Estados Unidos

Não é ‘neonazismo’, é anti-imperialismo

Márcia Tiburi critica Donald Trump pelo que tem de mais progressista

No artigo A retórica neonazi de Trump, publicado pelo Brasil 247, a professora universitária Márcia Tiburi se mostra escandalizada com o discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proferido ao Congresso de seu país na última terça-feira (4). Assim Tiburi inicia o seu texto:

“Donald Trump fez um discurso de quase duas horas seguindo a retórica neonazista que o caracteriza e aos seus assemelhados e que se intensifica muito mais nesse novo mandato.”

A professora universitária, no entanto, não se dá ao trabalho de explicar o que seria um discurso “neonazi” e porque o discurso do norte-americano seria neonazista. Não passa, portanto, de um truque, de um engana-trouxa para tentar jogar a opinião pública contra seu adversário. Chamar Trump de “neonazi” é como chamá-lo de “bicho papão”, é uma forma de dizer: afastem-se dessa figura. O truque de Tiburi pode até ter alguma serventia eleitoral. Para a luta política, não serve de nada.

A autora segue o texto dizendo que “deputados democratas seguravam cartazes de protesto e olhos assustados no líder desqualificado” e chama particularmente de “herói” um deputado democrata que insultou Trump até ser expulso do parlamento.

É realmente impressionante. Até aqui, nenhuma explicação de por que Trump teria um discurso “neonazi”. A não ser o fato de que ele foi repudiado pelos integrantes do Partido Democrata. Ocorre que o Partido Democrata é a máquina partidária mais fascista do planeta terra. Foi esse partido, por exemplo, que jogou duas bombas atômicas no Japão. Mais recentemente, o mesmo partido financiou e orquestrou o genocídio do povo palestino, armou as milícias nazistas da Ucrânia para assassinar o povo do Donbas e organizou as guarimbas para atacar fisicamente os opositores do chavismo na Venezuela. Tiburi que nos perdoe, mas isso não é critério para classificar o discurso de Trump como “neonazi”. Mas é, no entanto, suficiente para determinar a posição política da professora universitária: trata-se de alguém que tem no aparato partidário do imperialismo uma referência. Não esqueçamos disso.

Após os elogios ao Partido Democrata, Tiburi passa, enfim, a tratar sobre o que disse Trump. Diz ela:

“Ao mesmo tempo, a dignidade não é algo que vale na política e, muito menos, no neoliberalismo quando tudo é transformado e rebaixado à mercadoria. Nesses contextos, vale o ‘mérito’, esse operador linguístico que serve para apagar desigualdades reais. A retórica do mérito está sendo usada agora, mas não será mais usada adiante quando se partir para uma perseguição e matança mais profundas.”

De fato, quando os neoliberais falam em “mérito”, estão falando em liquidar a assistência social do Estado. Pode-se até dizer, em certo sentido, que aponta para uma política nazista: o povo não deve ter saúde pública, mas sim conquistar o acesso à saúde por mérito próprio. Mas não é disso que Trump trata quando fala de mérito. A sua fala é claramente sobre o identitarismo.

Quando Trump fala de mérito, por exemplo, ele está criticando a ideia de que haja cotas para transsexuais em cargos públicos ou que haja cotas para mulheres em cargos de direção partidária. A crítica, independentemente da retórica, é progressista, pois visa combater uma ideologia – o identitarismo – que tem como finalidade segregar os oprimidos e fazer ascender socialmente a sua camada mais corrupta.

Da mesma forma, Tiburi não compreende o discurso de Trump, quando o critica dizendo que:

“Como bom macho nazifascista ele falou contra a população LGBTQIA+ e que os EUA ‘não será mais woke’.”

Tiburi teria razão de caracterizar o discurso como “neonazi” se Trump tivesse defendido o espancamento de LGBTs pelo que são. Mas tudo o que Trump criticou foi o uso demagógico dos LGBTs para promover a política oficial do imperialismo. É isso que se chama de “cultura woke“. Opor-se à realização de cirurgia de mudança de sexo em crianças, por exemplo, não é “falar contra a população LGBTQIA+”, é simplesmente defender os direitos da criança frente uma política criminosa que visa desmantelar um movimento realmente combativo dos oprimidos.

Talvez a parte mais bizarra do texto de Tiburi, no entanto, seja a parte em que trata da economia. Diz ela:

“O presidente dos EUA, um dos países mais infelizes do mundo nesse momento, voltou a defender nesse novo velho discurso, as políticas antieconômicas de taxas alfandegárias impostas ao Canadá, México e China.”

É difícil saber o que seria uma política “antieconômica”. No entanto, o que é particularmente curioso é que, para Tiburi, opor-se à chamada “globalização” seria opor-se à “economia”, pois esse é o sentido da política trumpista. Isto é, para ela, economia é sinônimo de “globalização”.

O problema do texto de Tiburi, no final das contas, não é apenas que ela não consegue provar que o discurso de Trump teria qualquer semelhança com o de um dirigente nazista. O maior problema é que o texto revela que, para Tiburi, tudo o que seria escandaloso – ou, em suas palavras, “neonazi” – é, na verdade, uma oposição à política oficial do imperialismo. Isto é, a oposição à política identitária, a oposição ao Partido Democrata e a oposição à política neoliberal.

O que incomoda Tiburi, portanto, não é nenhum “neonazismo”. O que incomoda é que ela, de tão adaptada à política do imperialismo, protesta contra quem quer que se volte contra ela.

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