América Latina

Milei entrega Argentina mais uma vez para piratas do FMI

Acordo prevê empréstimo de US$20 bilhões

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e as autoridades argentinas chegaram a um acordo “técnico” no valor de US$20 bilhões, com duração de 48 meses. A diretoria do FMI deverá se reunir na próxima sexta-feira (11) para bater o martelo sobre a questão. O FMI vem enaltecendo com frequência as reformas ultraliberais do presidente argentino, devido à sua propalada “estabilização da economia” baseada em uma “âncora fiscal” robusta — também conhecida como austeridade ou arrocho salarial —, destruição da assistência social, dos direitos trabalhistas, das despesas do governo e dos investimentos públicos. Junto a isso, a forte e violenta repressão aos movimentos sociais que ousam se manifestar.

A atuação do FMI na Argentina, desde seu início em 1946 com Juan Domingo Perón, é historicamente sinônimo de crise econômica e social. Perón escreveu em 1967, durante seu exílio na Espanha, um texto no qual descrevia a visita do presidente do recém-criado FMI, o belga Camille Gutt. Na ocasião, o “vampiro do FMI” convidou a Argentina a se associar ao fundo. Experiente, Perón pediu que seus assessores estudassem o assunto. Eles pesquisaram e concluíram que se tratava de mais uma armadilha econômica do imperialismo — uma arapuca para ampliar o controle das grandes potências sobre os países do capitalismo periférico, uma falsificação travestida de ajuda econômica.

Com o golpe militar de 1956 e a consequente derrubada de Perón, o ditador general Pedro Aramburu solicitou ajuda financeira ao FMI, iniciando uma relação danosa que perdura até hoje e mantém o povo argentino em situação de miséria. Pouco depois, entre 1958 e 1962, o FMI apoiou o governo de Arturo Frondizi, e, a seguir, o governo provisório de José Maria Guido (1962 a 1963), quando a dívida argentina com o FMI chegou a 2,1 bilhões de dólares (cerca de 7,5 bilhões de reais).

Nos anos 1950 e 1960, os empréstimos do FMI ainda não tinham o caráter vampiresco e predatório atual. Eram empréstimos de curto prazo, voltados a enfrentar problemas de liquidez e evitar desvalorizações excessivas das moedas locais, que poderiam desestabilizar as economias. A grande mudança veio em 1971, quando os EUA, para conter a concorrência da Europa e do Japão, desvalorizaram o dólar, rompendo com o compromisso de não aplicar desvalorizações competitivas. As moedas passaram a flutuar livremente, e os bancos assumiram o papel do FMI, tornando-o obsoleto. Ainda assim, o Fundo apoiou a ortodoxia econômica da ditadura militar argentina, quando a dívida do país saltou de 7 bilhões em 1976 para 42 bilhões em 1982.

Entre 1976 e 1978, a Argentina viveu sob um acordo com o FMI por 29 meses. Nesse período, o PIB cresceu apenas 1% e a inflação chegou a 265%, mesmo com o Fundo “controlando as contas”. A abertura do mercado argentino promovida por José Martinez de Hoz, ministro da Economia da ditadura, contou com apoio estratégico do FMI.

Nos anos 1980, o FMI reassumiu o protagonismo. Com a crise da dívida dos países endividados e o calote do México, os bancos privados deixaram de emprestar dinheiro e o Fundo voltou aos tempos de glória, impondo condições ainda mais draconianas aos países em crise.

Na Argentina, Raúl Alfonsín chegou à presidência após o fim da ditadura. O fracasso dos planos econômicos Austral e Primavera empurrou o país para a hiperinflação. O FMI voltou à carga, impondo duras condições em troca de cinco linhas de crédito para “salvar” uma economia em recessão.

O Plano Brady, nos anos 1990, transformou as dívidas externas impagáveis em títulos públicos de longo prazo. É neste cenário que surge o peronista neoliberal Carlos Menem, que propõe a paridade do peso com o dólar, conseguindo zerar a inflação. O FMI apoiou essa política e concedeu seis créditos até 1998. No entanto, as crises do México, da Rússia e do sudeste asiático tornaram inviável o modelo de Menem, baseado na entrada de dólares estrangeiros.

Fernando de la Rúa assumiu a presidência em meio a uma recessão econômica. O FMI defendeu a paridade e o modelo neoliberal, o que levou a dívida argentina de US$48 bilhões a US$144 bilhões em dezembro de 2001. O país então decretou o “corralito” e suspendeu o pagamento da dívida. O fracasso levou o FMI a um discreto mea culpa, e o Fundo elaborou um documento interno em 2003 reconhecendo seus erros.

Com a eleição de Néstor Kirchner e o boom das commodities, a Argentina se recuperou e transformou o déficit em superávit. Em um gesto simbólico, Kirchner quitou a dívida de US$9,8 bilhões com o FMI e se livrou da interferência da instituição.

Em 2018, o presidente Mauricio Macri, empresário neoliberal, recorreu ao FMI para “resgatar” a economia em colapso. A simples menção ao Fundo evoca más lembranças ao povo argentino, que associa o FMI ao arrocho, aos ajustes fiscais e às piores catástrofes financeiras. Quando Macri anunciou pela televisão o pedido de resgate, após 15 anos, ouviu-se nas ruas de Buenos Aires: “já vimos esse filme — e é de terror”.

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