A cerimônia de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA teve a presença, com destaque, dos bilionários mais importantes do país, mostrando que se trata de um governo do grande capital e não antissistema como ele apregoa. Ele é o mais genuíno representante do capitalismo imperialista agressivo, pronto a implementar uma agenda de ataques brutais à classe trabalhadora no país e no estrangeiro, e a fazer retroceder todos os direitos democráticos que puder.
Seu discurso foi, desde o início, uma declaração de guerra aos trabalhadores e aos pobres, especialmente contra a população imigrante, que está sendo deportada sob tortura e com algemas e correntes em todo o corpo. Ele anunciou o que deve ser o governo dos ricos, prometendo colocar todos os recursos do Estado ao serviço dos grandes monopólios, isentando-os totalmente de impostos para que eles continuem a acumular capital em escala ampliada. A tudo isto seguiu-se a cena mais chocante da noite: Elon Musk fez a saudação nazista em três ocasiões.
Trump tinha uma mesa montada no palco do Capital One Arena para assinar as suas primeiras ordens executivas, que inaugurariam uma “era dourada” nos Estados Unidos. Revogou as 78 ordens executivas de Joe Biden, congelou a emissão de regulamentos pelas agências federais e a contratação de funcionários públicos, retirou os EUA do Acordo de Paris e proclamou dois novos documentos para supostamente restaurar a liberdade de expressão e acabar com a perseguição de opositores políticos.
Por trás dos discursos histéricos e do show que sempre acompanha as atividades políticas nos EUA está um projeto de governo que seja capaz de deter o processo de declínio do imperialismo norte-americano e restaurar a capacidade de hegemonia dos EUA no mundo.
Trata-se analisar o momento histórico em que vivemos e os fatores sociais, políticos e econômicos que explicam o fenômeno do trumpismo. Com base nesta análise temos que assumir a luta contra uma ameaça sem precedentes nas últimas décadas: um governo de extrema-direita, anticomunista, racista, imperialista, aliado a forças fascistas à escala internacional, estará no comando da principal potência mundial nos próximos quatro anos.
Uma estratégia de dominação internacional e de reformas internas
Trump tem caracterizado seu governo por discursos em que busca estabelecer uma estratégia de dominação internacional, mas sem usar dos recursos tradicionais dos EUA como a guerra ou as intervenções políticas nos países. São apostas na força invencível dos EUA, como a ameaça de anexação do Canadá, ou de assumir o controle da Groenlândia. Internamente Trump promete à sua base social — as camadas médias irritadas e cada vez mais fanatizadas com o seu discurso nacionalista e racista, e amplos setores de uma classe trabalhadora empobrecida e desmoralizada que não vê futuro — que vai retomar o desenvolvimento interno dos EUA, ampliando o emprego e os salários.
Tudo isso está inserido no processo da busca pela supremacia mundial, também no terreno tecnológico e industrial. Isso explica o fato de Trump buscar mostrar que está totalmente envolvido com as grandes Big Techs norte-americanas para as quais o governo reservou a fantástica soma de 500 bilhões de dólares de investimento em Inteligência Artificial. A guerra tecnológica é crucial, e os Estados Unidos está fazendo tudo para derrotar a China, que tem demonstrado uma imensa capacidade de desenvolvimento tecnológico, industrial e comercial.
Em termos de influência internacional, além das derrotas no Iraque, no Afeganistão e agora na Ucrânia, Washington vê com espanto o crescimento dos Brics e suas propostas alternativas de ordem internacional. Trump significa a tentativa da classe dominante estado-unidense de contra-atacar e usar para isso de todos os meios ao seu alcance, como fez agora na Síria, usando de bandos terroristas antes condenados e perseguidos para protagonizar um novo governo, sem qualquer escrúpulo com as consequências de seus atos.
Seu projeto não é tão diferente do de Biden e mesmo se apoia na sua escalada de selvagem militarismo imperialista, podendo aparecer como promotor da paz na frente ucraniana, e do cessar-fogo em Gaza. Apresenta recuos necessários como trunfos do novo governo, mas não abandona os objetivos estratégicos dos EUA. Sua declaração criminosa a favor da limpeza étnica em Gaza institucionaliza e reafirma a ação israelense como necessária e legítima.
Usando, por enquanto, apenas de sua força política e ameaças, Trump conseguiu sua primeira vitória, ao fazer com que o Panamá concordasse em sair da Nova Rota da seda e eliminar qualquer influência chinesa no canal.
As demais demandas não foram, até o momento, bem-sucedidas. A exigência junto à Dinamarca com relação à Groelândia fizeram com que o país aumentasse seus gastos militares e oferecesse à Rússia ajuda para reconstrução do Nord Stream 2. A proposta de intervenção no México sob pretexto de combate ao tráfico resultou em uma resposta forte muito negativa do Governo.
