Governo Lula

Não adianta criticar o neoliberalismo sem atacar a frente ampla

Valter Pomar defende uma mudança no discurso do governo, em vez de ações concretas

Em artigo intitulado Pesquisa Genial/Quaest: como fechar a boca do jacaré? e publicado em seu blogue pessoal, Valter Pomar, dirigente da corrente Articulação de Esquerda (AE), do Partido dos Trabalhadores (PT), procura dar pitaco nos rumos de sua legenda, que é a mesma do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

O tema de seu artigo é a mais recente pesquisa de avaliação do governo Lula, fabricada pela Genial/Quaest, que alega que o petista chegou ao índice alarmante de 56% de desaprovação. Sobre os efeitos causados pela pesquisa, Pomar apresenta as seguintes reações no interior do PT:

“A encantadora tranquilidade dos que continuam seguros de que estão fazendo a coisa certa e que, portanto, depois de amanhã tudo será melhor do que anteontem.

O silêncio atordoado dos que não sabem o que fazer, quase em compasso de espera para o desespero e/ou a depressão.

E o entusiasmo frenético pela bala de prata, aquela medida que supostamente vai virar o jogo.”

Por sua habitual arrogância, entende-se que Pomar discorda de todas as posições. O articulista, no entanto, não se dá ao trabalho de argumentar porque elas estariam equivocadas. O petista apenas se limita a dizer que “embora compreenda a lógica de cada uma destas posições, estou na turma minimalista, adepta do manual do mochileiro das galáxias: não entrar em pânico e seguir o protocolo”.

Era o mesmo que não ter dito nada. Qual “protocolo” que Pomar pretende seguir? Ele não responde. Afinal, como veremos, seu objetivo não é apresentar uma solução, mas simplesmente acusar o partido inteiro de estar errado. Façamos, então, o serviço recusado por Pomar e analisemos as posições de seu partido com as quais diz não concordar.

A “encantadora tranquilidade” a que ele se refere é a posição mais abertamente oportunista dentro do espectro governista. É a posição daqueles que querem ignorar a realidade e manter a política atual do governo porque assim satisfaz os seus interesses. É a posição daqueles que apoiam a taxa de juros pornográfica do Banco Central porque é funcionário do grande capital, daqueles que apoiam as negociatas com o Congresso Nacional porque seus cargos estão em jogo etc. Em resumo, é a posição daqueles cujos interesses são opostos ao do conjunto da população.

O “silêncio atordoado” a que Pomar se refere é o daqueles que estão completamente desorientados – e, portanto, acovardados – diante da situação política. Isto é, que não concordam com a política que o governo está levando adiante, mas que não sabem o que fazer.

Já o “entusiasmo frenético”, se é que de fato há alguém no PT entusiasmado com o resultado das pesquisas, é o daqueles que propõem um conjunto de mudanças superficial na condução do governo. Trata-se, portanto, também de uma posição oportunista, uma vez que se vale da fragilidade do governo não para propor uma mudança real, mas para contemplar determinados interesses.

Pomar seria realmente diferente desses três setores listados? Vejamos.

Sua primeira proposta é a seguinte:

“Para começo de conversa, fazer algo que não fazemos há meses, para não dizer anos: convocar uma reunião presencial do diretório nacional do PT, com dois dias de duração, para fazer uma análise da situação e discutir como reagir.”

É uma proposta que não quer dizer absolutamente nada no que diz respeito à orientação política do partido. Serve apenas para Pomar expressar sua contrariedade com a Direção do partido e expor o seu caráter burocrático. Acusar a Direção de ser uma burocracia, no entanto, não resolve nada. Sua única utilidade é para que Pomar possa fazer campanha eleitoral interna, uma vez que é candidato de oposição à presidência do PT.

