Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Burguesia togada

Se a esquerda defender os interesses da burguesia, quem defenderá o povo?

Um dos comentaristas do Brasil 247, em sua análise dominical dos fatos políticos, afirmava que o recebimento do Oscar pelo filme brasileiro seguramente favorecia o governo Lula. O raciocínio básico é que o reconhecimento da crítica à ditadura militar, implícita na obra, é uma afirmação da democracia contra o fascismo, ou seja, de Lula contra Bolsonaro. Para embasar a tese, lembrou que os Estados Unidos patrocinaram o golpe de 1964, o que tentou associar ao “fascismo de Trump”. Não precisamos ir muito longe para perceber que faltam peças nesse quebra-cabeça.

De fato, os Estados Unidos articularam o golpe, mas quem estava no poder na época era o Partido Democrata de John Kennedy, assassinado em 1963, e de Lyndon Johnson, que o substituiu. O pretexto na ocasião também era salvar a democracia, mas contra o “perigo comunista”. Diga-se, inclusive, que os militares apresentavam o regime como uma “democracia representativa” – e a imprensa só passou a chamar o período de ditadura muito tempo depois de seu término. A propósito, a Folha de S. Paulo, que determina aos jornalistas o uso do termo “ditador” para se referir a Nicolás Maduro, não atribui a mesma alcunha a nenhum dos generais do período – até hoje.

Um aspecto frequentemente escamoteado do debate é o fato de os militares não terem dado o golpe sozinhos, como talvez Eduardo Bolsonaro achasse possível quando bravateou que, com um jipe e dois recrutas, fecharia o STF. Os militares assumiram o governo, mas com o apoio da burguesia e a bênção do imperialismo. Na oposição, estavam militantes de esquerda, coisa que o filme de Walter Salles Jr., com coprodução da Globoplay, não explicitou. O que vemos na tela é uma família de pessoas da pequena burguesia intelectual ser atingida pelos excessos do regime, mesmo sem estar ligada à luta armada que se travava no país. Eram pessoas que dificilmente seriam representantes legítimos do “perigo comunista”, mas, naquele ano de 1971, na vigência do AI-5, o regime torturava e matava qualquer um que tivesse “atitude suspeita” – uma expressão comum à época.

Não é demasiado lembrar que a “democracia” foi evocada como justificativa para o golpe. A democracia, que, na ocasião, deveria ser defendida do comunismo, agora precisa ser defendida do fascismo. O que se tem chamado de fascismo por aqui, contudo, são as declarações dos bolsonaristas, um misto de conservadorismo religioso com anti-identitarismo. A hipótese de que esse pessoal represente um perigo golpista parece tão ingênua quanto a bravata do jipe na frente do STF. Golpes por aqui requerem o apoio da burguesia e do imperialismo. Meia dúzia de generais e um bando de gente fazendo quebra-quebra não conseguem dar golpe nenhum. E não é mérito de nenhum xerife do STF. O buraco é mais embaixo – ou, dito de outro modo, as determinações vêm lá de cima, do hemisfério norte.

Vale lembrar que o golpe de 2016, contra Dilma Rousseff e o PT, teve o apoio do presidente negro do Partido Democrata, Barack Obama. Como soubemos depois, o telefone da presidenta da República e os números de mais 29 membros do PT foram grampeados pela NSA, agência dos Estados Unidos. Na ocasião, o PT era o “partido dos corruptos”, ideia que vinha sendo construída pela imprensa desde o “mensalão”. Como não havia “perigo comunista” nos governos petistas, era preciso encontrar outro pretexto. Era a democracia contra a corrupção! Como não conseguiram encontrar nada que comprometesse Dilma, inventaram as “pedaladas fiscais” e um monte de bobagens para cassar o voto popular. Deu certo, mas abriu caminho para o bolsonarismo, porque o povo jamais votaria no PSDB.

Os dois golpes, ambos bem-sucedidos e jamais punidos, foram dados pela burguesia e pelo imperialismo, bem representado pelo Partido Democrata, sempre em nome da “democracia”. Embora os adversários dessa democracia hoje sejam os bolsonaristas, pelos quais não nutrimos nenhum tipo de admiração, é forçoso reconhecer que a esquerda não ganha nada em cerrar fileiras com a parcela mais poderosa da burguesia, representada pelos banqueiros e pelos grandes empresários que negociam o país com o imperialismo em troca de lucros para os seus negócios.

Melhor faria a esquerda se ficasse equidistante das “duas direitas” e prestasse atenção aos movimentos daquela mais poderosa, que hoje atua pelo STF, ao qual transferiu seu poder. O STF, a propósito, acaba de determinar mudança na regra do foro “privilegiado”, de tal modo que os processos contra autoridades (políticos em geral) devem permanecer sob seu julgamento mesmo após o término dos mandatos e mesmo que tenham sido instaurados depois deles, o que representa uma ampliação do seu poder sobre os destinos da política. Os onze ministros – ou os cinco da primeira turma, quando conveniente – têm o poder estendido para definir, de acordo com sua interpretação das leis, os rumos do país. E salve-se quem puder. Não vai haver Oscar que reeleja o Lula se esse pessoal não quiser.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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