O Brasil neste período recente tem sido muito prestigiado internacionalmente, ficando em evidência na reunião do G20 do ano passado, assumindo a presidência pro tempore do Mercosul e do anti-imperialista BRICS. O presidente Lula, no entanto, perdeu a oportunidade de vocalizar os interesses nacionais nestes fóruns, se apresentando no G20 como líder internacional, muito preocupado com a fome no mundo. Contraditoriamente, no Brasil o governo tem se preocupado pouco, na prática, com este problema. Ao cortar reduzir o gasto com BPC, retirando verbas do Bolsa Família e da Educação, ou implantando um violento corte de gastos com o Arcabouço Fiscal o governo aumentou os problemas da população socialmente marginalizada no país. Isto mostra que o governo Lula é extremamente assertivo nas suas opções de política econômica, priorizando a austeridade fiscal. Isto desmente as análises apologéticas de Lula por suas pretensas habilidades de equilibrista, ao agir sem privilegiar este ou aquele país ou interesses.
A história das manipulações e jogos duplos de Lula na política internacional não é nova. Durante anos, foi dito que a política do Itamaraty sempre teve complexidades que incluem o fato de que, após o retorno da democracia ao Brasil, os militares nunca abandonaram totalmente o poder e as suas tramas golpistas. Assim, a ideia de equilibrismo do governo na verdade esconde, por trás de aparentes gestos de soberania, uma grande preocupação em não confrontar os interesses do imperialismo. O governo se coloca como pragmático, mas a influência das potências hegemônicas ocidentais pesa cada vez mais nas suas opções políticas.
Por exemplo, quando surgiu a proposta da ALCA pelos EUA, o governo Lula era a favor de uma ALCA moderada. Naquela época, a forte oposição de Hugo Chávez, que havia obtido o apoio de Néstor Kirchner, Evo Morales e Rafael Correa, definiu a posição do NÃO à ALCA.A entrada do Brasil nos BRICS decorreu de sua união prévia com a Índia e aceitação total pela Índia de uma ideia que não agradava o governo Lula.
O retorno de Lula à presidência reafirmou exatamente esta discordância inicial, pois as atitudes do país nos BRICS foram sempre no sentido de impedir o crescimento do grupo. Quando da primeira rodada de admissão de novos membros, o Brasil indicou a Argentina, que passava por um conturbado processo de eleições presidenciais em que poderia vencer um candidato de estrema direita, o que acabou acontecendo. Em seguida, com a ruptura das relações entre a Argentina e a Venezuela, o Brasil assumiu a embaixada da Argentina na Venezuela. O governo brasileiro foi o responsável pela não realização da segunda rodada de admissão de novos membros, que era apoiada por todos os outros países. Logo depois, na reunião de Kazan que demonstrou a pujança do bloco com a excelente presidência da Rússia, Lula alegou problema de saúde para não participar da reunião. E, mesmo não comparecendo, esgrimiu o seu veto à entrada da Venezuela como uma clara ação exigida pelo imperialismo. Com este veto entrou em rota de colisão com Putin, que declarou em discurso que era favorável a entrada da Venezuela e isto não se deu por culpa do Brasil. Não se pode esquecer também a atitude inexplicável de não entrar na Iniciativa Rota da Seda, criando um claro atrito como a principal potência da Bloco, a China.
Pouco tempo depois, quando o conflito do Essequibo entre Venezuela e Guiana se agravou, o governo Lula apoiou a Guiana, que é fortemente influenciada pelos EUA. A explicação encontrada dada foi a oposição à Venezuela pelos comandantes das Forças Armadas brasileiras, com quem o governo Lula sempre mantém relações cordiais.
Tentou-se compensar essas decisões, apoiadas pelos EUA, com as declarações retóricas que qualificam as ações de Israel como genocídio, o que lhe custou ser classificado como persona “non grata” naquele país. Nenhuma medida foi adotada pelo governo brasileiro contra Israel, nem mesmo quando o embaixador do país participou, junto com Bolsonaro, de uma reunião política na Câmara dos Deputados. A única medida contra Israel foi o cancelamento de um contrato de compra de armas com a Elbit Systems, empresa israelense, no valor de 1 bilhão de reais. No entanto, mantém as relações diplomáticas e comerciais com Israel, inclusive com fornecimento de petróleo da Petrobras para as forças armadas israelenses, de acordo com relatório da situação de terras ocupadas da ONU. Recentemente, o Senado Federal aprovou a criação do dia da amizade Israel-Brasil, que teve votos de todos os partidos, inclusive o partido de Lula, o PT. Usando um subterfúgio legal, Lula se negou a vetar ou sancionar o projeto, que foi promulgado pelo Senado Federal. No entanto, o projeto consta nos anais do Congresso como sancionado por Lula.
Ele também se recusou a se envolver na guerra na Ucrânia, mas defendeu Zelensky. Ele passou de condenar a “invasão russa” a declarar que a Europa e os EUA estavam prolongando a guerra entregando armas à Ucrânia e, em seguida, argumentar que um acordo de paz deveria ser alcançado onde a Rússia devolveria os territórios ocupados, mas a Ucrânia desistiria da Península da Crimeia. Como costuma acontecer com os equilibristas políticos, ele só conseguiu fazer com que ambos os lados repudiassem suas declarações.
