Todos concordam que foi feito um acordo odioso entre os Estados Unidos e a União Europeia. Alguns falam em rendição, humilhação, traição. O que mais assusta é a frustração daqueles que defenderam, contra todas as evidências, que havia uma marcha irreversível desta União Europeia rumo a um Estado Federal capaz de se tornar uma entidade geopolítica decisiva, num mundo em transformação radical. A ideia de autonomia estratégica se transformou no seu oposto: total submissão ao imperialismo norte-americano.
A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deixou de representar uma Europa Fortaleza em processo de militarização, para reforçar tragicamente sua dependência de uns EUA em crise, um ator secundário em uma guerra por procuração (através da Ucrânia) da OTAN contra a Rússia.
Uma Europa cada vez mais dividida entre uma velha direita cada vez mais ultrapassada e uma extrema direita determinada a demonstrar que é a verdadeira interlocutora do “mestre e chefe” do atlantismo, uma defensora intransigente do verdadeiro Ocidente. Em muitos países da UE, a disputa eleitoral está cada vez mais sendo decidida entre essas duas versões da direita, ambas totalmente comprometidas com um liberalismo conservador e autoritário. À esquerda, não resta muito, a tendência geral é a desintegração da velha social-democracia e o desaparecimento progressivo da esquerda alternativa em suas diversas versões. Há algumas exceções importantes como a França Insubmissa e o novo partido lançado na Inglaterra por Corbyn. Mas o que deveria ser uma onda vermelha contra a violência e a podridão do imperialismo não acontece.
Mesmo para quem já se acostumou com a postura europeia dos últimos anos se pergunta: como entender uma capitulação tão degradante? A burguesia europeia ensaiava alguma rebelião, ao tentar manter a guerra da Ucrânia a todo custo e ao buscar um fortalecimento militar.
Não há dúvida que os países europeus sempre foram geopoliticamente vinculados aos EUA, que usaram a Guerra Fria para literalmente ocupar militarmente seus territórios, e estabelecer uma soberania limitada para seus governos. Seus sistemas políticos e classes dominantes foram moldados, reconstruídos e organizados pelos EUA e são parte fundamental de seu sistema de dominação e controle global.
Os EUA sempre aparecem como oferecendo proteção aos grupos economicamente dominantes contra o inimigo externo (a URSS, depois os vários terrorismos e agora, a Rússia e a China) e o inimigo interno (a esquerda socialista e comunista).
A hegemonia americana foi forjada na Europa pela combinação estratégica de hard power (OTAN e intervenção permanente em Estados individuais), soft power (cooptação sistemática de elites econômicas, políticas e culturais; apoio a forças políticas com ideias semelhantes e promoção do estilo de vida americano, a partir de seu controle quase ilimitado dos aparatos ideológicos e da mídia) e poder estrutural, ou seja, sua capacidade de definir as regras globais do sistema internacional e controlar as principais instituições (FMI, Banco Mundial, ONU, OMC).
A União Europeia foi desde o seu início uma construção impulsionada, supervisionada e, em última análise, dominada pelo chamado Estado Profundo norte-americano, sendo que havia pouca diferenciação entre as diversas administrações americanas. Toda estrutura da UE com seu simulacro “democrático” sempre foi rigidamente controlada pela burocracia atlantista da Comissão Europeia. Houve momentos de maior ou menor autonomia, mas isso sempre foi relativo, dependendo da conjuntura internacional, da dinâmica interna da União e, sobretudo, das necessidades dos EUA.
Na Nova Ordem Unipolar, após a dissolução da URSS, em termos econômicos, a economia alemã dominava as outras economias através do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do FMI (a famosa troika) e estabeleceu-se uma divisão de trabalho entre elas, moldada de acordo com uma estratégia que priorizava sempre o elo atlântico, ou seja, os interesses globais dos EUA. O Tratado de Maastricht, a rápida integração dos países do Leste Europeu, a ampliação da OTAN e, crucialmente, a unidade alemã chancelaram a “nova Europa”, com os antigos países socialistas como sua vanguarda armada, liberais, nacionalistas e aliados privilegiados dos Estados Unidos.
Nada havia, no entanto, de uma convivência pacífica. Os 78 dias de bombardeios da OTAN contra uma Iugoslávia em processo de desmembramento final mostraram isso. Os líderes chineses compreenderam, após o bombardeio intencional de sua embaixada em Belgrado, que a Pax Americana inaugurava um período de guerras e conflitos e, onde eles seriam o alvo.
O resultado foi a formação do “Ocidente coletivo”, em oposição ao tripé formado por Rússia, Irã e China. As elites europeias abraçaram essa política com entusiasmo e estabeleceram uma aliança sólida com a classe dominante americana, com quem compartilhavam cultura, análise e, acima de tudo, objetivos. Apesar disso, houve um início de dissidência, com a aproximação cada vez maior com a economia russa e chinesa (Cinturão e Rota). O golpe de Estado na Ucrânia e, depois, a provocação à Rússia que redundou na “operação militar especial” criou a situação ideal para uma ruptura da Europa com a Rússia e um afastamento da China.
A explosão dos gasodutos “Nord Stream” 1 e 2 demonstrou que os EUA estavam falando sério e que qualquer possível aliança entre Rússia e Alemanha estava chegando ao fim. Os sonhos de autonomia foram abandonados e a Europa mergulhou em uma profunda crise econômica, política e social. A OTAN (os EUA) controlou a verdadeira agenda política e acabou efetivamente impondo esta agenda à União Europeia.
