Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

O imperialismo francês em declínio

A verdadeira virada autoritária empreendida por Macron nos últimos anos não é coincidência: a luta de classes que a França está vivendo é sem precedentes desde maio de 1968

 

A França é o exemplo acabado de declínio imperialista, não joga qualquer papel na geopolítica mundial e, com a expulsão de seu exército do Senegal, completou o ciclo da falência completa das suas colônias na África. Apesar disso, de forma persistente, tem insistido em apoiar a ideia da guerra contra a Rússia e mantém a posição sobre o genocídio em Gaza.

Recentemente, Macron declarou-se favorável ao Estado Palestino, mas exigiu, para isso, o desarmamento do Hamas.

Outro aspecto indiscutível da crise da França é sua luta de classes interna, que está umbilicalmente vinculada à externa. Em 15 de julho passado, o primeiro-ministro francês, François Bayrou, no cargo de forma ilegal, de direita, anunciou violento plano de ajuste fiscal que se traduz em enormes cortes nos gastos sociais no orçamento de 2026. A justificativa apresentada é o controle do déficit público, que deverá somar 5,4% do PIB. O que surpreende é que, apesar desse déficit, o mesmo governo aprovou uma elevação gigantesca da despesa com gastos militares, sendo que este orçamento de defesa é o maior desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

A direita francesa adota o discurso militarista que promete financiar a indústria bélica francesa à custa da saúde e da educação públicas, dos salários dos trabalhadores do Estado e de cortes imorais no seguro-desemprego. Para esconder esses planos do grande capital, Macron recorre a um discurso demagógico. Ele afirma que “desde 1945, a liberdade nunca esteve tão ameaçada… Para sermos livres neste mundo, temos de ser temidos. Para sermos temidos, temos de ser poderosos”. Em pleno desfile militar de 14 de julho, em que se celebra o início da revolução burguesa, ele fala de uma liberdade que nada tem a ver com os ideais republicanos.

Luta de classes

O plano abrange cortes no gasto público no valor de 43,8 bilhões de euros que, junto com a contrarreforma da previdência aprovada ditatorialmente em 2024, impõe um cruel ataque à classe trabalhadora francesa. É a resposta da burguesia a uma rebelião histórica, que durante meses colocou a classe dominante e os seus representantes contra a parede.

De acordo com o governo francês, benefícios sociais como o seguro-desemprego, apoios sociais para pessoas com deficiência (tipo BPC no Brasil) e rendimentos de inserção (tipo Bolsa Família no Brasil) serão congelados, eliminando assim sua atualização de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em 2026 e abrindo caminho para terminar com essa vinculação ao IPC nos próximos quatro anos. O seguro-desemprego sofrerá também uma “remodelação”, com normas muito mais rígidas ao seu acesso.

Como não poderia deixar de ser, o governo vai demitir mais de 3.000 funcionários públicos no próximo ano, fará a substituição de apenas dois em cada três reformados e promoverá o encerramento ou fusão de agências estatais, o que poderá significar o corte de mais 1.000 a 1.500 empregos públicos.

O sistema de saúde também sofre ataque. O crescimento da despesa na saúde será limitado a 5 bilhões de euros, o que implicará a redução dos copagamentos de medicamentos e de coberturas da Segurança Social e um aumento da pressão sobre trabalhadores em situação de incapacidade.

Os cortes também atingem a educação, estimulando o crescimento do ensino privado. Segundo um estudo realizado em Paris, em 2023, 55% dos estudantes das classes média e alta frequentavam escolas privadas. Para 2034, prevê-se que esse número chegue a quase 90%. É um plano que, como os elaborados no Brasil pelo governo Lula, atinge diretamente a classe trabalhadora e seus segmentos mais precarizados.

Até mesmo a comemoração da Páscoa e do fim da 2ª Guerra Mundial será atingida pela violência burguesa. Esses dois feriados nacionais (Segunda-feira de Páscoa e 8 de maio, fim da 2ª Guerra Mundial) passarão a ser dias úteis, com o objetivo de aumentar a “produtividade”, ou seja, a exploração.

A preparação para a guerra

A forma de o capitalismo enfrentar a concorrência da Rússia e da China é tentar destruí-los. Assim, a França também entra na nova onda militarista da Europa, patrocinando um aumento do investimento em gastos militares como nunca antes neste país.

