O abandono da liberdade de expressão na Europa pelas cúpulas imperialistas tem levado a espetáculos de prisões pelos famosos crimes de opinião, frequentemente pela divulgação dos crimes de Israel em Gaza, mas também por simplesmente defender seus direitos trabalhistas. Em um estado como a Espanha, que se apresenta como “democrático” e “civilizado”, seis sindicalistas foram presos por terem defendido uma colega grávida que denunciou assédio no trabalho. É o caso de “Las Seis de La Suiza”, um grupo de trabalhadores da Confederação Nacional do Trabalho (CNT) em Gijón, Astúrias, que enfrentam uma sentença de três anos e meio de prisão por participar de protestos pacíficos em frente à confeitaria La Suiza. Há também o caso, ainda na Espanha, dos seis de Saragoça, onde seis antifascistas que se manifestavam contra o partido fascista Vox foram presos por “distúrbios”, com uma pena de quatro anos e nove meses de prisão.

Em Londres, em 9 de agosto, 466 pessoas foram presas por demonstrar apoio à organização Ação Palestina que luta contra o genocídio em Gaza. No início de julho, o parlamento britânico aprovou uma lei que classifica a Ação Palestina como organização terrorista e torna crime, punido por sentenças que chegam a 14 anos de prisão, o apoio público à organização. Não funciona da mesma forma com grupos sionistas que se manifestam a favor de Israel e, portanto, do genocídio.
O controle de todos pelo Estado
Agora, a repressão na Europa não vai ficar apenas em pequenos grupos, mas vai abarcar toda a população europeia. No dia 6 de agosto, foi lançado um projeto de lei, apoiado por vários países-membros da União Europeia, chamado “Chat Control”. O objetivo é permitir à polícia gravar todas as mensagens privadas, incluindo aquelas protegidas por criptografia de ponta a ponta.
A nova política repressiva europeia quer verificar a idade de todos os usuários das redes sociais, possibilitando a identificação digital obrigatória e o rastreamento detalhado de todas as conversas dos usuários na internet. Os países que patrocinam a total vigilância digital são Espanha, França, Alemanha e Polônia. Como sempre, esses tipos de medidas repressivas são justificados por pretextos fúteis. Desta vez, trata-se de combater o conteúdo de abuso sexual infantil.
No entanto, o mecanismo técnico monitora o usuário (“varredura do lado do cliente”). O projeto de lei exige que as mensagens sejam registradas antes da criptografia, diretamente nos celulares, tablets ou computadores dos usuários. Essa técnica ignora as proteções criptografadas agindo na fonte, diretamente no terminal.
Os serviços de mensagens criptografadas, como WhatsApp, Signal ou Telegram, seriam obrigados a integrar ferramentas de detecção capazes de denunciar automaticamente determinados conteúdos à polícia, tanto de texto quanto de imagem. Algumas redes sociais, como o X/Twitter, já começaram a exigir que o usuário se identifique para acessar determinado conteúdo.
Trata-se de um controle em massa sem precedentes, até mesmo na União Europeia. Os próprios juízes do Conselho da União Europeia salientam a falta de proporcionalidade da medida. Eles citam um alto risco de “falsos positivos”, ou seja, alertas errôneos direcionados a pessoas inocentes, e uma grave violação do direito à privacidade. Na verdade, as redes de tráfico sexual infantil raramente usam serviços de mensagens tradicionais, mostrando que não passa de um mero pretexto com grande capacidade de convencer os leigos da necessidade da medida. O projeto de lei ultrapassa todos os limites respeitados até agora da privacidade individual. As redes sociais, consideradas até agora o espaço de liberdade característico da “civilização ocidental”, vão se transformar em mecanismos de monitoramento e controle dos usuários. Eles serão equivalentes ao “Big Brother” da cada vez menos fictícia “1984”, de George Orwell. O sistema fará a busca sistemática das comunicações privadas, sem a necessidade de autorização judicial prévia.
Se o projeto for aprovado, criará um importante precedente legal: o Estado ganharia o direito de acessar as mensagens privadas das pessoas, incluindo aquelas que circulam de forma criptografada. Não haverá mais sistemas de comunicação seguros na internet porque, afinal, disponibilizar conteúdo privado ao Estado é disponibilizá-lo a qualquer pessoa.
A Dinamarca na liderança contra a criptografia
Assumindo a liderança do projeto de “chat control” desta vez está a Dinamarca, que detém a presidência rotativa do Conselho Europeu de 1º de julho até o final de 2025.
O Estado escandinavo tem sido um forte defensor da digitalização de imagens CSAM e do controle de bate-papo em reuniões anteriores do Conselho da UE e mencionou o regulamento pelo nome em sua lista de prioridades a serem perseguidas em sua presidência do Conselho nos próximos seis meses.
