No dia 31 de março, a versão brasileira do portal World Socialist Web Site, organização norte-americana autodeclarada trotskista, publicou o artigo A crise na Turquia e a luta pela direção revolucionária. O texto, por sua vez, é a tradução do inglês de um artigo elaborado pela versão turca do portal, intitulada Sosyalist Eşitlik Grubu.
Logo de início, o artigo diz a que veio. Seu objetivo é apresentar as recentes manifestações ocorridas na Turquia, país cujo território está situado parcialmente na Europa e parcialmente na Ásia, como uma crise revolucionária:
“A Turquia tem sido sacudida por protestos em massa envolvendo milhões de pessoas desde 19 de março. Esse movimento, que foi desencadeado pela prisão de Ekrem İmamoğlu, prefeito de Istambul e candidato à presidência pelo Partido Republicano do Povo (CHP), de orientação kemalista, pelo governo islâmico do presidente Recep Tayyip Erdoğan, levanta questões políticas críticas decorrentes da profunda crise do sistema capitalista na Turquia e no mundo.”
Dizer, em primeiro lugar, que os protestos na Turquia envolvem milhões de pessoas é uma falsificação. Vejamos como a emissora catariana Al Jazeera narra a mobilização naquele período:
“Os protestos ocorreram na quinta-feira na Prefeitura de Istambul, onde pequenos grupos de manifestantes se enfrentaram com a polícia enquanto tentavam se aproximar da Praça Taksim, cercada na cidade – local de grandes manifestações em 2013.”
Até mesmo aquele apontado como líder das manifestações, o opositor Ozgur Ozel, que também é presidente do partido de Imamoglu, o Partido Republicano do Povo (CHP), afirmou que “somos 300 mil pessoas”, Ainda que seja um exagero, está longe de ser uma mobilização de “milhões de pessoas”.
A discussão numérica não é a mais importante. Mas ela já mostra, desde o início, o interesse do WSWS em distorcer a realidade em favor das mobilizações.
A segunda coisa que chama a atenção é que o texto apresenta Ekrem Imamoglu simplesmente como o “prefeito de Istambul” e como alguém de “orientação kemalista”. Isso, no entanto, não explica absolutamente nada sobre porque ele foi preso, nem porque há uma mobilização em sua defesa.
Caracterizar um político como “kemalista” é o mesmo que considerá-lo herdeiro de Mustafa Kemal Atatürk, o fundador da República da Turquia. Seria, portanto, o mesmo que considerar o político em questão um nacionalista, alguém que defende um programa voltado para o desenvolvimento econômico turco. Será mesmo que isso responde quem é Imamoglu e por que ele foi preso?
Na imprensa estrangeira – isto é, fora da Turquia -, há poucas informações sobre Imamoglu. No entanto, já chama a atenção que a imprensa imperialista omite as suas posições políticas sobre assuntos concretos e procura o apresentar como alguém comprometido com a “democracia”. Esta é a típica campanha do imperialismo para promover os seus fantoches: omitir as posições econômicas impopulares e as posições militares criminosas e apresentar seus candidatos como pessoas cuja maior preocupação seria com o respeito a um regime supostamente democrático.
Vejamos o que diz o jornal imperialista alemão Deutsche Welle:
“Um dos políticos mais populares da Turquia, Ekrem Imamoglu se apresenta como alguém descontraído, eloquente e contemporâneo: ele sempre soube como dialogar com diferentes grupos sociais, busca incluir todos na política e prefere um estilo político mais inclusivo, que não discrimine nem ofenda.
Sua postura pode também ser vista como uma reação ao estilo do atual governo turco. Na política do país, é bastante comum o uso de um discurso paternalista e insultuoso de “nós contra eles” contra os adversários políticos.”
Se Imamoglu fosse um nacionalista cuja prisão desencadeasse um processo revolucionário, será mesmo que o imperialismo o veria com tanta simpatia?
O mesmo cuidado em esconder as posições de Imamoglu não há em relação ao presidente de seu partido, Ozgur Ozel. Em entrevista à emissora norte-americana CNN, Ozel afirmou que apoia “a integração do nosso país com o Ocidente e uma aliança forte com a OTAN”. Orzel ainda apontou o governo turco como o responsável por impedir uma aliança mais estreita com o “Ocidente”:
“Tudo o que está acontecendo cria obstáculos a isso e empurra a Turquia para um caminho ilegal.”
Ele também afirmou:
“Nossas relações com os EUA, com a União Europeia e com outros países democráticos devem prosseguir por meio de um diálogo aberto.”
Em entrevista posterior, desta vez à britânica BBC, Ozel reclama que o governo trabalhista de Keir Starmer “nos deixou sozinhos”.
As declarações de Ozel não deixar margem para dúvidas. O CHP hoje cumpre um papel semelhante ao que cumpre Vladimir Zelensqui na Ucrânia ou ao que cumpre Edmundo González na Venezuela. É um lacaio do imperialismo e de suas organizações, como a OTAN. Dizem abertamente: dependemos de vocês – forças imperialistas – para conquistar os nossos objetivos.
Essa caracterização, propositalmente omitida pelo WSWS, é a mais importante para analisar as manifestações na Turquia. Isto é, a de que se trata de uma mobilização impulsionada e dirigida pela classe social mais contrarrevolucionária do planeta. Não é uma mobilização “kemalista”, nem a defesa abstrata dos direitos políticos do prefeito de Istambul. É uma mobilização do imperialismo em defesa de seus próprios interesses em um dos países mais importantes do mundo.
Nas próximas edições, entraremos em detalhe sobre as demais considerações do WSWS sobre a situação turca.