Europa

Presidente sérvio: a revolução colorida foi derrotada

Com apoio popular, Vucic afirma ter vencido tentativa de golpe impulsionada por potências estrangeiras

Em uma resposta enérgica à onda de manifestações que sacode o país desde o final de 2024, o presidente sérvio Aleksandar Vucic declarou no último sábado (6) que a tentativa de desestabilização de seu governo, organizada por forças externas, “foi derrotada”. A declaração foi feita diante de uma multidão reunida no centro de Belgrado, em um ato convocado pelo próprio governo para demonstrar apoio popular frente à escalada das manifestações antigoverno.

“A revolução colorida acabou. Eles podem andar o quanto quiserem, mas disso não sairá nada”, afirmou Vucic ao discursar para milhares de simpatizantes. O presidente anunciou ainda a criação de um novo movimento político, voltado, segundo ele, a unir todos os setores patrióticos da população: “Cada trabalhador, cada agricultor, cada pessoa que luta por seus filhos e por seu país é bem-vinda”, declarou.

O evento, organizado como uma verdadeira festa nacionalista, teve início na sexta-feira (5) com a exibição de uma bandeira sérvia de 200 metros, “a maior da história”, segundo o próprio Vucic. Durante o sábado, estandes espalhados pelo centro da capital distribuíram gratuitamente pratos típicos, vinho, rakija (a aguardente local), calçados camponeses e o tradicional chapéu sérvio sajkaca. A festa contou ainda com apresentações culturais e a presença de simpatizantes vindos de várias partes do país, muitos deles organizados por prefeituras que disponibilizaram transporte gratuito até Belgrado.

Milhares de pessoas passaram pelo local durante o dia, a maioria formada por aposentados, trabalhadores do setor público, agricultores e militantes do Partido Progressista Sérvio (SNS), legenda de Vucic. A engenheira civil Jadranka Milic, uma das presentes, celebrou o clima do evento: “Eu amo estar aqui. Esperei por esse dia. É bonito, é livre, é alegre. Estou aqui para celebrar a vitória do amor e da amizade”, disse, enquanto dançava com uma bandeira da Sérvia aos ombros. Para Isidora Filipovic, filiada ao SNS e moradora de Zrenjanin, o novo movimento político “vai unir todos no país, seja você de partido, camponês ou cidadão comum”.

O comício também serviu como palco de apoio internacional. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, apareceu em vídeo declarando que “os patriotas sérvios podem contar com seus irmãos húngaros” e criticando a ingerência de potências ocidentais na região. Já Milorad Dodik, líder sérvio da Bósnia e condenado por desafiar a constituição da Bósnia-Herzegovina, compareceu presencialmente e foi ovacionado. “Vucic é hoje o único homem capaz de manter forte e coesa a Sérvia, tanto na política interna quanto externa, especialmente nestes tempos tão instáveis”, afirmou.

O mote do ato foi “proteger a Sérvia”, em oposição às manifestações que tomaram o país nos últimos meses e que, segundo o governo, não passam de uma tentativa de golpe impulsionada por potências estrangeiras. Diversas prefeituras enviaram mensagens convocando a população para “mostrar apoio ao presidente e ao país”.

Desde novembro de 2024, a Sérvia vem sendo palco de uma série de manifestações, iniciadas após o desabamento de uma cobertura recém-reformada da estação ferroviária de Novi Sad, que resultou na morte de 16 pessoas. O acidente foi imediatamente utilizado por setores opositores ao governo como catalisador de uma campanha política que, em poucos meses, transformou-se no maior movimento de protesto desde a queda de Slobodan Milosevic, nos anos 2000.

A manifestação de 15 de março, diante do parlamento sérvio, reuniu entre 275 mil e 325 mil pessoas, segundo a Public Assembly Archive. Foi a maior mobilização já registrada no país. Os organizadores, liderados pelo Partido da Liberdade e Justiça (SSP), acusam o governo de corrupção e negligência. Muitos manifestantes também alegam ter sido alvos de repressão policial, incluindo o uso de tecnologia de dispersão de multidões desenvolvida pela Marinha dos EUA.

No entanto, o governo afirma que tais manifestações têm pouco de espontâneas e muito de orquestradas. Segundo Vucic, trata-se de uma “agressão vinda do exterior, porque certas potências estrangeiras não suportam ver uma Sérvia livre, independente e soberana”. O presidente acusa abertamente o chamado “Estado profundo” norte-americano e agências europeias de inteligência de estarem por trás do movimento.

A movimentação em curso na Sérvia segue o mesmo padrão de outros levantes fabricados ao redor do mundo por interesses imperialistas, sob o nome de “revoluções coloridas”. Protestos inicialmente difusos, com palavras de ordem genéricas como “fim da corrupção” e “instituições funcionais”, evoluem para campanhas massivas pela derrubada de governos que não se submetem aos ditames de Washington e Bruxelas.

No caso da Sérvia, o alvo é evidente. O país tem sido uma das poucas nações europeias a recusar sanções contra a Rússia desde o início da operação militar especial na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Russos e sérvios compartilham laços históricos, culturais e religiosos, e o apoio popular a Moscou é significativo. Imagens de protestos em apoio à Rússia, com bandeiras russas e símbolos como o “Z”, foram comuns nas ruas sérvias nos últimos anos.

Esse posicionamento tornou o governo de Vucic um obstáculo para os planos de recolonização dos Bálcãs pelas potências imperialistas. Ao manter laços com a Rússia e buscar uma política externa independente, a Sérvia se coloca como um dos últimos focos de resistência nacional no continente europeu.

A tentativa de desestabilização do governo sérvio guarda paralelos evidentes com o golpe aplicado no Brasil em 2016. Lá como cá, protestos em nome da “ética na política” e da “transparência” foram impulsionados por partidos reacionários, ONGs financiadas por potências estrangeiras e pela imprensa capitalista, culminando na derrubada de um governo que, ainda que moderadamente, contrariava os interesses do imperialismo.

Na Sérvia, esse mesmo método parece ter sido colocado em marcha, com a diferença de que Vucic e seus aliados conseguiram reagir com força antes que a situação saísse do controle. A mobilização popular em defesa do governo, embora menor em número do que os protestos da oposição, foi suficiente para reorganizar a base de sustentação do regime e reposicionar a luta política no país.

O anúncio de um novo movimento político, a reaproximação com lideranças regionais e o discurso combativo contra as potências estrangeiras indicam que Vucic não pretende ceder. “Queremos uma Sérvia soberana, livre e digna”, disse o presidente. “E não aceitaremos que nos digam como viver.”

A derrota momentânea da revolução colorida, proclamada por Vucic, é uma vitória da resistência nacional. No entanto, a experiência mostra que o imperialismo não se dá por vencido com facilidade. A permanência da Sérvia como país soberano e aliado da Rússia dependerá, em última instância, da capacidade de mobilização do povo sérvio e da consciência de que a verdadeira batalha não é contra “a corrupção”, mas contra o imperialismo que ameaça mais uma vez transformar a região em colônia.

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