Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A loucura econômica de Trump

"Líderes dos trabalhadores devem não apenas se opor às tarifas, mas também exigir o fim do controle capitalista sobre suas economias"

A ação do imperialismo norte-americano no mundo nunca se baseou em alguma teoria mais ou menos fundamentada, mas apenas e tão somente no egoísmo, na violência truculenta através das invasões dos países, na guerra de rapina e destruição total do Estado e das nações estrangeiras. O exemplo maior desta profunda falta de caráter e dignidade continua sendo o bombardeio nuclear de Hiroshima Nagasaki, em que foram destruídas duas cidades.com a morte de milhares de civis sem nenhuma justificativa plausível do ponto vista militar. O mesmo ocorre hoje com o genocídio em Gaza.

Como sempre acontece , a imprensa imperialista tentou avaliar positivamente as agressivas políticas tarifárias do magnata louro norte-americano que ele vem impondo, sem aval do Congresso dos EUA, a todos os países que não são do seu agrado ou que não se alinham com seus interesses hegemônicos.

O governo Trump alega que esses aumentos tarifários são necessários para acabar com o “roubo” da produção dos EUA por outros países por meio de “práticas ruins”, impostos injustos, cotas e subsídios. O objetivo é reduzir ou eliminar o déficit comercial dos EUA e forçar os fabricantes estrangeiros a investirem e vender diretamente nos EUA. O objetivo também é permitir que os fabricantes nacionais dos EUA substituam os produtos fabricados no exterior por produtos fabricados nos EUA – e, assim, “Make America Great Again”.

Não é verdade. A origem dos déficits comerciais com outros países na década de 1980 está na opção que o grande capital industrial adotou ao transferir suas operações para o Sul Global e para o Canadá a fim de aproveitar a mão de obra barata e a tecnologia mais recente. Grande parte dos produtos exportados para os EUA vem de empresas americanas sediadas no México, Canadá, China etc. O Vietnã exporta milhões de sapatos para os EUA, fabricados em 59 fábricas da Nike de propriedade dos EUA. A Tesla fabrica a maioria de seus carros elétricos na China. Os custos de fabricação dos EUA no país são muito mais altos do que no exterior, não apenas porque a mão de obra é mais cara, mas porque a produtividade nos EUA é muito inferior à da China e esta diferença está aumentando.

Em 9 de abril, Trump se rendeu à pressão internacional e reduziu as tarifas de todos os países para 10%, durante 90 dias. Manteve, no entanto, a tarifa de 125% sobre as exportações chinesas, mas se dizendo aberto a negociações. A China, por seu lado, estabeleceu 84% sobre as exportações norte-americanas para a China, mas não parece propensa a negociar com os EUA. A razão mais plausível para o recuo de Trump foi o aumento massivo de venda dos títulos da dívida americana, que chegou a níveis nunca vistos nos últimos 60 anos. A intensidade das vendas sugere uma falta de confiança estrutural em ativos norte-americanos e no próprio dólar como reserva de valor. Os papéis da dívida pública dos EUA são considerados há décadas como “o investimento mais seguro do mundo”, uma espécie de abrigo para época de crise.

Nos últimos pregões, o rendimento dos títulos de 30 anos subiu cerca de 0,4 ponto percentual, marcando o maior aumento desde novembro de 2020. Ontem, a taxa de longo prazo subiu 0,2 ponto percentual, para 4,79%, após ter superado 5% em alguns momentos. Taxas altas significam que o governo americano está precisando pagar mais ao investidor para que este aceite comprar seus títulos. São um indicador importante grau de confiança do mercado em relação à dívida norte-americana. Por outro lado, a valorização do ouro, vem ocorrendo nos últimos meses, tem também a mesma origem: os investidores buscam a segurança do metal diante da perda de confiança nos títulos norte americanos . Comisso, os investidores internacionais estão acelerando um processo de “desdolarização” em ritmo mais rápido do que o previsto.

A China tem as maiores reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 3,2 trilhões. Alguns especialistas julgam que Pequim e outros países podem estar reavaliando suas posições na dívida pública dos EUA, em mais uma reação ao tsunami provocado pelo tarifaço. Tanto a China quanto o Japão vêm reduzindo suas participações nesses títulos há algum tempo, segundo dados oficiais.

