Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Indonésia: a gota d’água

O modelo extrativista, longe de gerar prosperidade, aprofundou a desigualdade

A população da Indonésia levantou-se em fúria contra o governo despótico do presidente Prabowo Subianto e as péssimas condições em que vive no país. A divulgação de um aumento dos salários dos deputados para 14.000 dólares serviu como faísca para incendiar o país. Os protestos ocorreram ao longo da última semana de agosto, em Jacarta, com manifestantes pedindo soluções para as dificuldades econômicas, a corrupção e os grandes benefícios concedidos aos integrantes do Poder Legislativo. As multidões ficaram enfurecidas quando, em meio a manifestações pacíficas, uma viatura policial atropelou e matou um manifestante.

O caso provocou comoção entre a população, que saiu às ruas em várias cidades do país. Em um protesto radical em Macáçar, principal cidade do sul da ilha de Celebes, manifestantes lançaram pedras e coquetéis molotov, incendiando um prédio do conselho provincial local e vários veículos. A polícia reprimiu violentamente as manifestações, o que resultou na morte de três pessoas. Duas faleceram no local dos fatos e uma no hospital. Muitas pessoas ficaram presas no prédio em chamas, fazendo com que ao menos outras quatro pessoas fossem hospitalizadas.

Manifestantes colocaram fogo no Conselho Municipal de Macáçar

O presidente Prabowo Subianto tentou criminalizar o movimento, declarando que os protestos constituem “traição” e “terrorismo”. Jacarta também foi cenário de confrontos violentos entre manifestantes e as forças de segurança. As manifestações continuaram entre 30 e 31 de agosto em diferentes pontos do país, como na ilha de Bali, onde centenas de estudantes e motoristas de mototáxi protestaram em frente à sede da polícia local. Bali é o centro do turismo na Indonésia, e os protestos visavam chamar a atenção internacional sobre a injustiça legal, a corrupção e a impunidade dos crimes policiais.

Também houve mobilizações na vizinha ilha de Lombok e na de Java. Em resposta à onda de violência, a rede social TikTok anunciou que, atendendo a pedido do governo, suspendeu por “alguns dias” sua função de transmissões ao vivo no país. Com mais de 100 milhões de usuários, a Indonésia tem uma das maiores audiências da rede social em todo o mundo. Estas são as manifestações mais violentas que o presidente indonésio, Prabowo Subianto, enfrentou desde sua chegada ao poder em outubro do ano passado.

As razões da crise

Vários mortos, centenas de feridos e milhares de presos são os resultados provisórios de uma rebelião não apenas contra o aumento dos subsídios parlamentares, mas também contra o modelo rentista e extrativista que condenou o país a exportar seu futuro na forma de minérios brutos. A Indonésia, a “economia da pedra”, orgulha-se de ser a maior exportadora mundial de carvão térmico e níquel, e líder regional em óleo de palma e cobre. O governo alardeia o crescimento econômico — que o governo de Prabowo Subianto prometeu aumentar para 8% ao ano —, mas, na verdade, a economia do país é muito dependente da exportação de matérias-primas não processadas, enquanto a indústria manufatureira reduziu sua participação na economia do país.

Os manifestantes, liderados por estudantes e sindicatos de trabalhadores, exigem a redução dos subsídios parlamentares, o aumento do salário mínimo e uma profunda reforma dos sistemas tributário e trabalhista.

A economia enfrenta problemas estruturais. Ao contrário do que pensam as pessoas, a Indonésia não é um país moderno e industrial. A indústria contribui apenas com 18,98% do PIB, sendo que o setor primário agrícola contribui com 12,53% e o primário mineral com 11,20%, totalizando 23,73%. O setor de serviços contribui majoritariamente com 43,77%. O resultado é que as exportações do país estão concentradas em produtos primários, sendo 23% de combustíveis minerais, 12,2% de metais comuns, 14,2% de produtos agrícolas e apenas 14% de produtos manufaturados. Já a dívida externa aumentou de US$ 424 bilhões (2024) para US$ 433,3 bilhões, em junho de 2025, o maior valor já registrado.

Em 2025, a inflação foi de 2,37% em julho. A inflação está em queda, mas com pressão recente nos preços dos alimentos (+3,75% em julho de 2025). Os salários são muito baixos, sendo que o salário médio caiu de 3.267.618 para 3.094.818 rúpias indonésias por mês entre o terceiro trimestre de 2024 e o primeiro de 2025, valendo cerca de 980 reais.