A guerra comercial
A administração Trump descumpre as regras de “decadence avec elegance”, ou seja, decadência com elegância. As democracias burguesas se apresentam como um jogo de poder com regras que impedem o seu desvirtuamento e as aparências são o reflexo do que realmente acontece. O Parlamento apresenta-se como o resultado da “soberania popular”. Os órgãos judiciais são “independentes” do executivo e do legislativo e neutros. O executivo, composto por políticos profissionais responsáveis, procura governar em nome do povo guiado pelo princípio do bem geral de todos. Com Trump, todo este teatro foi varrido.
No governo Trump não há disfarces: o governo é um comitê deliberativo composto pela burguesia hegemônica (bilionários) outros membros proeminentes da classe dominante e líderes claramente fascistas. Não há os políticos “neutros” em termos de classe social. Existe o controle direto do poder pelos burgueses e esses burgueses não têm qualquer respeito pela coisa pública: eles estão ali para utilizar o Estado um instrumento da acumulação privada e são inimigos declarados dos trabalhadores, vigiando o tempo todo se o Estado não está gastando com os pobres . Essa classe monta empresas especializadas em combater os direitos trabalhistas, em prejudicar ao máximo os sindicatos e nas eleições, em evitar que forças políticas do “inimigo” possam participar das eleições ou ameaçar ganhá-las. Um fato muito relevante e que mostra também a degeneração senil do capitalismo estado-unidense. Sem contar com esta “casta” de políticos profissionais treinados na farsa parlamentar, Trump está ficando completamente exposto como um patético agitador de extrema-direita que desmascara a política burguesa. E isso, certamente, acarretará complexas implicações para a consciência de milhões de pessoas oprimidas em todo o EUA e no mundo inteiro.
Trump usa essa espalhafatosa demagogia para jogar areia nos olhos dos trabalhadores sobre seus reais objetivos. O seu objetivo principal é esmagar o “inimigo interno” da burguesia, extrair ao máximo a mais-valia dos trabalhadores atacando duramente as condições trabalhistas e salariais atuais. Vai usar o Estado de forma a torná-lo, nas mãos de Musk, mais eficiente, isto é, reduzir ao mínimo as despesas sociais e implementar legislação antissindical feroz. Por outro lado, tudo fará para enriquecer os capitalistas através de mais privatizações e subsídios, remover quaisquer restrições ambientais que se interponham no caminho do lucro das empresas petrolíferas, mineiras e agroalimentares e, claro, apontar uma arma à têmpora de milhões de imigrantes para que aceitem condições de escravatura. E tudo isto com planos muito calculados para dar mais poder e mais impunidade à máquina da polícia, enquanto os seus bandos fascistas se fortalecem.
No plano internacional, o inimigo maior é a China e os seus aliados. Os EUA se mostram incapazes de competir e ultrapassar a China e usam das extorsões econômicas (sanções) e toda uma série de ações comerciais, como as tarifas, para impedir que a China possa se desenvolver. Isto não está dando certo. Mesmo com toda ofensiva do imperialismo a China está liderando em vários mercados estratégicos e ganhando a competição, por exemplo, pela Inteligência Artificial , com o inegável sucesso da startup DeepSeek com sua estrutura de menores custos e maior produtividade, abrindo seu código para obter contribuições de outras empresas.
E a única arma que Trump sua, as tarifas, não produzem o efeito esperado e prejudicam mais a economia dos EUA. Nenhuma tarifa contra produtos chineses, ou contra bens de outros países que comercializam com a China, conseguirão travar o desenvolvimento econômico e produtivo de Pequim. Pelo contrário, como a experiência demonstrou, pode ser um boomerang que atingirá o mercado e a classe trabalhadora estado-unidenses sob a forma de inflação. Para derrotar a China, Trump teria de declarar uma guerra comercial contra mais de metade do mundo.
Ao mesmo tempo, a economia estado-unidense parece longe de estar curada da gangrena de que padece. De um dia para o outro, Trump acumulou uma fortuna em papel de cerca de 8 bilhões de dólares com o lançamento de uma memecoin: o $TRUMP. A estratégia norte-americana é aumentar ainda mais a especulação financeira através de todo o tipo de produtos, seja a bitcoin ou a recompra de ações, independentemente do desenvolvimento da produção industrial e das forças produtivas. A bolha bolsista está a disparar e a bitcoin não só custa mais de 100.000 dólares, como o seu valor de mercado atingiu 2,15 trilhões de dólares. Se juntarmos a tudo isto um déficit comercial que cresceu 12,8% no último ano, as perspectivas globais do imperialismo ianque são complicadas.