A estratégia dos EUA não deu certo, porque, apesar de tantas sanções e bloqueios, a Rússia não entrou em colapso e reconstruiu-se política, econômica, financeira, técnica e militarmente. A Ucrânia, apesar dos vastos recursos humanos e materiais fornecidos pelo Ocidente coletivo, não conseguiu enfrentar a Rússia porque o poder militar ocidental revelou-se uma tragédia no terreno, demonstrando atraso tecnológico e pouca força ofensiva. A isso juntou-se a não constituição de uma vontade nacional ucraniana a favor da guerra, com a emigração de milhões de ucranianos. O nazismo ucraniano não galvanizou a população e teve pouca contribuição estratégica: a guerra de atrito e a arte operacional russa erodiram suas capacidades militares e reservas estratégicas e minaram os fundamentos de um regime político falido.
Os países capitalistas periféricos se viram fortemente atraídos por Rússia e China seja para romper com a dominação ocidental, seja para modernizar e desenvolver suas economias. O confronto do Ocidente com esses países acabou por acelerar o seu próprio declínio, e ter que desenvolver uma contraofensiva geral contra seus próprios aliados ou os chamados emergentes.
Um acordo humilhante
Quando Trump se sentou com a Sra. Ursula von der Leyen em seu campo de golfe, um local “primorosamente neutro”, ele viu que o jogo seria vencido facilmente. Ninguém entendeu uma submissão tão integral e avassaladora da Europa. Havia ali uma grande oportunidade de ruptura “soberana” diante das propostas humilhantes feitas pelo contraditório milionário louro. Não houve necessidade de chantagem ou ameaças, pois o que ele obteve foi uma rendição completa, como ele esperava receber do Irã. O que foi acordado é um absurdo completo: tarifas de 15% sobre produtos da UE; aço e alumínio a 50%. Compras de combustíveis fósseis apenas dos Estados Unidos no valor de US$ 750 bilhões em três anos; e investimentos, principalmente em armas norte-americanas, totalizando US$ 600 bilhões.
Supõe-se que é um acordo-quadro que ainda deva passar pela aprovação formal de todos os países, pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu. Ele foi feito entre um chefe de Estado plenipotenciário, e uma débil presidente da Comissão Europeia que agiu como se tivesse poder e representatividade para isso. Definitivamente, ela não possuía a autoridade jurídica e política necessária para chegar a um acordo neste nível. Todo mundo sabe que a cúpula da Comissão Europeia é um instrumento dos EUA no continente.
Além dessa questão jurídica, há uma questão de viabilidade: as decisões têm consequências técnico-produtivas, de gestão e de implementação tão graves que levantam sérias dúvidas sobre a sua viabilidade. De qualquer maneira, na 38ª Cúpula da OTAN realizada em Haia em 24 e 25 de junho de 2025, decidiu-se tudo que os EUA queriam e mais: rearmamento geral, compras maciças de armas e, por outro lado, abandono da proposta de um complexo militar-industrial europeu unificado. A OTAN vai continuar apoiando a Ucrânia, os inimigos são a Rússia e o terrorismo. Os Estados irão financiar-se e, sobretudo, endividar-se individualmente, atingindo 3,5% do PIB, mais 1,5% das despesas associadas à segurança e defesa. A hierarquia existente entre os Estados, com base nas suas capacidades reais, é mantida, e a liderança efetiva do processo fica a cargo da Alemanha.
Em outras palavras, os aliados devem autofinanciar os custos de sua proteção, promovendo a reindustrialização dos EUA, comprando armas e energia em grandes quantidades e investindo em tecnologias decisivas. Em suma, criar um espaço econômico, comercial, tecnológico e político-militar integrado, adaptado às necessidades de uma América do Norte em crise. Não é preciso muita imaginação geopolítica para entender que se trata de uma preparação ativa para uma guerra global.
O que virá a seguir dependerá em grande parte dos EUA. A guerra na Ucrânia está perdida e sua frente político-militar está à beira do colapso. A União Europeia, a começar pela Alemanha, no entanto, se opõe radicalmente a qualquer acordo que, de uma forma ou de outra, implique uma vitória para a Rússia.
A reunião no Alasca entre Trump e Putin aparentemente favoreceu Putin. Como o teor da conversa não foi divulgado, fica difícil definir se isto é verdade. Houve uma reação histérica na imprensa ocidental dos líderes europeus, que não aceitam a derrota frente à Ucrânia. Haverá uma reunião de Trump com Zelenski que pode colocar o ditador ucraniano em xeque-mate.
Os países da União Europeia não aprovaram uma declaração conjunta sobre a cúpula entre a Rússia e os Estados Unidos no Alasca. Embora uma reunião dos embaixadores dos 27 membros tenha sido convocada no início de 16 de Agosto, eles não divulgaram nenhuma declaração conjunta.
Em vez disso, os líderes de Bruxelas, juntamente com os chefes de Estado de cinco dos 27 Estados-membros e do Reino Unido, emitiram uma declaração, que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, publicou no X/Twitter, ou seja, um punhado de burocratas, juntamente com seus amigos mais próximos, usurpam os recursos da União Europeia.
Em vez de ser intitulado “Declaração da UE”, o documento é intitulado “Declaração da presidente von der Leyen, presidente Emmanuel Macron, primeira-ministra Giorgia Meloni, chanceler Friedrich Merz, primeiro-ministro Keir Starmer, presidente [da Finlândia] Alexander Stubb, primeiro-ministro [da Polônia] Donald Tusk, presidente [do Conselho da União Europeia] Antonio Costa”.
O documento não apoia a principal tese de Putin que Trump endossou: a necessidade de uma solução de longo prazo para a Guerra da Ucrânia antes de um cessar-fogo preliminar. O texto europeu não apresenta uma nova proposta de paz, mas reitera os argumentos habituais de Bruxelas, desde promessas de suprimentos militares até apelos por uma “paz justa”. Os signatários esquecem que a correlação de forças no terreno não entende o que eles chamam de “justiça”.





