Hélio Rocha

Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é repórter de meio ambiente e direitos sociais em Plurale em Revista e correspondente em Pequim.

Coluna

Ben-Hur, Charlton Heston e um épico de fundo bíblico

"'Ben-Hur' é diferente porque cria, ou adapta, uma história literária, com liberdade para recriar em cima, ampliar detalhes, dar ênfase narrativa à ação"

Já discutimos, neste espaço, a forte presença dos filmes bíblicos nos anos 1950 e 1960, e o quanto eles tinham mais de ideológico norte-americano, no contexto de espalhamento de medo do ateísmo da União Soviética e valorização do protestantismo americano no contexto da Guerra Fria, do que de valor artístico. O que não impede que se aponte bons filmes daquele período: “Os Dez Mandamentos” (1956) é um filme magnífico do ponto de vista da representação de época, para os padrões daquele tempo, e “Ben-Hur” (1959) une isso a uma excelente história, muita ação e brilhante atuação de um dos grandes atores da época, Charlton Heston.

Sobre este último pretendemos falar aqui, um dos maiores vencedores da história da cerimônia do Oscar, com 11 estatuetas, ao lado de “Titanic” (1997) e “Senhor dos Anéis – O retorno do rei” (2003). Entretanto, por ter concorrido em cerimônias com menos prêmios concedidos, pode-se ainda considerá-lo o grande recordista do prêmio, tendo arrebatado 11 de um total de apenas 14 troféus (ou seja, perdeu apenas três!), ao passo que os demais concorriam numa época em que já se distribuía quase vinte.

Uma história literária (sem spoilers)

Um dos diferenciais de “Ben Hur” é ser um filme com uma história que tem a Bíblia como pano de fundo, não diretamente uma história bíblica. O que permite criar mais em cima da narrativa original de um livro, ou seja, roteiro adaptado. Nela, Judah Ben-Hur é um príncipe judeu que é amigo de infância de Messala, um romano que recém-retorna à província imperial da Judea, a fim de servir ao governador como tribuno. Cargo semelhante ao de um juiz, mas com investidura também militar.

Messala deseja que seu amigo entregue judeus dissidentes do Império, o que Judah se recusa a fazer e isso torna os dois inimigos. Um acidente causado pela irmã de Judah, em que uma telha de sua casa quase atinge o governador após ela debruçar-se para ver um desfile militar com sua presença, é tomado propositalmente como tentativa de assassinato e toda a família é presa, sendo que Judah é escravizado e enviado para remar nas galés romanas.

A bíblia como pano de fundo (com spoilers)

Reviravolta na vida de Judah o faz de escravo a protegido do cônsul romano e piloto de bigas

Uma reviravolta ocorre após três anos de escravidão para Judah, quando ele salva o comandante Quintos Arrios após uma batalha naval, e é adotado como protegido do comandante, que possui o cargo de cônsul romano, um dos braços direitos do imperador Tibério. Com isso, empoderado pela burocracia romana, em quatro anos Ben-Hur se torna um campeão das corridas de bigas (charretes de um ocupante, semelhante a uma Fórmula 1 do período). Cumprindo o dever de honrar seu padrinho romano, Judah resolve retornar à Judea para reencontrar a família, cujo destino permanece um mistério desde que foi presa por Messala.

Desde que estava escravizado, o protagonista já tem um encontro com um misterioso homem que lhe dá água, ainda a caminho das galés. Ele só aparece de costas e sua luz afasta a ameaça dos carrascos romanos. Ele é Jesus. E, quando Judah retorna, o filho de José e Maria está no auge de sua pregação, atraindo a atenção de toda a Judea, enquanto Judah busca sua família e vai correr de bigas para vencer Messala e conseguir dele a verdade sobre a mãe e a irmã.

Daí surge a cena mais icônica do filme, que nada tem a ver com Bíblia, mas que enche o coração de quem ama cinema, reprodução de cenas de ação e histórias sobre corridas. A prova que rivaliza o campeão de Roma, Judah, contra o campeão local, Messala, é eletrizante, sobretudo devido às artimanhas de todos os concorrentes para destruir as bigas dos outros e, praticamente, matar os concorrentes pelo acidente ou pelo atropelamento.

Ao vencer Messala e colocá-lo entre a vida e a morte numa batida, Ben-Hur descobre que as irmãs estão no campo dos leprosos, pois adoeceram nos sete anos de masmorras. Aí entra a parte bíblica da história, quando os três vão atrás do homem que se diz que cura os leprosos, Jesus Cristo. No entanto, estão nos momentos finais de Jesus, quando ele está para ser crucificado. Isso os faz, aparentemente, fracassar na busca pelo toque do Messias. Contudo, quando de sua morte após a crucificação, milagres acontecem por toda Jerusalém, e a mãe e a irmã de Ben-Hur são curadas, restabelecendo a família do príncipe judeu. Sua família será, a partir daí, uma das primeiras famílias cristãs, e ele abdica de sua cidadania romana para defender a Cristo.

A diferença

Após milagres da morte de Cristo, família Ben-Hur se torna uma das primeiras cristãs

“Ben-Hur” é diferente porque cria, ou adapta, uma história literária, com liberdade para recriar em cima, ampliar detalhes, dar ênfase narrativa à ação, o que pouco ocorre em demais filmes bíblicos, engessados no texto sagrado. A batalha naval em que Judah começa nas galés e termina salvando a vida do cônsul bem poderia ocorrer nos dias de hoje, com o requinte da melhor tecnologia. Sua cena mais famosa, nem se fala: uma corrida de charretes, com elementos de uma Fórmula 1 anos 1970, perigo, morte, multidão em euforia, algo digno de um “Gladiador” (2000), de Ridley Scott.

Um filme longo: é seu ponto fraco, para muitos. Mas que entrega quase quatro horas de diversão. Esta que reflui um pouco em momentos dramáticos, com os atores atuando um pouco teatralmente, típico do cinema da época, o que pode ser confundido com má atuação. Isso está errado, visto que o tipo de performance atende a um gosto de época, e nos meados do século XX as falas declamadas e movimentos barrocos eram a regra. Charlton Heston era mestre neste estilo, e desfila sua capacidade de interpretação em 220 minutos de filme.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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