Além disso, no mercado de trabalho cerca de 60% dos trabalhadores estão na informalidade, sem proteção social ou estabilidade. O desemprego é crescente, sendo que mais de 42 mil pessoas perderam seus empregos apenas em 2025, e o governo parou de divulgar dados oficiais sobre o mercado de trabalho, alegando risco de “pânico público”. Há um aumento crescente da desigualdade social, sendo que quase 10 milhões de indonésios caíram para faixas de renda mais baixas ou pobreza absoluta nos últimos cinco anos. A desigualdade é estrutural, e o governo favorece elites políticas e empresariais, alimentando o sentimento de injustiça. A Indonésia vive, portanto, uma crise social profunda, mesmo que os indicadores macroeconômicos ainda apontem para um crescimento moderado de cerca de 5% ao ano. A população está exigindo reformas estruturais, transparência e justiça social.

O modelo perverso

O modelo extrativista, longe de gerar prosperidade, aprofundou a desigualdade. Enquanto os parlamentares se concedem um subsídio mensal de moradia de 50 milhões de rupias (US$ 3.000), quase dez vezes o salário mínimo de Jacarta, 40% dos indonésios vivem com menos de US$ 3,50 por dia. O “milagre mineral” destruiu a floresta tropical, com as minas de carvão envenenando rios e a burguesia se enriquecendo à custa da destruição ambiental e social.

O governo de Prabowo desenvolveu uma política de agregar valor aos minerais antes de exportá-los. Mas essa estratégia, longe de resolver problemas estruturais, exacerbou a dependência do capital estrangeiro e a destruição ambiental. Em Papua, a mineração de níquel deixou um rastro de desastre ecológico e violência contra comunidades indígenas. Enquanto isso, o carvão continua sendo a galinha dos ovos de ouro: 31 milhões de toneladas adicionais de capacidade de mineração estão em desenvolvimento, apesar dos alertas sobre as mudanças climáticas.

O resultado é um país que exporta produtos não processados, mas importa alimentos básicos como trigo, soja e açúcar. Uma economia dependente do preço internacional do carvão e do níquel, enquanto sua população afunda na pobreza. Um modelo que criou uma burguesia rentista vivendo nas torres de Jacarta, enquanto o resto do país luta entre a precariedade e a repressão.

A luta de classes se aprofunda

Os protestos de agosto são apenas o começo. A burguesia extrativista, encurralada pela situação econômica e pela pressão popular, vai certamente recorrer à repressão para se manter no poder. Prabowo, ex-general acusado de crimes de guerra em Timor-Leste e Papua, já alertou que tomará “medidas radicais” se necessário. Mas as ruas mostraram que os trabalhadores e estudantes não recuarão. A luta de classes na Indonésia não é mais uma teoria: é uma realidade incendiária.

O país enfrenta uma encruzilhada: ou aprofunda o modelo extrativista e rentista, condenando sua população à pobreza e o país à irrelevância, ou rompe com o passado e constrói uma economia diversificada, justa e sustentável. A luta de classes começou e, a partir de agora, os trabalhadores não permanecerão em silêncio.

A herança da ditadura no governo

Durante anos, o imperialismo apresentou a Indonésia como “a grande democracia do Sudeste Asiático”, um país capaz de conciliar crescimento com pluralismo político. Depois desses protestos, essa mentira não se sustenta mais. A eleição fraudulenta de um ex-militar presidente com um passado autoritário, genro do ditador Suharto, a repressão aos protestos sociais e a deterioração da vida cotidiana revelam que a estabilidade era apenas um pacto entre setores da classe dominante.

A Indonésia é hoje o espelho de um dilema mais amplo no Sul Global: crescer sem se desenvolver, exportar riqueza e permanecer na pobreza. A semelhança com a economia brasileira de hoje não é mera coincidência: é fruto da mesma conciliação entre imperialismo e uma burguesia exportadora, cada vez mais dependente do agronegócio e com uma indústria cada vez menos importante.

Um país vasto e diverso, com recursos estratégicos, mas que permanece preso à dependência e ao ciclo vicioso do extrativismo. As chamas que iluminaram Jacarta não são apenas uma explosão: são um sintoma de que a economia semicolonial não consegue mais sustentar a fachada democrática de um sistema que condena a maioria a viver sob o domínio do imperialismo e da repressão policial violenta.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a deste Diário

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