A China pode estar vendendo como retaliação à super tarifas dos EUA. Essa venda de títulos é uma arma mais potente do que a elevação de tarifas, pois os EUA não podem retaliar, pois não possuem títulos chineses.

Não é à toa que Trump manteve as tarifas abusivas de até 125% sobre as exportações chinesas exportações, numa espiral de retaliações em que a China elevou suas tarifas para 84%. 

O que essas tarifas de Trump farão é, em primeiro lugar, reduzir as importações de bens necessários para os consumidores e empresas dos EUA e/ou aumentar seus preços. Portanto, a economia dos EUA será profundamente abalada, pois os consumidores não renunciarão a seu alto nível de consumo que mantiveram até agora. A maioria dos bens de consumo manufaturados consumidos nos EUA são produzidos na China, por empresas norte-americanas e chinesas. Em segundo lugar, com a retaliação da China, as exportações dos EUA serão prejudicadas, resultando em quase nenhuma mudança no déficit. Uma guerra comercial em espiral reduzirá o crescimento, aumentará a inflação e levará à recessão nos EUA e em outras economias que já estão à beira do abismo.

A perda lenta, mas constante, da participação do dólar nas transações da economia capitalista mundial ocorre à medida que o mundo está se reestruturando em novas organizações globais, como os BRICS. Este processo é uma reação à imposição unilateral e ilegal das chamadas “sanções” e tarifas implementadas pelo governo dos EUA. A economia norte-americana apresenta um crescente déficit fiscal, que alimenta a maior dívida global do planeta. Por outro lado, há um enorme descrédito e a diminuição da confiança as instituições do imperialismo do pós-guerra, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que impõem as políticas de austeridade neoliberais em troca de empréstimos impagáveis. O Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento faz interferências nos países que contratam seus empréstimos, sendo que a OEA – Organização dos Estados Americanos favorece golpes de Estado nos seus países membros, como o da Bolívia em 2019. Já a Organização Mundial do Comércio, foi paralisada pelos EUA por alegadamente favorecer os países em desenvolvimento na solução de disputas. Agora a guerra na Ucrânia está mostrando a debilidade da organização militar OTAN para levar seus aliados à vitória. 

Esta situação mostra a perda de hegemonia e supremacia do imperialismo norte-americano na era atual, que é impossível de ser retomada por mais que Trump repita como um mantra a sigla MAGA. A burguesia norte-americana está profundamente dividida sobre como reverter este cenário, mas os dois blocos produzem resultados semelhantes, impelindo os EUA para a guerra, seja por procuração ou comercial. O imperialismo está em processo de declínio e desintegração, arrastando para o caos o governo norte-americano e sua classe dominante imperialista, que antes integrava o eixo essencial do capitalismo ocidental.

A crise no mercado de capitais desencadeada não só pelas tarifas, mas pelo estilo agressivo e furioso de Trump, acarretou perdas provavelmente irreversíveis de muitos trilhões de dólares, só apresentando valorização porque Trump voltou atrás. Nesse quadro, o plano de Trump de reindustrializar o país soa como ridículo na medida que a economia norte-americana não tem recursos para tanto e está completamente atrasada tecnologicamente em relação à China. Por acaso vai se reimplantar fábricas que não conseguirão se manter competitivamente no mercado mundial? Em um momento de profunda crise estrutural do capitalismo mundial e das principais economias imperialistas que mostram fortes tendências à recessão e estagnação, de onde virão os investimentos necessários?

Outra grande questão diz respeito ao impacto negativo nas condições de vida e trabalho que esse caos acarreta para seus trabalhadores, o que pode desencadear um processo pré-revolucionário. Após pouco meses de “governo furioso” já acontecem nos EUA em praticamente todos os estados, fortes mobilizações populares e de trabalhadores exigindo a saída do magnata louro da Casa Branca.

 A burguesia do setor financeiro e das grandes empresas está em choque. Ela julgava que Trump estivesse apenas usando os aumentos de tarifas como uma arma para negociar concessões sobre comércio, investimento e tecnologia. Isso é verdade apenas em parte. As tarifas de 10% também vão causar problemas, pois elas serão mantidas e podem se elevar novamente para países que não aceitarem negociar. 

É por isso que, entre outras razões, os governos dos países europeus insistem, por todos os meios, em manter a guerra da OTAN, através da Ucrânia, contra a Rússia, como forma de tentar sustentar algum crescimento econômico, particularmente da indústria de armas, evitando que o “efeito russo” se espalhe pelo mundo. 

