Shafiq al-Hout nasceu em Jafa, no dia 13 de janeiro de 1932, numa família palestina de origem libanesa. Seu avô, Salim Yousef al-Hout, havia emigrado de Beirute para a Palestina, onde se estabeleceu como comerciante e constituiu família com uma mulher palestina. Shafiq foi criado nesse ambiente de enraizamento árabe em terras palestinas, sendo o quarto de cinco irmãos. Desde cedo foi marcado pelas violências impostas ao povo palestino: seu irmão Jamal foi assassinado durante os confrontos contra as forças sionistas em 1948, no mesmo ano em que a Nakba obrigaria Shafiq e sua família a deixar sua terra natal.
No dia 24 de abril de 1948, ainda adolescente, foi forçado ao exílio, embarcando num navio grego chamado Dolores, rumo ao Líbano. Ali, iniciou seus estudos em Medicina na Universidade Americana de Beirute (AUB), mas sua vocação logo se mostrou outra: a militância política. Junto a colegas como Ibrahim Abu-Lughod, tentou fundar um clube estudantil palestino e, posteriormente, participou da criação do Congresso dos Palestinos Desalojados, organização clandestina dedicada à mobilização nos campos de refugiados.
Ao contrário de muitos jovens nacionalistas da época, Shafiq se aproximou do movimento comunista libanês e foi preso pela primeira vez no ano acadêmico de 1950-51, sendo suspenso da universidade por um ano. Trabalhou em fábrica de sabão, em parque de diversões e até escrevendo trabalhos para estudantes ricos, antes de ser novamente preso em 1951 e condenado a três meses de prisão. O governo libanês tentou deportá-lo, mas sua família conseguiu barrar a ordem. Só em 1955, após longa disputa judicial, obteve de volta a nacionalidade libanesa graças à origem de seu avô.
De volta à AUB, foi impedido de retomar Medicina e optou pela Psicologia, formando-se em 1953. Deu aulas na escola Ali ibn Abi Talib até 1956, quando começou a publicar textos na revista al-Hawadith, dirigida por Salim al-Lawzi. Com o agravamento da repressão política no Líbano, al-Lawzi buscou exílio em Damasco e Shafiq assumiu a chefia da revista, conduzindo uma guinada em seu conteúdo: de revista cultural e social para veículo político alinhado ao nacionalismo árabe e à resistência palestina.
Nos anos seguintes, Shafiq al-Hout se tornaria uma figura central na organização da luta armada palestina. Participou, com militantes como Khaled al-Yashruti e Abd al-Muhsin Abu Maizar, da tentativa de fundar uma frente de combate à ocupação. Em 1963, ajudou a criar a Frente de Libertação da Palestina – Caminho de Retorno e a revista Tariq al-‘awda, cujos princípios foram redigidos por ele, Nicola al-Durr e Samira Azzam. A organização logo se espalhou para a Faixa de Gaza, Síria, Kuwait, Egito, Argélia e até Estados Unidos.
No mesmo ano, encontrou-se com Abu Jihad (Khalil al-Wazir) e, em seguida, com Yasser Arafat. Tentou costurar uma unidade entre a Fatah e a Frente de Libertação da Palestina, mas sem sucesso.
Em maio de 1964, participou do Congresso da Palestina, que se transformaria no Conselho Nacional Palestino (CNP), núcleo político da recém-fundada OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Ainda em 1964, foi nomeado chefe do escritório da OLP no Líbano – o primeiro a ser criado num país árabe – e abandonou o jornalismo para dedicar-se exclusivamente à atividade política.
Em 1966, tornou-se membro do Comitê Executivo da OLP, onde confrontou o presidente da organização, Ahmad al-Shuqairi, após este tentar criar um “conselho revolucionário” com poderes acima do Comitê Executivo. Em 17 de fevereiro de 1967, sofreu uma tentativa de assassinato na porta de sua casa em Beirute – a primeira de várias.
Como representante da OLP, participou da reunião de ministros das Relações Exteriores árabes em Cartum, em agosto de 1967, e da preparação da cúpula da Liga Árabe naquele mesmo ano. Ali encontrou-se com Gamal Abdel Nasser, a quem já conhecia desde 1962.
Com a reconfiguração das forças da resistência após a derrota de 1967, Shafiq e seus companheiros decidiram encerrar as atividades da Frente de Libertação da Palestina. A partir de então, assumiu papel chave nos principais episódios envolvendo os palestinos no Líbano, incluindo o Acordo do Cairo de 1969 (que regulava a presença armada palestina no país), a guerra civil libanesa (1975) e as invasões de “Israel” em 1978 e 1982.
Foi porta-voz da OLP na histórica visita de Yasser Arafat à ONU em 1974 e acompanhou, ao longo dos anos, diversas delegações às Nações Unidas, além de encontros com parlamentares estadunidenses. Em 1991, voltou ao Comitê Executivo da OLP, mas renunciou em 1993 em protesto contra a traição dos Acordos de Oslo – nos quais a liderança da OLP reconheceu o Estado sionista e abriu mão da luta armada, num gesto de capitulação ao imperialismo.
Shafiq al-Hout tornou-se um dos mais duros críticos da linha adotada por Arafat e seus sucessores, mantendo-se fiel ao objetivo estratégico da libertação total da Palestina histórica. Também foi ativo em diversas organizações políticas e culturais árabes, como a União dos Jornalistas Árabes (da qual foi secretário-geral adjunto), a União de Escritores Palestinos e o Congresso Nacional Árabe.
Faleceu em Beirute no dia 2 de agosto de 2009, vítima de câncer. Foi enterrado no Cemitério dos Mártires da Palestina. Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, condecorou-o postumamente com a Estrela da Honra, reconhecendo sua contribuição à fundação e condução da OLP. Mas seu verdadeiro reconhecimento veio do povo palestino e árabe, que o reverencia como uma figura íntegra, incansável e incorruptível na luta pela libertação nacional. Como afirmou Edward Said, Shafiq al-Hout foi “o homem que não se corrompe”.