A 9ª Vara Federal decidiu que a Prefeitura de Porto Alegre não tem responsabilidade pelos gigantescos danos causados nas enchentes que aconteceram em maio do ano passado no Rio Grande do Sul. Os pedidos de indenização foram feitos por moradores do bairro Sarandi, gravemente afetado na ocasião. Contrariando o histórico de fortes chuvas na região, o juiz determinou que o volume de chuvas foi excepcional e imprevisível.
Nas palavras do juiz: “em caso de danos materiais provocados por enchentes decorrentes de precipitações em volumes anormais e excepcionais, como no presente caso, deve-se considerar que se trata de evento não previsível, não sendo cabível atribuir ao Poder Público, em qualquer esfera, o dever de suportar o custo de todos os prejuízos sofridos pelos particulares, sob pena de se atribuir a condição de segurador universal”.
Em nível municipal, a 1ª Turma Recursal da Fazenda Pública já havia negado indenização referente a alagamento em 2023, onde também foi apontada a imprevisibilidade de “desastres climáticos”. Em bom “juridiquês”, a decisão diz que “há causas que rompem o nexo de causalidade, excluindo a responsabilidade de indenizar, seja por fatos de culpa exclusiva da vítima ou por força maior, perda consistente em acontecimento imprevisível, inevitável e alheio à vontade das partes”.
Citado em entrevistas, o procurador-chefe da Procuradoria de Indenizações do município diz que não caberia indenização, pois “a ação ou omissão do poder público não teria evitado ou reduzido os danos causados por um fenômeno climático extremo”. E ainda que:
“A decisão da Justiça Federal reconhece que as enchentes de maio de 2024 são o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul e, portanto, não há como responsabilizar o Município pelos danos sofridos pela população”
É como se a população estivesse pedindo indenização pela queda de um meteoro ou pela súbita emergência de um vulcão na cidade. Mas o problema das chuvas em Porto Alegre é muito previsível. Como levantado por este Diário, há registros jornalísticos de grandes enchentes na cidade em 1897, 1905, 1912, 1914 e 1926, por exemplo. Além das enchentes de 1941 e 1967. Tanto que foi construído todo um sistema de prevenção de enchentes na cidade. Nada menos do que 68 quilômetros de diques de terra, com trechos mais reforçados em pontos mais críticos, mantendo uma elevação de 6 metros em relação ao nível médio do Rio Guaíba.
Mas esse sistema desde então sofre com a falta de manutenção dos governos neoliberais. Nas enchentes de 2024, o nível do Guaíba subiu 5,33 metros, ou seja, dentro da margem projetada pelo sistema de prevenção de enchentes. O problema é que ocorreram diversas falhas no sistema, justamente pela falta de manutenção e atualização. É o caso de várias comportas que não bloquearam as águas do rio por falta de vedação entre placas de metal e o dique de concreto. Diversas bombas de drenagem falharam e seus dutos acabaram servindo como caminho para as águas invadirem os bairros. Um enorme sistema de prevenção de enchentes, porém abandonado há décadas.
Em números oficiais, foram 183 pessoas mortas e 27 desaparecidos, contabilizando um total de 210 vítimas fatais. Milhares de pessoas desabrigadas e que perderam tudo ou quase tudo que tinham. Por culpa dos governos neoliberais, que desmontam os serviços prestados pelo Estado para beneficiar os parasitas do mercado financeiro. Mas a imprensa e o judiciário culpam a natureza, como ocorrido nas últimas chuvas em São Paulo.