Para tentar responder ao fato de que apenas a classe trabalhadora estava sendo atingida, o governo criou a “contribuição solidária” dos mais ricos. Isso mostra o cinismo do governo Macron, porque desde que chegou ao poder, em 2017, o patrimônio das 500 maiores fortunas francesas aumentou 657 bilhões de euros: de 571 milhões para 1.228 bilhões – um aumento de 215%!

A Assembleia Nacional votará este orçamento?

É totalmente impossível que o novo orçamento do executivo seja aprovado por maioria absoluta. O primeiro-ministro Bayrou já avisou que, se isso acontecer, recorrerá à aplicação do famigerado artigo 49.3 da Constituição, que dá poderes ditatoriais ao governo, permitindo sua adoção mesmo sem o apoio da Assembleia Nacional. Em fevereiro, esse mesmo instrumento foi utilizado para aprovar o orçamento de 2025, assim como os da Previdência Social. É a “democracia” francesa.

O plano apresentado é uma declaração aberta e violenta de guerra contra a classe trabalhadora e irá aprofundar ainda mais uma desigualdade social já gritante. Um relatório publicado em 7 de julho apresenta dados dessa verdadeira segregação social: 9,8 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza (15,4% da população), número que aumentou em 650 mil num só ano – o maior aumento desde que há registros. Entre os desempregados, a taxa de pobreza já atinge os 36,1%.

O orçamento da guerra

A Lei de Programação Militar para 2024-2030, aprovada em julho de 2023, já previa um investimento de 413 bilhões de euros em defesa – um valor sem precedentes na história recente da França. Como se isso não bastasse, Macron anunciou em 14 de julho mais aumentos: 3,5 bilhões em 2026 e mais 3 bilhões em 2027, a serem aprovados mediante uma revisão da lei em outubro.

Isso representa um aumento superior a 43% em relação ao ciclo anterior (2019–2025), que já tinha elevado a despesa para 295 bilhões de euros. Comparando com o orçamento militar de 2017, quando do início do mandato de Macron, o aumento é ainda mais drástico: em menos de uma década, a França quase duplicou sua despesa pública em defesa para mega lucros dos grandes monopólios do setor, tanto franceses como norte-americanos.

Em 2023, o Ministério da Defesa autorizou encomendas no valor de 20,3 bilhões de euros, incluindo 42 caças Dassault Rafale, 109 obuses CAESAR Mk II, veículos blindados, fragatas, helicópteros e mísseis. Toda a gastança armamentista objetiva apenas favorecer um punhado de empresas do setor, como é o caso da Dassault Aviation. Esta empresa da indústria de aviação militar aumentou seus lucros em mais de 48% só em 2024, passando de 349 para 519 milhões de euros.

A situação do governo Macron–Bayrou

As negociações de Macron com uma parte da esquerda – o PS, os Verdes e o PCF –, que se mostraram dispostos a apoiar um novo governo mesmo sem um primeiro-ministro de esquerda e renunciando à revogação imediata da contrarreforma previdenciária (a demanda central da Nova Frente Popular), tiveram como resultado a renomeação de François Bayrou como primeiro-ministro, do partido liberal centrista Movimento Democrático (MoDem).

Como sempre, em tempos de dificuldade, a burguesia pode contar com a social-democracia tradicional e os comunistas do PCF para garantir a sobrevivência de um governo totalmente impopular e ditatorial.

É um governo transversal que exclui a extrema-direita e a França Insubmissa de Mélenchon. As negociações, no entanto, envolveram também a extrema-direita, e a formação do governo de Barnier se deu sob a tutela de Le Pen. O inimigo é a esquerda da França Insubmissa e Mélenchon, e contra o movimento de massas nas ruas.

O PCF estalinista manteve a tradição de traição à esquerda e à classe operária, desta vez sem ganhos objetivos, pois o apoio ao novo governo foi semiclandestino.

O que realmente preocupa a burguesia e seus representantes políticos é a extrema polarização social que existe no Estado francês. Uma antecipação das eleições legislativas não resolveria nada, aprofundando essa polarização, esmagando o “centro político” e dando mais força à FI de um lado e ao RN do outro.