Apesar de continuar justificando a lei pelo abuso infantil, perigosamente amplia desmesuradamente seu alcance ao argumentar que as autoridades policiais devem ter as ferramentas necessárias, incluindo acesso a dados, para investigar e processar crimes de forma eficaz. Isso se aplica tanto a crimes online quanto a crimes graves planejados ou realizados por criminosos organizados usando tecnologia e métodos de comunicação modernos.
Alguns Estados-membros já introduziram versões de regulamentação contra a criptografia, incluindo mais recentemente a Áustria. No início de julho, a República Alpina aprovou uma lei de vigilância que permite que os serviços de inteligência interceptem mensagens criptografadas implantando software “cavalo de Tróia” contra suspeitos de crimes e terroristas.
A França e a Suécia estão debatendo regras semelhantes que forçam a descriptografia de registros de tráfego da Internet de provedores de rede privada virtual (VPN). A Espanha continua sendo uma defensora apaixonada da proibição total da criptografia de ponta a ponta, liderando um bloco de 15 Estados-membros que anteriormente votaram a favor de permitir backdoors em serviços de criptografia.
O Reino Unido, ex-membro da UE, atualmente enfrentando ridículo e indignação por seu esquema de verificação de idade online, usou ordens judiciais secretas para forçar empresas como a Apple a introduzir backdoors em seus serviços criptografados do iCloud.
O próximo debate e votação do Conselho sobre o controle de bate-papo ocorrerá em 14 de outubro, onde os líderes dinamarqueses tentarão convencer redutos como Polônia e Holanda a mudar os votos. Embora a Áustria tenha rejeitado anteriormente o regulamento, a nova coalizão parece preparada para mudar de ideia.
Alemanha legaliza espionagem digital
Por sua vez, a Alemanha está preparando outro projeto de lei de vigilância que autoriza, entre outras coisas, a intrusão sem mandado em dispositivos digitais pessoais, o rastreamento generalizado de passageiros aéreos e a eliminação de mecanismos independentes de monitoramento de dados pessoais. A Alemanha está preparando um projeto de lei de 170 páginas para a “modernização da lei da polícia federal”.
O objetivo é dotar as forças repressivas de tecnologias de ponta, como a possibilidade de penetrar em dispositivos pessoais como medida preventiva e sem necessidade de obter a autorização de um juiz. Com a nova lei, a polícia poderá introduzir todos os tipos de “cavalos de Tróia” em telefones celulares e computadores para monitorar as pessoas. Autoriza igualmente a coleta sistemática de dados dos passageiros em todos os voos que entram e saem do espaço Schengen.
Até agora, a formação de bancos de dados sobre indivíduos tinha que ser validada por autoridades independentes. Pela nova lei isso não será mais necessário, o que amplia os poderes da polícia para coletar e centralizar informações sobre cada indivíduo.
O projeto de lei elimina totalmente a chamada presunção de inocência, uma das bases da chamada “civilização ocidental”. Para sua aprovação, será necessário justificar a premissa de que existem comportamentos suspeitos em todos os usuários da Internet, para poder violar a sua privacidade. Pois não se trata mais de vigiar comportamentos criminosos, para inclusive impedir sua ocorrência concreta, mas de tornar todos os indivíduos que acessam as redes sociais suspeitos de algum crime. Sabe-se que a prática de crimes de abuso infantil é algo restrito a pequenos grupos na sociedade e não há dados que eles estão em expansão.
A lista de tecnologias previstas no projeto de lei é preocupante: drones, sensores de telefones celulares (sensores IMSI), sistemas anti-drones, reconhecimento de placas, coleta expandida de DNA, câmeras de videovigilância, operações secretas… Todo um arsenal que tornará a polícia um ator central no controle digital generalizado. Até que ponto pode-se confiar que esses policiais, expostos à vida íntima das pessoas, não se aproveitem da situação para praticar crimes de extorsão, chantagem e até sequestro, tão comuns no aparelho policial?
O governo alemão tem manobrado de forma a restringir o debate do projeto ao número mínimo de apenas duas semanas, porque não quer atrair a atenção dos alemães para o projeto da polícia do futuro.
A Comissão Europeia quer o controle digital
Em Bruxelas, a Comissão Europeia, a presidência dinamarquesa e os Estados-membros tentarão, mais uma vez, reviver o controle CSAM/chat que efetivamente quebraria a criptografia online em nome do combate ao material de abuso sexual infantil, um processo mais coloquialmente conhecido como “controle de chat”.