Em 9 de abril , uma maioria dos 27 estados-membros da União Europeia (UE) aprovou a aplicação de tarifas sobre cerca de € 21 bilhões (US$23,2 bilhões) de produtos dos Estados Unidos, como parte de uma retaliação às tarifas de 25% que o presidente Donald Trump impôs no mês passado sobre as exportações de aço e alumínio do bloco.

As novas tarifas, que visam produtos como soja, diamantes, produtos agrícolas, carne de frango e motocicletas, começarão a ser implementadas a partir de meados de abril, com outras medidas previstas para entrar em vigor em maio e dezembro.

Trump abandonou a Europa e quer a deixar lidar com a Rússia, enquanto permite que Israel cuide do Oriente Médio e lide com o Irã. O objetivo é permitir que os EUA se concentrem em intensificar as tentativas de estrangular a economia chinesa e forçar uma eventual “mudança de regime” para converter a China em um fantoche dos EUA, como o Japão se tornou. 

A onda de globalização das décadas de 1990 e 2000 terminou com a recessão de 2008-2009, mas a crise estrutural não foi eliminada. Durante a década de 2010, o comércio global como uma parcela do PIB mundial estagnou, especialmente o comércio global de mercadorias. As tarifas de Trump só vão piorar essa situação. Nas décadas de globalização, as multinacionais norte-americanas transferiram sua produção para o exterior e embolsaram seus lucros em paraísos fiscais criados propositalmente. Os fluxos de capital se aceleraram entre as principais economias, mas também aumentaram a exploração do Sul Global. Porém, na depressão da década de 2010 e na década de 2020, os fluxos de capital também diminuíram.

O reflexo desta política de Trump, que não se resume as tarifas, deve criar uma situação de aumento da crise capitalista em todo mundo. Essa situação de diminuição relativa dos fluxos comerciais e de capital entre os países do Sul Global e os países centrais imperialistas – permitirá que os principais países do Sul Global introduzam “estratégias industriais” econômicas mais progressistas, escapem das garras do imperialismo e comecem a “recuperar o atraso”. O que vai depender da ousadia e capacidade de iniciativa, coisa que o governo Lula não tem demonstrado ter.

O grupo do BRICS, liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, pode se tornar um polo alternativo em termos econômicos e capaz de construir algumas estratégias anti-imperialistas. Na verdade, o grupo evoluiu de uma simples sigla para hoje ser uma realidade política concreta. Isso é resultado da crise e da ofensiva imperialista que obriga o grupo a ter uma trajetória que grande parte dos países membros não estaria totalmente de acordo. A própria China não tem impulsionado mudanças como a nova estrutura de trocas financeiras semelhante ao Swift. O embate que o imperialismo está submetendo a China com a questão das tarifas pode mudar esta atuação tímida. 

Muitos líderes sindicais dos EUA estão apoiando as tarifas na crença de que isso gerará mais empregos e reanimará as indústrias nacionais. Isso é um erro, pois as tarifas apenas reduzirão as exportações dos EUA, acelerarão a inflação e levarão os EUA à recessão. Além disso, Trump está preparando grandes reduções de impostos para os ricos, a serem pagas por grandes cortes nos serviços governamentais, no sistema de saúde e na previdência social. 

Os líderes sindicais dos EUA devem opor-se a todos os cortes de serviços, exigir impostos mais altos para os ricos e as grandes empresas e exigir a aquisição dos bancos e das Sete Magníficas, juntamente com o desenvolvimento de um plano de investimento liderado pelo Estado para impulsionar os empregos e a produtividade. Os líderes sindicais devem se opor às políticas nacionalistas, protecionistas e anti-imigração e procurar formar alianças e estabelecer políticas conjuntas com os trabalhadores de outros países.

No Sul Global, os líderes dos trabalhadores devem não apenas se opor às tarifas, mas também exigir o fim do controle capitalista sobre suas economias. Eles devem se unir às organizações de trabalhadores do Norte Global para estabelecer políticas conjuntas anticapitalistas, implantar mudanças estruturais na economia e apelar à união dos trabalhadores de todos os países para caminhar rumo a um verdadeiro “dia da libertação”, em que serão liquidadas as amarras da dominação e da exploração capitalista.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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