Os indicadores de crescimento do país são ridículos: 1,1% em 2024 e previsão de míseros 0,8% em 2025. O declínio da economia francesa e sua perda de força no cenário internacional são muito preocupantes para a classe dominante.

Uma França ingovernável

A verdadeira virada autoritária empreendida por Macron nos últimos anos não é coincidência: a luta de classes que a França está vivendo é sem precedentes desde maio de 1968. As mobilizações contra a reforma do Código do Trabalho de Hollande, a Nuit Debout, os coletes amarelos, a rebelião dos trabalhadores contra a contrarreforma previdenciária de Macron-Borne, as mobilizações antirracistas e contra a brutalidade policial nos subúrbios de Paris, ou as grandes manifestações em solidariedade ao povo palestino, são apenas alguns exemplos.

Nem Macron e sua repressão selvagem, nem os discursos racistas e xenófobos da extrema-direita conseguiram deter o movimento nas ruas. Foram brutais episódios de repressão policial, detenções em massa, aplicação de medidas de emergência, proibição até de grupos ambientalistas e toda uma multiplicidade de ataques às liberdades democráticas e sindicais sem precedentes desde a repressão bárbara do movimento antiguerra na Argélia na década de 1960.

O uso do ditatorial artigo 49.3 da Constituição para poder aprovar leis por decreto, contornando a Assembleia Nacional, tem sido cada vez mais frequente sob a presidência de Macron, refletindo a virada bonapartista e autoritária do Estado francês. O próprio aparato estatal, como no resto do mundo, está cada vez mais voltado para a extrema-direita, como revelou uma carta de centenas de militares e ex-oficiais militares apontando a necessidade de implementar um regime ditatorial. Apesar de tudo isso, o movimento operário e a juventude estão se rebelando e colocam um obstáculo para possíveis aventuras da direita.

Os resultados das últimas eleições legislativas abalaram o tabuleiro político de cima a baixo. Quando tudo parecia caminhar para uma vitória retumbante da extrema-direita e a implementação de uma agenda ultrarreacionária, machista e racista, milhões de trabalhadores e jovens descartaram essa possibilidade, usando o voto da Nova Frente Popular.

A melhor alternativa para a burguesia e para Macron seria implantar um novo primeiro-ministro ainda mais próximo de Le Pen, promovendo grande parte do programa chauvinista e racista da extrema-direita, mas eles temem as consequências desse processo na luta de classes, especialmente em um país com grandes tradições revolucionárias como a França.

Fora Macron e as políticas de austeridade capitalistas

O novo governo de Bayrou, acordado nos bastidores com o PS e os Verdes depois de dinamitar a Nova Frente Popular, é extremamente fraco. Ele está sob enorme pressão. Por um lado, o assédio da extrema-direita após a vitória de Trump e, por outro, enfrentando um tremendo protesto social diante dos ataques que, aconteça o que acontecer, os grandes capitalistas franceses e Bruxelas exigem.

Nesse contexto, a FI e Mélenchon, que são os únicos que propõem o Fora Macron, têm uma grande oportunidade. Mas nada conseguirão, nem por meio de ação parlamentar, nem reivindicando os valores republicanos ou a bandeira francesa. O que é necessário é promover com força a luta nas ruas, como fizeram os rebeldes da frente estudantil, mas estendendo essa batalha ao movimento operário. As condições para uma greve geral para derrubar Macron e cumprir imediatamente as demandas da Nova Frente Popular, especialmente a revogação da contrarreforma da previdência, existem.

Mas para que isso aconteça, também é necessário apontar claramente a responsabilidade dos dirigentes da CGT, que mantêm um silêncio estrondoso nesta conjuntura, e basear essa luta nos milhares de delegados e ativistas que lideraram a formidável rebelião de 2023 e que são muito críticos de suas próprias direções sindicais. É hora de redobrar a mobilização nas ruas até que Macron e suas políticas criminosas caiam, atingindo Le Pen e sua demagogia de extrema-direita, e exigindo uma alternativa revolucionária que exproprie os grandes capitalistas franceses em benefício da classe trabalhadora e dos oprimidos.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Rolar para cima

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.