Emergência nacional na fronteira, negacionismo climático e machismo
“Vou declarar uma emergência nacional na fronteira sul”. Estas foram as palavras iniciais do anúncio das políticas xenófobas e racistas que a administração Trump planeja implementar para esmagar e perseguir a população migrante nos próximos cinco anos.
Para selar a fronteira, Trump pretende enviar o exército e a Guarda Nacional para “repelir a invasão desastrosa do nosso país” por “milhões e milhões de estrangeiros criminosos. Para além das deportações em massa, que visam mais de 14 milhões de pessoas, outra das ordens executivas assinadas prevê a suspensão da reinstalação de refugiados e a pena de morte para “imigrantes ilegais que mutilam e assassinam estado-unidenses”.
Em matéria de energia, o objetivo também é claro: “perfurar, perfurar, perfurar”, desencadeando a extração massiva de combustíveis fósseis como o gás e o petróleo, prometendo revogar todos os regulamentos “indevidos” sobre a produção e utilização de energia, eliminar os limites de emissões e flexibilizar os limites de poluição.
A guerra cultural desenvolvida pelo Presidente envolve o mais repugnante machismo e o ataque à diversidade sexual. Ele já foi muito claro: só há dois gêneros, masculino e feminino, o que pressagia uma guerra aberta contra a comunidade trans, e que as mulheres e crianças devem ser protegidas da “ideologia radical de gênero”. Há retrocessos também nas Big Techs, com Zuckerberg permitindo que pessoas gays ou trans fossem rotuladas como “doentes mentais” no Instagram e no Facebook.
Nos primeiros dias de seu segundo mandato, o presidente Donald Trump emitiu várias ordens executivas “buscando controlar como as escolas ensinam sobre raça e gênero, direcionar mais dólares de impostos para escolas particulares e deportar manifestantes pró-palestinos”. Em 29 de janeiro de 2025, ele assinou a ordem executiva “Acabando com a Doutrinação Radical na Educação K-12”, que determina a eliminação de currículos que o governo considera como promotores de “ideologias radicais e antiamericanas”. Esta ordem executiva não é apenas um ataque à teoria crítica da raça ou aos ensinamentos sobre o racismo sistêmico – é a pedra angular de uma ideologia autoritária projetada para eliminar o pensamento crítico, suprimir a verdade histórica e privar os educadores de sua autonomia. Sob o pretexto de combater a “divisão”, avança uma guerra mais ampla contra a educação como uma força democratizante, transformando as escolas em zonas mortas da imaginação. Ao ameaçar retirar o financiamento federal de instituições que se recusam a se conformar, essa política funciona como um instrumento de doutrinação ideológica, reforçando uma narrativa nacionalista higienizada que apaga histórias de opressão e resistência enquanto aprofunda uma cultura de ignorância e conformidade.
Ao mesmo tempo, o presidente Trump emitiu a ordem executiva “Expandindo a Liberdade Educacional e Oportunidades para as Famílias”, com o objetivo de melhorar a escolha da escola, redirecionando fundos federais para apoiar escolas charter e programas de vouchers. Essa política permite que os pais usem fundos públicos para mensalidades escolares particulares e religiosas. Embora os proponentes afirmem que essa legislação capacita os pais e promove a competição, na realidade, é um esforço calculado para desfinanciar e privatizar a educação pública, minando-a como um bem público democratizador. Como parte de um ataque mais amplo da extrema direita à educação, essa política redireciona recursos essenciais das escolas públicas, aprofundando a desigualdade educacional e promovendo uma agenda que busca corroer o investimento público em uma sociedade justa e equitativa.
Em nome da eliminação da doutrinação radical nas escolas, uma terceira ordem executiva, que supostamente visa acabar com o antissemitismo, ameaça deportar manifestantes estudantis pró-palestinos revogando seus vistos, alertando que mesmo aqueles que estão legalmente no país podem ser alvos de suas opiniões políticas. Em uma demonstração gritante de autoritarismo, a ordem executiva de Trump declarou sem remorso que a liberdade de expressão não seria tolerada. A Reuters deixou isso claro ao relatar que um informativo declarou ameaçadoramente: “Eu vou… cancele rapidamente os vistos de estudante de todos os simpatizantes do Hamas nos campi universitários, que foram infestados de radicalismo como nunca antes. Para todos os estrangeiros residentes que se juntaram aos protestos pró-jihadistas, nós os avisamos: em 2025, nós os encontraremos e os deportaremos.