Pomar segue então dizendo:

“Isto posto, acerca do mérito, a pesquisa confirma o curso das anteriores, a saber, crescimento da desaprovação. Comprovando que existe um problema político, não apenas um problema de comunicação. Motivo pelo qual, como já dissemos algumas vezes, a situação tenderia a piorar antes de melhorar.”

Novamente, nenhuma novidade. Há um problema político. Mas qual seria esse problema? Pomar não tem a menor ideia. O que é curioso, no entanto, é que ele seguindo a linha dos oportunistas, considera que o problema seria de fácil solução. Tão fácil que tornaria o processo eleitoral de 2026 mais tranquilo que o de 2022:

“Podemos vencer em 2026. Aliás, podemos vencer em melhores condições do que em 2022. Entre outros motivos porque parte expressiva da insatisfação está entre os que votaram em Lula em 2022, assim como entre os que não votaram em ninguém. Portanto, pessoas que podem ser mais facilmente conquistadas do que o eleitorado do cavernícola [Jair Bolsonaro].”

A consideração de Pomar sobre as eleições diz tudo. Para ele, o problema do governo Lula não é, de fato, político, mas puramente administrativo. As pessoas estão insatisfeitas com o governo simplesmente porque o governo não teria aplicado uma política correta – política essa que Pomar acredita que ele saiba qual é. Bastaria, por exemplo, implementar um programa social mais robusto que o Bolsa Família ou coisa do tipo para que a população se visse satisfeita e, assim, votasse na reeleição do presidente.

É ridículo. A política do governo é errada? Sim. Não somente errada. Ela é absolutamente desastrosa. Mas o seu erro não está somente nas medidas administrativas que foram tomadas. Está em ignorar por completo o desenvolvimento da luta política no País.

A alta na taxa de juros é uma política criminosa. Mas o que está por trás dela? Além de uma concepção política errada, de que o governo deveria se adaptar à pressão do grande capital, está a fraqueza do próprio governo. O governo é fraco porque, durante os seus mais de dois anos, decidiu governar “a frio”. Não convocou os trabalhadores para a luta em nenhum único momento, deixando o caminho livre para que os seus inimigos ganhassem força. Nesse sentido, as eleições de 2026 correm um risco altíssimo. O governo Lula se tornou completamente refém do Supremo Tribunal Federal (STF), na medida em que elegeu Alexandre de Moraes como “herói da democracia”. Da mesma forma, loteou seu ministério em acordos com o “centrão”. Por fim, é vítima de um avanço cada vez mais agressivo da extrema direita, que surfa nas medidas impopulares do governo e por causa de sua política de contemporização com a direita tradicional.

Pomar reúne, portanto, as características dos três setores que critica. Acredita na “bala de prata”, se cala em vez de apresentar uma proposta concreta e ainda se mantém tranquilo com o maior erro do governo, que é a sua política de frente ampla.

O final do texto é ainda mais bizarro. Diz Pomar:

“Mais ‘fácil’ apenas e tão somente se tivermos a disposição de polarizar contra o neoliberalismo das duas direitas, tanto da tradicional quanto da extrema. Especialmente em momentos de crise, sem polarização e tesão não haverá solução nem salvação para a esquerda!”

O combate ao neoliberalismo é, de fato, uma questão decisiva. No entanto, vindo de Pomar, isso não passa de um discurso vazio. Como enfrentar o neoliberalismo sem, por exemplo, exigir a demissão de Simone Tebet e Fernando Haddad? Como enfrentar o neoliberalismo apostando em uma frente com o STF? Como enfrentar o neoliberalismo sem enfrentar os identitários que sabotam o governo diuturnamente? Como enfrentar o neoliberalismo sem mandar para casa Marina Silva e os inimigos do desenvolvimento nacional?

Sem medidas concretas como essa, o máximo que o governo conseguirá é ter um discurso antineoliberal. Isso não será suficiente para que se reeleja. Mas, quem sabe, essa pregação toda talvez sirva para Pomar consiga uns votos a mais nas eleições internas de seu partido.

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