Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

A indeterminação do sujeito

Na indeterminação do sujeito, o autor da ação aparece sem ser identificado com precisão

Entre os tipos de “sujeito”, a gramática define o “sujeito indeterminado”, cabendo indagar, portanto, qual o efeito retórico desse tipo de sujeito.

O poema “O pastor pianista”, de Murilo Mendes, começa assim:
Soltaram os pianos na planície deserta
Onde as sombras dos pássaros vêm beber.
Eu sou o pastor pianista,
Vejo ao longe com alegria meus pianos
Recortarem os vultos monumentais
Contra a lua.

O “sujeito gramatical” do verbo “sou” é “eu” e o “sujeito gramatical” do verbo “recortarem” são “meus pianos”; tais sujeitos são, consequentemente, determinados. Sabe-se que o enunciador do texto é “eu”, isto é, o pastor pianista, e que os pianos recortam vultos monumentais contra a Lua; nota-se, ainda, o quanto o surrealismo dos versos não está nas relações gramaticais, mas no vocabulário utilizado.

Mas quem soltou os pianos na planície deserta? Quem é o “sujeito gramatical” do verbo “soltaram”? O verbo está conjugado na terceira pessoa do plural “eles”, e isso gera dúvidas sobre quem é o sujeito praticante da ação. No poema, além do efeito linguístico, há o efeito estético, confirmando o estilo surrealista dos versos; mas quais seriam seus efeitos retóricos fora da literatura?

A utilização da “indeterminação do sujeito” faz com que o autor da ação verbal esteja escondido; ele é mencionado, embora sem ser precisamente identificado. Nos textos científicos, por exemplo, tal utilização do sujeito esconde o pesquisador para dar ênfase à pesquisa; quando o professor indaga: “quem quebrou a vidraça?” e os alunos respondem: “quebraram por aí, não sabemos quem foi…”, eles estão escondendo o responsável em nome do coleguismo.

Além de conjugar o verbo em terceira pessoa do plural “eles”, há outro recurso para indeterminar o “sujeito gramatical”; trata-se do chamado “índice de indeterminação do sujeito”.

Atenção nestas afirmações: (1) “Os gregos lutaram contra os troianos em razão do rapto de Helena”; com a “indeterminação do sujeito”, ela se transforma nesta oração: (2) “Lutaram contra os troianos em razão do rapto de Helena”; com o “índice de indeterminação do sujeito”, ela se transforma nesta oração: (3) “Lutou-se contra os troianos em razão do rapto de Helena”.

Com “índice de indeterminação do sujeito”, o verbo é conjugado na terceira pessoa do singular “ele” e, associado ao verbo, aparece o “-se”; esse “-se” é, justamente, o “índice de indeterminação do sujeito”. Igualmente ao “sujeito indeterminado”, o “índice de indeterminação do sujeito” esconde o agente da ação verbal; nos exemplos dados, o sujeito “Os gregos” da frase (1) desapareceu nas frases (2) e (3).

Por fim, convém não confundir o “índice de indeterminação do sujeito” com a “partícula apassivadora”, tema da coluna anterior de língua portuguesa. Naquela coluna, terminamos com a sequência de transformações indo da voz ativa à voz passiva sintética: (4) “Alguém vende casas” / “Casas são vendidas por alguém” / “Vendem-se casas”; (5) “Alguém vende casa” / “Casa é vendida por alguém” / “Vende-se casa”.

Em ambas, o sujeito está determinado: em (4), o “sujeito gramatical” é “casas” e, em (5), o “sujeito gramatical” é “casa”, fazendo do “-se” “partícula apassivadora”. Diferentemente, em “Lutou-se contra os troianos em razão do rapto de Helena”, o sujeito está indeterminado pelo índice “-se”.

(as ilustrações desta coluna são poemas visuais de Fernando Aguiar)

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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