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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Vaga na universidade depende de análise de traços fenotípicos

Os comitês de heteroidentificação, sob o pretexto de evitar a fraude da branquitude, vão enterrar a política de cotas

Recentemente foram divulgados casos de estudantes autodeclarados pardos que, mesmo tendo passado no exame vestibular, foram impedidos de fazer a matrícula na USP. Coincidência ou não, os candidatos barrados pela “comissão de heteroidentificação” pleiteavam vagas nos concorridos cursos de medicina e de direito, tradicionalmente frequentados pelos filhos da burguesia. O problema expõe a fragilidade da política identitária.

No fim do ano passado, o IBGE divulgava que o número de negros (pretos e pardos somados) era superior ao de brancos no país. O movimento negro comemorou a notícia, uma vez que o dado estatístico serve de base para a criação de políticas públicas. O critério do IBGE, como sabemos, é o da autodeclaração, único que preserva a dignidade das pessoas.

Ora, se o critério é válido para o IBGE, por que não o seria para a universidade? Alega-se, com base em ocorrências registradas desde o início dos programas, que os candidatos brancos são os potenciais fraudadores do sistema de cotas, o que levou à criação de comissões julgadoras do tipo racial. O problema é que “pardo” é uma designação tão vaga que quase toda a população brasileira, altamente miscigenada, poderia reivindicá-la. Além disso, submeter jovens a uma análise fenotípica não é coisa que nos traga boas memórias.

Mas como lidar com a fraude da branquitude? Antes que se pense que os comitês de julgamento racial são uma espécie de mal necessário, convém analisar outros aspectos da questão.

Em várias universidades, o sistema de cotas cruza dados raciais com dados socioeconômicos, sendo necessário comprovar ter estudado em escola pública no ensino médio para fazer jus a ele. Para burlar esse sistema, negros de classes médias estão migrando para escolas públicas e contratando professores particulares para reforçar os conteúdos que caem nos vestibulares. Dessa forma, podem candidatar-se pelas cotas, mesmo não obedecendo ao recorte social que justifica a política pública. Na prática, negros de classe média que fazem isso avançam sobre as vagas dos negros mais pobres.  Para os identitários, porém, isso não é um problema, pois classe social não é uma categoria relevante na política que defendem.

No frigir dos ovos, o que se vê é que esse sistema não soluciona o problema de fato, pois os negros nunca foram impedidos de entrar nas universidades por causa de seus traços fenotípicos. O que, historicamente, segregou essa população foi a pobreza. As cotas sociorraciais permitem um avanço, na medida em que o acesso à universidade pode alavancar a ascensão econômica, mas a questão, posta dessa forma, é mais social que racial, trazendo para a equação os brancos pobres, que, sim, existem.

Se o recorte socioeconômico prevalecer no sistema, essas constrangedoras avaliações fenotípicas não precisarão existir. Os identitários, no entanto, agora são defensores da avaliação racial, mas tudo indica que esse caminho trará problemas. Os “especialistas” dizem que, mesmo barrado na universidade, o candidato deve continuar se identificando como negro (ou pardo); os tais comitês vão julgar se a aparência deles os sujeita a “ouvir um insulto”. Então, devemos entender que há negros sujeitos a ouvir insultos e negros não sujeitos a ouvir insultos.  Além disso, se não passa no exame fenotípico, o estudante perde o ano, logo está instalado um quadro de grande insegurança. Na prática, admite-se que ele seja “negro” e que não possa entrar na universidade pelas cotas!

Os comitês de heteroidentificação, sob o pretexto de evitar a fraude da branquitude, vão enterrar a política de cotas, que, por si só, não é a melhor solução para o problema do racismo. Diante da possibilidade de judicialização e da perspectiva de caber a um juiz definir quem é e quem não é um negro apto à cota, o sistema parece fadado ao fim iminente.  Está na hora de equacionar o problema à luz da luta de classes, como a esquerda nunca deveria ter deixado de fazer.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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