trump porque identificavam Clinton com Wall Street, enquanto Trump parecia um candidato fora do sistema. O verdadeiro disso tudo é que Hillary Clinton de fato era a candidata da parcela mais poderosa da burguesia mais poderosa do planeta, mas isso não coloca Trump como seu autêntico opositor.
Em 2020, quando o povo norte-americano já percebe cada vez mais que Trump nunca foi nem será alguém em quem possam confiar, Sanders acaba ajudando Joe Biden. Não é possível dizer se Biden será derrotado por Trump, mas tem aumentando o número de eleitores de Sanders que começam a dizer: “Biden nunca”.
Essa reação de eleitores que votariam em Bernie Sanders migrarem para Trump pode parecer estranha, mas é exatamente esse o recado que Bernie Sanders está dando. Ora, se o candidato da esquerda dá aval para políticas de direita, nada mais lógico que votar diretamente na direita que assume que é de direita.
Foi isso o que levou Jeremy Corbyn e o Partido Trabalhista à escandalosa derrota nas eleições do fim do ano passado. Foi o resultado de apoiar a posição da direita anti-Brexit e abandonar a política de defesa intransigente dos trabalhadores, o que acabaria levando provavelmente a uma saída da União Européia de uma forma diferente da que foi conduzida pela extrema-direita de Boris Johnson. A base de Corbyn era pró-Brexit e ele se afastou dela. Outro fato que evidencia essa tentativa de agradar uma parte da burguesia é a recusa de Corbyn em ir contra a tese sionista e abraçada pela esquerda reformista de que quem defende a Palestina e é contra o genocídio cometido pelo Estado de Israel é antissemita. Corbyn não teve a coragem de nem mesmo se defender de verdade e acabou carregando o adjetivo de antissemita até hoje.
Seguindo a mesma linha de querer ser aceito pela direita, Bernie Sanders tratou do assassinato do general iraniano Soleimani pelos EUA como algo que apenas elevaria as tensões no Oriente Médio e não como o que é: um ato de terrorismo típico do imperialismo norte-americano.
No Brasil, temos a decisão do PT de abandonar a candidatura Lula e lançar Fernando Haddad em 2018. Isso significou a aceitação do processo eleitoral fraudulento, e ainda lançando um candidato da ala direita do PT. A alta popularidade de Lula mostra o quanto a narrativa golpista de que Lula era um criminoso não foi aceita pelas massas como a burguesia esperava. Sua candidatura tinha imenso potencial de levar a uma mobilização imensa contra o golpe do Estado, mesmo que não tivesse ganho as eleições. Se tivesse ganho, muita coisa poderia ocorrer: sob forte pressão popular, os processos poderiam ter sido anulados e ele tomaria posse. Mas isso é apenas suposição. O certo é que se Bolsonaro tomou posse sem popularidade, imaginem com Lula candidato até o fim: Bolsonaro, que já está por um fio nos dias hoje, provavelmente já teria sido derrubado. Isso mostra que apostar na candidatura de Lula até o fim teria tido um efeito prático, e que seria sentido hoje.
A conclusão é que a política da esquerda reformista pode até aparentar ser mais realista, mas, devido ao avanço da crise do capitalismo, acaba sempre levando a derrotas cada vez maiores.