A história da luta do povo palestino conta com figuras cujas vidas se entrelaçam profundamente com a defesa da identidade nacional e com a resistência contra a opressão colonial. Um desses nomes é Khalil al-Sakakini (1878–1953), pedagogo, intelectual e nacionalista árabe palestino, cuja biografia percorre algumas das fases mais importantes da história moderna da Palestina, desde os últimos anos do Império Otomano até a catástrofe da Nakba.
As raízes em Jerusalém
Khalil nasceu em Jerusalém, coração da Palestina histórica, filho de Qustandi al-Sakakini e Mariam Harami. Sua origem cristã ortodoxa nunca impediu que assumisse como missão a unidade do povo árabe, independente de religião.
Teve dois irmãos, Ya‘qub e Yusuf, e duas irmãs, Milia e Froso. Mais tarde, casou-se com Sultana Abdu, com quem teve três filhos: Sari, Hala e Dumia.
Desde cedo, Sakakini teve contato com a educação tradicional, estudando na escola ortodoxa grega e em instituições protestantes missionárias, como a escola anglicana CMS e o colégio de Bishop Gobat. No Shabab College, teve como mestre Nakhla Zurayq, notável educador e defensor da cultura árabe, que deixou forte influência em sua formação.
Um educador em combate
Após se formar em 1893, Sakakini iniciou sua carreira como professor e, já em 1898, passou a integrar a Sociedade Zahrat al-Adab. Seu engajamento intelectual e político o levou, em 1907, aos Estados Unidos, onde trabalhou em diversos ofícios – de professor de árabe a operário de fábrica – sempre sem abandonar a militância cultural. Escreveu para o periódico al-Jami‘a, editado por Farah Antun, contribuindo com artigos em defesa da cultura árabe e dos direitos do povo palestino.
De volta à Palestina em 1908, no contexto da revolução dos Jovens Turcos, Sakakini envolveu-se com o Comitê de União e Progresso e com a Sociedade Árabe-Otomana, defendendo uma reforma democrática do Estado. No entanto, compreendendo a limitação do projeto otomano e sua natureza antiárabe, logo voltou-se à luta nacional.
Arabização da Igreja Ortodoxa
Nesse mesmo período, Sakakini travou uma das batalhas mais significativas de sua vida: a luta pela arabização da Igreja Ortodoxa na Palestina, que era dominada por um clero grego alheio aos fiéis árabes. Denunciando essa forma de dominação colonial, defendeu o direito dos árabes cristãos à sua própria representação eclesiástica.
Em 1909, fundou a Escola Dusturiyya, aberta a estudantes de todas as religiões e seitas, e baseada em métodos científicos e laicos. A escola era um projeto pedagógico revolucionário, que antecipava o papel da educação na construção de uma consciência nacional palestina.
Repressão otomana e adesão à Revolta Árabe
No inverno de 1914, Sakakini foi nomeado para o conselho educacional da província de Jerusalém, encarregado de supervisionar professores e currículos. Nomeado também professor da escola Salahiyya, procurou reformar o ensino, reforçando o papel da língua árabe e o caráter secular da educação.
Em dezembro de 1917, foi preso pelo regime otomano por abrigar em sua casa um judeu que havia imigrado ilegalmente para a Palestina. Foi enviado à prisão de Bab al-Jabiya, em Damasco, e só foi libertado em janeiro de 1918. Pouco depois, passou a dar aulas de inglês e, em agosto, viajou clandestinamente a Aqaba para se unir a Emir Faiçal na Revolta Árabe contra o domínio turco.
O confronto com o Mandato Britânico e o sionismo
Após breve passagem pelo Egito, Sakakini retornou a Jerusalém em 1919 e foi nomeado chefe do Colégio de Professores. Em 1920, ao ver Herbert Samuel – judeu sionista declarado – assumir como Alto Comissário Britânico na Palestina, renunciou ao cargo e voltou ao Egito, onde dirigiu o departamento de árabe da escola Ubaydiyya.
Voltando novamente à Palestina em 1922, retomou a militância nacional. Participou do V Congresso Nacional Palestino em Nablus e foi eleito secretário do Comitê Executivo Árabe em 1923 e 1924. Como jornalista, colaborou com revistas egípcias como al-Muqtataf e al-Hilal, denunciando a política colonial britânica e o projeto sionista de ocupação da Palestina.
Nomeado Inspetor-Geral da Língua Árabe em 1925, passou a integrar também a Academia Árabe de Damasco. Nos congressos árabes de 1928 e 1931, denunciou os esforços britânicos de semear divisões religiosas para enfraquecer a luta nacional. Chegou a trabalhar brevemente na rádio controlada pelo Mandato Britânico, mas se demitiu ao ouvir um locutor judeu proclamar: “esta é a terra de ‘Israel’”.
Da educação à resistência
Aos 60 anos, em 1938, fundou o Colégio Nahda em Jerusalém. A instituição, laica e nacionalista, tornou-se uma referência no ensino moderno palestino, articulando a resistência política à formação cultural. Permaneceu à frente da escola até a Nakba de 1948, quando foi expulso de sua casa no bairro de Qatamon, em Jerusalém, após o ataque das forças sionistas.
Refugiou-se no Egito, onde foi acolhido pela Academia da Língua Árabe do Cairo, por indicação de Taha Hussein. Passou a escrever regularmente na imprensa egípcia, mantendo-se até o fim como uma voz firme em defesa da causa palestina.
Uma vida de perdas e firmeza
A trajetória de Sakakini foi marcada por grandes perdas pessoais. Em 1939, morreu sua esposa, por quem nutria profunda afeição. Em 1953, faleceu seu filho Sari, após longa doença. Incapaz de suportar a dor, Khalil faleceu três meses depois e foi enterrado no cemitério ortodoxo de São Jorge, no Cairo.