O imperialismo quer controlar a todos
Se esta lei for aprovada em sua forma atual, esses poderes permitiriam que as agências policiais nacionais forçassem os provedores de mensagens de criptografia a verificar e moderar o conteúdo em tempo real para evitar a responsabilidade de processos.
Isso significaria que serviços de e-mail, aplicativos de mensagens, VPNs, bancos de dados de empresas, uploads de arquivos em servidores seguros e muito mais serão necessários para detectar e denunciar qualquer imagem, link ou material relacionado à exploração sexual ou crime em geral. A generalidade depende da adaptação do regulamento por cada Estado-membro.
Embora a intenção declarada das autoridades da UE seja de acreditarmos em sua lógica, não devemos esconder o fato de que a maior parte disso não é tecnicamente viável. Além da análise de metadados, não há métodos seguros que permitam a criptografia parcial ou mesmo atrasada de informações ou imagens entre usuários, mantendo a integridade da criptografia de ponta a ponta.
Cada chamada VOIP, iMessage, texto do Signal, mensagem do WhatsApp e até mesmo mensagem direta em plataformas como Messenger e X usam protocolos básicos de criptografia para proteger as conversas entre seus usuários. Nada impede que as agências policiais usem ordens judiciais e poderes legais que já possuem para obter informações ou evidências de indivíduos. Não há poderes adicionais necessários.
A suspeita razoável e causa provável podem ser usadas por policiais treinados para resolver e impedir crimes sem a necessidade de bisbilhotar o dispositivo de cada usuário. Se os dinamarqueses quiserem levar isso adiante sem debate adequado e consideração técnica, saberemos com certeza que algo está podre no estado da Dinamarca.
O regresso do controlo das conversações em Outubro será mais uma oportunidade para a democracia europeia ser verdadeiramente posta em prática. Os europeus continentais, que consideram a privacidade e a segurança pessoais como sacrossantas, consentirão com o poder de filtrar suas chamadas para capturar maus atores? Ou eles se levantarão e exigirão que seus Estados-membros respeitem seus direitos e liberdades de usar tecnologia que preserve a privacidade?
Os relatos indicam que a proposta aparentemente tem o apoio de 19 dos 27 Estados-membros da UE, claramente aproximando a Europa de permitir a verificação do lado do cliente em aplicativos como WhatsApp, Signal e Telegram. No entanto, o plano enfrenta forte resistência de defensores da privacidade, organizações de direitos civis e vários governos da UE.
Estados-membros apoiam a proposta
O apoio à medida acelerou-se após a reintrodução do regulamento pela Dinamarca em 1º de julho, o início de sua presidência do Conselho da UE. A França, anteriormente opositora, agora mudou o apoio a seu favor, de acordo com declarações de Patrick Breyer, ex-eurodeputado alemão. Ao lado da Dinamarca e da França, Bélgica, Hungria, Suécia, Itália e Espanha são apoiadores notáveis. A Alemanha continua indecisa, mas se Berlim se juntar à maioria, a proposta poderá ser aprovada em meados de outubro por maioria qualificada – o que significa que pelo menos 15 países com 65% da população da UE devem concordar.
Como o controle de bate-papo funcionaria
Em vez de enfraquecer a criptografia diretamente, a legislação dependeria da verificação do lado do cliente — software em dispositivos individuais que inspeciona o conteúdo antes de ser criptografado e enviado. Os críticos comparam isso a fazer com que os correios leiam todas as cartas em sua sala de estar antes de selar o envelope.
Mas a oposição é retumbante. Grupos de privacidade, organizações de direitos digitais e especialistas jurídicos alertam que a proposta equivale a vigilância em massa e prejudica os direitos fundamentais. As autoridades do Serviço Jurídico e de Proteção de Dados do Conselho Europeu (AEPD e CEPD) assinalaram o risco de rastreio indiscriminado das comunicações eletrônicas em toda a UE.
Críticas técnicas e práticas
Especialistas alertam que a verificação do lado do cliente é experimental e arriscada. Existem problemas técnicos com ferramentas automatizadas para identificar CSAM novos ou desconhecidos — isto é, quando eles podem levar a “alertas” que dão nova vida a flashbacks de pessoas perdidas em uma mensagem ou imagem —, o que às vezes leva à identificação falsa de todas as imagens de família e artisticamente relacionadas, ou simplesmente conversas casuais entre jovens. Um estudo encomendado pelo Parlamento Europeu criticou a viabilidade da proposta, observando que nenhuma tecnologia atual pode distinguir de forma confiável o conteúdo ilegal do inofensivo sem erros.
Plataformas líderes como Signal e Threema alertaram que podem cessar as operações na UE se forçadas a implementar a varredura, e o jornalista Edward Snowden condenou a medida como “vigilância em massa aterrorizante”.



