Hélio Rocha

Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é repórter de meio ambiente e direitos sociais em Plurale em Revista e correspondente em Pequim.

Coluna

Arena: quando o MMA encontra o romantismo dos ringues

Com design ousado, capa dura e mais de 250 páginas em preto e branco, o livro aposta em um estilo maduro, cinematográfico, sem concessões à infantilização ou ao didatismo

O quadrinho Arena, escrito por Alexandre Callari e ilustrado por Alan Patrick, é uma das experiências mais singulares da HQ nacional recente. Com design ousado, capa dura e mais de 250 páginas em preto e branco, o livro aposta em um estilo maduro, cinematográfico, sem concessões à infantilização ou ao didatismo. É um projeto que leva o gênero de luta a sério — e que faz da estética tanto um recurso narrativo quanto um gesto de respeito ao leitor.

O desenho cru e detalhado de Alan Patrick dá corpo ao suor, ao sangue e ao impacto físico do MMA. O preto e branco não é limitação, mas escolha estética: ele evoca a dureza da luta, a sombra das decisões e o contraste moral de personagens que transitam entre a glória e a decadência. Algumas páginas trazem inserções simbólicas, quase mitológicas, em cores — transformando lutadores em arquétipos, como o protagonista Rômulo visto como um lobo. Esse recurso gráfico, de sabor quase expressionista, reforça a dimensão romântica da obra: mais do que lutas, Arena fala de sonhos, honra, derrota e redenção.

O romantismo das lutas

Desde que Rocky Balboa subiu ao ringue em 1976, o boxe se consolidou como metáfora da vida no cinema. O boxeador é o herói solitário, que enfrenta não apenas o adversário físico, mas a fome, o preconceito, a solidão, a descrença da sociedade. O boxe virou o palco por excelência do romantismo das lutas. Filmes como Rocky, suas sequências, ou ainda Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese, transformaram o ringue em arena existencial. Ali, a luta é pelo corpo, mas também pela alma.

Arena bebe dessa tradição. Seu protagonista, Rômulo Cruz, não é apenas um atleta; é um homem à beira da ruína, pressionado por dívidas e dilemas pessoais. Sua entrada no torneio de MMA que dá título à obra não é mero capricho esportivo: é sobrevivência, é busca de dignidade, é chance de reconstruir a vida. Como Rocky, ele carrega nas costas a tensão de lutar por algo maior do que o cinturão.

Mas se o boxe foi o palco clássico do romantismo, o MMA assumiu esse lugar no imaginário contemporâneo. A partir dos anos 2000, com o crescimento do UFC, o octógono substituiu o ringue como espaço simbólico do enfrentamento humano. O boxe, apesar de ainda pulsar artisticamente — basta lembrar de Creed ou do eterno impacto de Touro Indomável —, tornou-se insuficiente como narrativa dominante. O MMA trouxe novas camadas: a mistura de estilos, o choque de culturas, a brutalidade totalizante que exige não só socos, mas chaves, quedas, resistência psicológica.

O MMA no lugar do boxe

No Brasil, essa transição é particularmente significativa. Se o boxe tinha poucos nomes que ganharam dimensão cultural por aqui, o MMA se tornou fenômeno popular com Anderson Silva, Minotauro, Wanderlei Silva e tantos outros. Hoje, é natural que o cinema e os quadrinhos brasileiros escolham o MMA como espaço narrativo. Arena faz isso de forma consciente, construindo um torneio no coração de São Paulo e usando a luta como lente para examinar tanto os dramas pessoais quanto o cenário urbano que os molda.

Enquanto o boxe guardava certa aura de nobreza clássica, o MMA carrega um realismo mais cru. Não há o romantismo estilizado do ringue iluminado por holofotes. Há o octógono cercado de grades, há o corpo jogado ao chão, há a exposição total da vulnerabilidade. É aí que Arena encontra sua força: trata o MMA não como espetáculo apenas, mas como espaço dramático de transformação.

Vale a pena ler Arena?

Sim. Arena é mais do que uma HQ sobre lutas: é uma graphic novel madura, visualmente impressionante e profundamente conectada ao imaginário cultural contemporâneo. Ao mesmo tempo que dialoga com a tradição romântica do boxe no cinema — de Rocky a Touro Indomável —, reconhece que o MMA ocupa hoje esse lugar de metáfora existencial. A obra, assim, é tanto homenagem quanto atualização.

O design elegante, o uso inteligente do preto e branco e a coragem de assumir uma narrativa adulta fazem de Arena um marco na produção nacional. É leitura para quem gosta de HQs bem feitas, para fãs de esportes de combate e, acima de tudo, para quem entende que toda luta no ringue — ou no octógono — é também a luta de viver.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a deste Diário

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