A guerra de longa data de Trump contra a educação tomou um rumo mais perigoso com sua ordem de eliminar o Departamento de Educação por meio de decreto executivo. Este não é apenas um ataque à burocracia; É um ataque calculado e ousado à própria educação pública – um esforço para desmantelar uma das últimas instituições ou bens públicos remanescentes capazes de promover o pensamento crítico, a memória histórica e a responsabilidade cívica.
Ao destruir a supervisão federal, ele está entregando o destino da educação a legislaturas estaduais reacionárias e interesses corporativos, garantindo que o conhecimento seja moldado por um estado mantido em cativeiro por bilionários e extremistas de direita. Essa é a lógica do autoritarismo: esvaziar as instituições democráticas e substituir a educação por propaganda cristã branca e uma pedagogia da repressão. Em questão aqui está uma tentativa de tornar uma geração inteira indefesa contra as próprias forças que buscam dominá-los.
Elon Musk, tecno-fascismo do século XXI
A chegada de Trump à Casa Branca suscitou o entusiasmo dos bilionários de Washington. Mais de 50 super-ricos ofereceram os seus recursos a Trump e ao seu programa, e a recepção que Wall Street lhe deu não deixa margem para dúvidas: os índices atingiram máximos históricos e o dólar registrou a maior subida desde 2020.
Um deles, e agora o seu braço direito, é Elon Musk. O CEO da Tesla e da SpaceX é a melhor demonstração do tipo de elementos que fazem parte da ditadura do capital financeiro que domina o mundo. Com uma fortuna de 421,2 bilhões de dólares, Musk não tem problemas em mostrar-se como é: um direitista que faz a saudação típica do nazismo perante milhões de espectadores, ele que chegou onde chegou graças à exploração mais impiedosa dos trabalhadores e que construiu a sua riqueza através de uma loucura especulativa.
Tal como Krupp, Thyssen ou Bosch apoiaram o partido nazi, hoje Elon Musk não só partilha grande parte da agenda reacionária trumpista, como tem um lugar de poder dentro da nova administração.
No entanto, há algo em que podemos concordar com o bilionário Elon Musk, é que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID em inglês) é uma organização criminosa e deve desaparecer. Ele também está certo em apontar que este antigo e conhecido braço da Agência Central de Inteligência (CIA), tem sido associada a atividades de espionagem. Todos sabemos que a USAID sempre foi uma monstruosidade destinada a subverter a ordem e orquestrar os chamados golpes suaves em nações que Washington considerou adversários.
Essa organização, erroneamente relacionada com o desenvolvimento internacional, teve e tem presença em quase todos os países dos cinco continentes, com elevados níveis de orçamentos destinados a perturbar a soberania e a independência dos Povos. Uma de suas principais ações, “Formar Jovens Líderes”, nada mais é do que criar opositores de governos legítimos que respondam aos interesses de Washington. Desde 2016 a USAID está protegida da divulgação de suas atividades.
A luta de classes nos EUA entra numa nova fase
A vitória de Trump representa um grande perigo para a classe trabalhadora e a juventude, contra os migrantes, o movimento antifascista e em solidariedade com a Palestina, a luta feminista militante. A luta de classes está entrando numa fase muito mais difícil, marcada pela agenda ultradireitista da Casa Branca e pelo ressurgimento das tendências autoritárias e bonapartistas do Estado.
Mas a classe trabalhadora nos EUA tem uma longa experiência. Estes anos foram duros, mas as lições foram muitas e muito úteis. A radicalização e a polarização para a extrema-direita foram paralelas ao crescimento de uma polarização também para a extrema-esquerda, à formação de novas estruturas, organizações e movimentos nascidos de baixo e que adquiriram um enorme poder de fogo. Sob o lema We Fight Back 2025, mais de 700 protestos, manifestações e comícios juntaram centenas de milhares de pessoas nas principais cidades dos EUA para receber Trump como ele merece. A vontade de lutar é forte e tem sido demonstrada.
O regresso de Trump coloca a atualidade de se construir uma organização de massas com um programa revolucionário. Uma alternativa socialista é o que é necessário para que a classe trabalhadora, numericamente muito mais poderosa do que no passado, possa utilizar toda a sua força, colocar-se no centro da ação política, tornar-se o ponto focal de referência para todos os setores que sofrem com a crise capitalista, isolar politicamente e esmagar fisicamente o fascismo. Uma organização dos trabalhadores e para os trabalhadores que, face ao racismo e aos ataques contra a imigração, eleva a unidade e o internacionalismo contra os nossos verdadeiros inimigos. Esta é a tarefa da classe trabalhadora e da juventude nos EUA. Só há um caminho: a luta pela revolução socialista para derrubar este sistema podre que só nos oferece guerras imperialistas, fascismo e exploração capitalista.