Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Equador: o golpe e a fraude eleitoral

"As medidas de exceção adotadas tiveram como objetivo impedir a mobilização popular no período pós-eleitoral, pois o governo sabia que haveria questionamento dos resultados"

Com mais de 13 milhões de eleitores registrados, o Equador enfrentou um segundo turno presidencial entre Daniel Noboa e Luisa González. O apoio aberto do imperialismo norte-americano e da extrema-direita eleitoral ao candidato Noboa torna essa eleição um jogo de cartas marcadas.

São duas candidaturas antagônicas: a continuidade do presidente Daniel Noboa, formado em universidades americanas e filho da aristocracia e da direita empresarial equatoriana, ou o retorno do reformismo nacionalista liderado pela filha de camponeses, Luisa González.

As opções da direita e do imperialismo vão desde uma vitória incerta até a fraude eleitoral e o golpe de Estado. Uma outra opção extrema — o assassinato da candidata de esquerda — não pode ser descartada. O candidato Noboa, que é o atual presidente, mandou retirar a escolta armada da candidata González, deixando-a totalmente indefesa frente a possíveis agressões.

A situação relatada pela candidata presidencial equatoriana é muito grave, tendo em vista que era a equipe militar que a protegia durante sua campanha. Ela culpa o candidato presidencial Daniel Noboa, o ministro da Defesa, Jean Carlo Loffredo, e Jaime Vela, chefe das Forças Armadas do Equador. Ela chama a decisão de Noboa de um atentado à sua vida.

Dois projetos em disputa

O candidato da direita é filho de um dos homens mais ricos do Equador. Noboa chegou ao poder em novembro de 2023 para completar o mandato do presidente anterior, como um outsider prometendo renovação. No entanto, sua administração foi caracterizada pelo aumento da violência, insegurança e tráfico de drogas. O país viveu, neste período, recorrentes cortes de energia de até 12 horas por dia, que Noboa não soube ou não quis enfrentar, atribuindo o problema a uma grande seca que realmente debilitou a série de usinas hidrelétricas existentes.

A economia permaneceu estagnada, o que só aumentou o enorme desemprego. O Equador foi um país vítima do pior experimento de política neoliberal, que levou à bancarrota da economia e deixou como legado o fato de que o Equador tem o dólar americano como única moeda nacional. Durante a campanha, o candidato da direita evitou grandes manifestações e concentrou seus discursos em atacar o legado de Rafael Correa, vinculando Luisa González à “corrupção do passado”.

O governo de Noboa se caracterizou por uma política de austeridade neoliberal, cujo resultado foi o aumento gigantesco do crime organizado, que Noboa se dedicou a combater militarizando o governo em todos os níveis. Consagrou-se pela invasão violenta da embaixada do México, para sequestrar e prender Jorge Glas, que foi integrante do governo de Rafael Correa e foi envolvido no lawfare criado contra o próprio Correa.

No caminho para a militarização total, a principal proposta da campanha de Noboa se concentra no estabelecimento de bases militares e infraestrutura dos EUA, projetadas como parte de acordos militares assinados com aquele país, que lhe concedem capacidade total e imunidade para pousar no ar, mar, terra e ciberespaço. Esses elementos, mais a declaração de conflito armado interno (2024), definem a militarização como um dos eixos centrais das propostas de Noboa.

Recentemente, Noboa assinou um acordo com um conhecido mercenário norte-americano, Erik Prince, ex-oficial militar dos EUA e fundador da empresa militar privada Blackwater — atualmente conhecida como Academi. Prince é internacionalmente conhecido por suas operações fora da lei, com massacres e violações dos direitos humanos. Vem ajudando a campanha eleitoral do presidente com campanhas contra a Venezuela e o correísmo, além do sexismo, em que ataca a dignidade da candidata progressista Luisa González.

Luisa González: o retorno da Revolução Cidadã

Ex-ministra de Correa, González personifica o projeto político que governou o Equador entre 2007 e 2017. Sua plataforma promete fortalecer as políticas sociais, reativar a economia com foco produtivo e combater a insegurança com estratégias abrangentes. Em suas considerações finais, ela enfatizou as alianças com as mulheres, a juventude e o movimento indígena, além de criticar o neoliberalismo de Noboa. Seu desafio é convencer um eleitorado que ainda se lembra das conquistas do correísmo, mas que deu vitórias sucessivas a candidatos da direita depois do governo do traidor da esquerda e do povo, Lenín Moreno.

O voto indígena

Nenhuma eleição de segundo turno no Equador é decidida sem considerar o movimento indígena, um ator-chave em protestos históricos e mudanças políticas. Nas últimas eleições em que o correísmo foi derrotado, este movimento apoiou o candidato da direita. Desta vez, seu braço político — Pachakutik — assinou um acordo programático com a Revolução Cidadã em 31 de março. O pacto inclui:

  • Defender os direitos coletivos dos povos indígenas contra reformas constitucionais;
  • Rejeitar a mineração em larga escala em territórios indígenas;
  • Garantir educação intercultural bilíngue.

Esse apoio aproxima González dos 5,25% dos votos que o líder indígena Leónidas Iza obteve no 1º turno. Noboa, por outro lado, conta com o apoio de Andrea González (2,69%) e de setores urbanos anti-Correa, embora não tenha conseguido afastar o descontentamento social gerado durante seu mandato.

A campanha

A campanha do segundo turno, que começou em 23 de março, exibiu estilos contrastantes. Enquanto González percorreu províncias importantes como Guayaquil e Quito com mensagens de unidade, Noboa optou por manifestações sóbrias e críticas à administração de Correa.

