Hélio Rocha

Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é repórter de meio ambiente e direitos sociais em Plurale em Revista e correspondente em Pequim.

Coluna

Jethro Tull e o surgimento do conceito no rock

"A experiência, embora tenham tentado repeti-la, nunca retornou com a mesma força de 'Thick as a brick'"

Quando se fala em álbum conceitual, no mundo do rock, sempre as pessoas estão se referindo a discos em que as músicas, de alguma forma, possuam um eixo em comum que transmitam uma mensagem, contem uma história, conectem conceitos. Daí a palavra.

Entretanto, em 1972, Ian Anderson, líder da histórica banda de rock progressivo Jethro Tull, discordou dessa opinião. Quando chamaram seu histórico “Aqualung” (1971) de “álbum conceitual”, ficou furioso pelos críticos tentarem entender conexões que não existiam, entre músicas que apenas expressavam um conjunto diferente, porém aproximado, de seus próprios sentimentos de rejeição pelo mundo.

Por isso, no ano seguinte ele radicalizou a ideia de álbum conceitual, transformando-o no que imaginava ser o certo. Não apenas músicas que se relacionassem de alguma forma. Em “Thick as a brick” Anderson trouxe um tijolo, como diz o próprio nome do disco: “Grosso como um tijolo”. Um duplo significado. Por um lado, uma explicação didática sobre o que era seu álbum: monolítico, uma só canção de 43 minutos e 46 segundos, passeando por diferentes ritmos, melodias e letras, todas contando a história de um garoto que sonha em crescer e não ser mais… “burro como uma porta”, o outro significado do título, já que é a expressão à qual “thick as a brick” equivale em inglês.

Era uma patada nos críticos musicais, que agora poderiam entender do que se tratava a alcunha de álbum conceitual.

Um pouco de Monty Python

A banda, acima, e seus inspiradores do Monty Python, abaixo.

Quem viveu os anos 1970 na Inglaterra, ou já se aventurou pelas páginas e vídeos cults da internet, já se encontrou com referências ou vídeos diretos de Monty Python, um grupo de humor inglês sem igual até os dias de hoje. Se vários outros já existiam, no Brasil e no mundo, e vieram a existir na Inglaterra, o humor sarcástico, ao mesmo tempo ingênuo e cínico, básico e intelectual, com direito a algumas cenas trash e grind, de Monty Python, jamais foi imitado.

Basta buscar o famoso vídeo do “futebol dos filósofos”, em que pensadores gregos e alemães fazem uma final de campeonato e esquecem a bola, ou o vídeo do cavaleiro, em que o homem em guarda perde os membros para o inimigo, um por um, e não se recusa a lutar, mesmo que tenha se tornado um cotoco largado ao chão.

Em “Thick as a brick”, numa mistura de recursos musicais, entre flauta, percussões asiáticas, recursos ao folk americano, foxtrot e ao peso do rock’n’roll dos anos 1960, de Chuck Berry até a geração Woodstock, Ian Anderson canta e conta a história de Gerald Bostock. Ele é um garoto que sai da adolescência para a fase adulta, mas os mais velhos o consideram ainda ingênuo e incapaz de compreender o mundo, o que irrita Bostock, ciente, como todos os adolescentes, de que já sabe o que precisa saber. Daí advém a frase mais famosa do álbum, que não se pode dizer que constitui refrão, porque a constituição do álbum é de alternâncias melódicas praticamente irretornáveis: “And the wise man don’t know what it feels… to be thick as a brick”.

O restante do álbum são piadas ácidas com o cenário musical, artístico e a própria moral britânica do início dos anos 1970, que é onde o álbum se encontra com Monty Python. As sequências, no fluxo de pensamentos de Bostock, vai falar de diversas notícias de um jornal, cuja manchete é a rejeição do garoto num concurso de poesia, por ser demasiado ofensivo e revelador de uma personagem emocionalmente instável. Ela representa o movimento principal da peça, logo ao início.

Depois, há uma interessante sequência de notícias sobre outros fatos da vida de Bostock, na retranca do título principal, e a periferia da página é ocupada sobre fatos ingleses variados, como um piloto britânico abatido por um avião alemão, encontrado perdido entre coelhos, e confundido com eles por um caçador.

Esse modelo, em que canções funcionam como quadros humorísticos inspirados em Monty Python, conectados a toda uma música que é a leitura do próprio jornal, constitui o que Ian Anderson acreditava ser o álbum conceitual. O encarte do disco, inclusive, não tem letras. A página de jornal é desdobrada e, assim, há a frente e o verso em que se lê as notícias de que a letra vai falando, dentro de seus 43:46 minutos. Encaixa-se na parte da frente, como capa do disco, a parte superior da página, com o título do jornal e a manchete sobre o poema rejeitado de Geralt Bostock. Veja:

Pioneiro do rock progressivo

Alguns críticos apontam que, embora existissem bandas de rock progressivo já antes desse álbum, inclusive o próprio Jethro Tull, este disco seria o primeiro álbum realmente do gênero, além, é claro, do primeiro álbum conceitual. Outros teimaram que a produção de Ian Anderson não era mais que um rebuscamento regado à excentricidade, já que, até aquele momento, jamais tinham feito um disco de faixas contínuas, já que até as sinfonias da era erudita eram divididas em quatro movimentos cada.

O álbum atravessou o tempo. A experiência, embora tenham tentado repeti-la, nunca retornou com a mesma força de “Thick as a brick”.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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