Um de seus atos políticos “compensatórios”, também foi viajar a Buenos Aires para a reunião do Mercosul e aproveitar a visita para abraçar a ex-presidente, atualmente presa em processo de lawfare, Cristina Fernández Kirschner. Lula retribuiu o gesto de apoio que recebeu de Cristina e do ex-presidente Alberto Fernández quando estava preso em igual situação de lawfare, devido à farsa da Operação Lava Jato. O Brasil, por outro lado, tem defendido a assinatura de acordo do Mercosul com a União Europeia, que estabelece privilégios absurdos das potências do continente, e nenhuma vantagem evidente para o Brasil.
Um acontecimento relevante foi a ameaça de Trump de sancionar os membros do BRICS e todos os países relacionados com aumentos de tarifas, alegando que eles estão conspirando contra a hegemonia do dólar. Essa acusação é verdadeira. Há algum tempo, os membros do BRICS vêm fazendo trocas comerciais usando suas próprias moedas e, em algum momento, pensaram em criar uma moeda com mais lastro do que o dólar. O governo brasileiro reagiu à ameaça de Trump de elevar as tarifas aos países do BRICS. O presidente Lula defendeu em discurso no encerramento da reunião dos Brics a soberania do país. Ele afirmou que todo país é dono de seu nariz, e que cada país tem o direito de retaliar o aumento de tarifa. Criticou também que Trump foi irresponsável em fazer ameaças pelas redes sociais. Em contraponto, o vice-presidente Geraldo Alckmin reforçou a importância do diálogo, após a ameaça do presidente americano de aplicar uma tarifa adicional aos países alinhados ao BRICS.
Mas o mais estarrecedor foi a proposta feita por Lula, no seu discurso de encerramento da reunião dos BRICS. Mostrando seu indisfarçável desprezo pelo futuro do Bloco, Lula surpreendeu os representantes dos demais países-membros com uma proposta que visa diluir os BRICS, integrando-os a outros blocos existentes como o G20, que não tem o perfil de confrontar a hegemonia dos Estados Unidos. “Eu, sinceramente, acho que a gente até deveria convidar os países, porque nós já fomos 10 do G20 nos BRICS. 10!”, declarou. Na sequência, sugeriu: “É só convidar os outros dez para vir para o BRICS. Aí fica uma coisa só, todo mundo discute o mesmo assunto.” Lula questionou a necessidade da existência simultânea de fóruns como G7, G20 e BRICS, argumentando que a multiplicidade de grupos enfraquece a capacidade de resposta global diante dos principais desafios contemporâneos. Para o presidente, esse espaço de diálogo e decisão deveria ser centralizado na ONU, desde que a organização passe por uma reforma profunda. A proposta foi rejeitada pela totalidade dos outros membros.
O Tarifaço de Trump
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou recentemente que aplicará tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros que entrarem nos Estados Unidos. A carta de Trump contém duas alegações políticas e uma econômica. Ele inicia elogiando o ex-presidente Bolsonaro e classificando o processo judicial contra Bolsonaro de “uma vergonha internacional”. E ele tentou ordenar: “Este julgamento não deve acontecer. É uma caça às bruxas que deve terminar IMEDIATAMENTE!”
A segunda alegação política se refere à regulamentação das redes sociais internacionais pelo STF “que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro). Trump se refere certamente ao conflito do STF com a rede “X”, de Elon Musk, que até pouco tempo atrás era membro do governo norte-americano.
A terceira questão colocada pela carta diz respeito às transações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, “Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”
Lula foi obrigado a adotar posições que destoam das adotadas até agora, sempre tentando agir para agradar aos EUA. Lula declarou que “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitarão ser tuteladas por ninguém”. Ele acrescentou ainda que: “Qualquer medida de aumento unilateral das taxas será respondida à luz da lei brasileira de reciprocidade econômica”. Além disso, Lula reclamou da interferência dos EUA no julgamento de Bolsonaro, por sua tentativa de golpe de Estado, quando os tribunais estão prestes a proferir uma sentença.
Há uma grande dúvida se a medida de Trump é para valer, já que o presidente norte-americano tem voltado atrás em muitas tarifas que prometeu aplicar a vários países. Lula está numa encruzilhada: adotar uma posição claramente anti-imperialista certamente aumentaria enormemente a popularidade de Lula, principalmente se as manifestações que ocorreram no dia 10 de julho, originalmente voltadas para o protesto pelo cancelamento pelo Congresso de projeto de governo sobre elevação de tarifas do IOF, tiverem continuidade e elevarem o tom contra os EUA.
A atitude de Lula já revela uma certa moderação, ao não fazer uma convocação de uma rede nacional, preferindo dar entrevistas em horário nobre para a rede Globo e rede Record. Outro indício são as declarações do vice-presidente em favor do diálogo com os EUA. Lula disse também que vai recorrer à OMC e à ONU. A OMC está inoperante principalmente porque os Estados Unidos, especialmente sob o governo Trump, bloquearam a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação, que é essencial para resolver disputas comerciais entre países. Sem o número mínimo de juízes, o tribunal está paralisado, deixando 14 disputas comerciais sem resolução. Será que o Lula não sabe disso? Já a ONU está sequestrada pelo imperialismo há muitos anos.
É evidente que só um movimento amplo dos trabalhadores para refutar a ingerência do imperialismo no Brasil pode resultar em um recuo de Trump. Até agora, no entanto, Lula preferiu se manifestar nas entrevistas sua preocupação com a manutenção dos lucros dos empresários do que com o enorme desemprego que pode ser causado pelas tarifas, além da elevação da inflação. Certamente que não há inclinação da cúpula do governo Lula de efetivamente assumir uma posição nacionalista e usar as manifestações populares contra o imperialismo. A mobilização deve partir da esquerda combativa que não teve ou já perdeu as ilusões com o governo Lula.