O debate eleitoral televisionado em 23 de março, assistido por 10,7 milhões de pessoas, foi um indicador importante: a candidata de Correa questionou as falhas do partido no poder em questões de segurança e econômicas, enquanto Noboa evitou propostas e repetiu slogans anti-correístas.

A aliança de Luisa González com o movimento indígena, o apoio de ex-candidatos e a deterioração da capacidade de Noboa de resolver a crise energética, a insegurança e o alto custo de vida desequilibram a balança. Seu governo herdará um país em estado de emergência após anos de governos liberais de extrema-direita e da entrega da soberania aos Estados Unidos.

Mesmo assim, Luisa González seria a primeira presidente eleita. Nesse caso, a agenda imediata será desafiadora, especialmente porque é um país que, em pouco tempo, deixou de ser o segundo mais seguro da região durante o governo progressista de Correa para estar entre os mais violentos do mundo. Para marcar uma reviravolta, seria necessário estabelecer uma estratégia contra o crime organizado e o capital ilícito, que se movimenta principalmente nos setores exportador e financeiro.

O imperialismo apoia Noboa

Noboa é filho do “rei das bananas”, Álvaro Noboa, que muitas vezes quis e não pôde ser presidente, em algumas delas derrotado por Rafael Correa. Ele se tornou o candidato ideal para os Estados Unidos e para a ultradireita continental. Quando Laura Richardson, a agora aposentada general de quatro estrelas, ainda chefiava o Comando Sul do Exército dos EUA até dezembro passado, ela visitou o Equador uma dúzia de vezes, talvez tornando-se o país da região que mais patrulhava.

No establishment equatoriano há confusão. Os setores dominantes — o setor petrolífero, o setor das bananas, os bancos e pouco mais — não confiam em Noboa. Autoritário e com posições extremas, o jovem Noboa pode complicar os negócios da elite, ser “demais” funcional ao plano de “securitização” promovido pelos Estados Unidos e, pior ainda para a classe: permitir que o correísmo volte a governar. Isso, apesar do fato de que a estabilidade dos anos de Correa lhes permitiu acumular fortunas.

O cenário também é complicado pelo crescimento do negócio das drogas. O colombiano Petro esclareceu que a queda no consumo de cocaína em vastos setores do povo americano e a ascensão paralela do fentanil fizeram com que os cartéis colombianos de coca abandonassem muitas rotas para o norte e se reorientassem para o sul, em busca de portos que vão para a Europa, Oceania e outros destinos. O Equador é a primeira parada nessa curva, especialmente nos portos de Guayaquil e Esmeraldas — além de Rosário e outros na Argentina, que são os últimos da cadeia. O narcotráfico equatoriano é administrado pela “máfia albanesa”, com mafiosos da Albânia que substituíram ou têm mais poder do que os colombianos.

Uma candidatura ilegal

A candidatura de Noboa é ilegal. A situação atraiu críticas tanto de cidadãos quanto de atores políticos, que questionam a aparente inação da CNE diante de uma clara violação da lei pelo presidente. De acordo com o Código da Democracia, todo funcionário público que busca a reeleição deve solicitar uma licença para participar de atividades de campanha, a fim de evitar o uso de recursos estatais para fins de proselitismo. Noboa se manteve no cargo durante a campanha, usando-o para tomar medidas de exceção que perturbaram as eleições.

Um problema importante é a disputa e o ódio que o Exército Nacional e a Polícia Nacional professam um pelo outro. Cada força tem aproximadamente 50.000 soldados que competem entre si por “negócios” e pela cooperação financeira e armamentista dos EUA, supostamente para combater o tráfico de drogas. Recorde-se que foi a Polícia Nacional que tentou um golpe de Estado contra o presidente Correa em 2010. Ambas as forças têm um alto grau de decomposição devido ao tráfico de drogas.

O golpe

A medida de Daniel Noboa de declarar um autêntico regime de exceção, militarizando as ruas e suspendendo direitos fundamentais dias antes do segundo turno das eleições, gerou um alerta nacional. Tanques de guerra, arame farpado e 150 soldados cercando o Conselho Nacional Eleitoral geraram uma denúncia das organizações da sociedade civil sobre a tentativa de intimidar a participação democrática.

O estado de emergência permite que as Forças Armadas:

  1. Entrem em casas sem ordem judicial;
  2. Interceptem correspondência física e digital;
  3. Dissolvam reuniões públicas sob critérios ambíguos (“possíveis ameaças à ordem”).

Essas medidas mostram que um golpe de Estado já aconteceu, e o apoio do imperialismo a essa opção parece ser total.

A fraude

Segundo o Conselho Nacional Eleitoral, Daniel Noboa foi reeleito presidente do Equador no segundo turno, em 13 de abril. Com mais de 94% dos votos apurados, o líder de direita tem 55,83% dos votos, ante 44,17% da oposição. Cerca de 83,7% dos eleitores compareceram às urnas, um índice que se repetiu em outras eleições e no primeiro turno.

A candidata da esquerda, Luisa González, declarou que não reconhece os resultados, apontando que houve fraude. “O Equador vive uma ditadura, e hoje vivemos a fraude mais grotesca da história do país.” “Pediremos a recontagem dos votos”, afirmou a candidata.

As medidas de exceção adotadas tiveram como objetivo impedir a mobilização popular no período pós-eleitoral, pois o governo sabia que haveria questionamento dos resultados.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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